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Qual é o papel da cultura do estupro na perpetuação dos crimes sexuais?

Machismo institucional que norteia atores do sistema de justiça, não somente desmotiva as vítimas, como colabora para a perpetuação crimes sexuais

MaxMilhas cria coletivo para enfrentar a violência de gênero (Cris Faga/Getty Images)

MaxMilhas cria coletivo para enfrentar a violência de gênero (Cris Faga/Getty Images)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 24 de outubro de 2021 às 12h13.

Por Fayda Belo*

Há muito tempo se sabe rotineiramente que a mulher é alvo de crimes sexuais. Mas por que, mesmo havendo legislação que reprime tais delitos, esse número não diminui? Por que ainda temos que assistir o aumento no número de casos dos crimes contra a dignidade sexual das mulheres?

Infelizmente, ainda hoje em nossa sociedade perdura a chamada cultura do estupro, que em apertada síntese significa que a sociedade tenta culpar as vítimas de crimes sexuais e minimizar o comportamento violento dos homens que praticam tais delitos.

Em recente pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, notou-se que mais de um terço da população brasileira considera que a vítima é culpada pelo estupro/assédio.

Onde ela estava? Com que roupa estava? Por que ingeriu bebida alcoólica? Por que aceitou o convite para jantar? Ainda hoje, a sociedade tenta achar meios para justificar, normalizar e chancelar a violação dos corpos femininos pelos homens. Tenta de maneira equivocada ligar crimes sexuais à sexualidade, quando, na verdade, se trata de violência, não de sexo.

O que se tem é uma agressão brutal que invade um corpo que não deu autorização para ser invadido. A cultura do estupro é resultado da normalização de comportamentos machistas, que incitam crimes sexuais e várias outras agressões contra as mulheres.

A culpabilização da vítima para tentar normalizar e minimizar a violação sexual contra as mulheres faz nascer um ciclo de revitimização que resulta na não punição do assediador, bem como na desmotivação da vítima em denunciar tais crimes.

Assistimos com repulsa a brutal tentativa de culpar a modelo Mariana Ferrer pelo suposto abuso sofrido, ao tentarem ligar o crime à suposta prática de prostituição pela mesma e às fotos com roupas curtas, como se tais elementos servissem com chancela para uma violação sexual.

Da mesma maneira vimos a ativista Isys, se tornar ré em uma ação de denunciação caluniosa, visto que o inquérito policial não encontrou provas suficientes do estupro de vulnerável por ela denunciado.

Mas ora! Se alguém sofre um crime, a ordem lógica é realizar a denúncia, cabendo à polícia e ao Ministério Público investigarem. É direito da vítima denunciar. Não é a vítima que tem que levar as provas. Para isso existe o inquérito policial, e se esse não consegue as provas necessárias para o indiciamento, transmuda a culpa para a vítima? Imputa-lhe uma ação de denúncia caluniosa como um recado de “não denuncie”?

Essa ausência de empatia somada ao machismo institucional que também norteia os atores do sistema de justiça, não somente desmotiva as vítimas, como colabora para a perpetuação e o aumento dos crimes sexuais contra as mulheres.

Enquanto a mulher não for vista como um indivíduo sujeito de direitos, e não como um corpo disponível, enquanto duvidarem sempre da palavra da vítima, enquanto tentarem sempre achar uma razão que justifique a violação dos corpos femininos a violência sexual contra as mulheres no Brasil persistirá.

Era só denunciar eles disseram

*Fayda Belo é advogada criminalista, especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídios e pós-graduada em Penal e Processo Penal

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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