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Político não admite erro. Mesmo quando o erro é a única coisa certa

Governantes do mundo todo devem desculpas por não terem se articulado melhor para minimizar as perdas humanas provocadas pela covid-19

Demarcação do antigo Gueto Judeu, em Varsóvia (Janek Skarzynski/AFP/AFP)
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Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2021 às 15h24.

Confessar erro em política é considerado crime contra a imagem de quem exerce poder. Não se deve errar. E se o político comete algum erro, deve se negar o fato mesmo contra as mais fortes evidências. Dissimula-se seguindo a cartilha cardinalícia de Mazzarino

Nunca se pede desculpas ao distinto público, nem se deve justificar, diz a cartilha que já foi aplicada pelo ateniense Péricles ao ver-se envolvido em denúncias de corrupção em obra de uma estátua da deusa Atena, há quase três mil anos. Também houve algo sobre perversões sexuais envolvendo a esposa de Péricles, Aspásia... ainda bem que não existiam as redes sociais na Grécia da Antiguidade.

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Há exceções à regra. Após deslize recente, a chanceler Angela Merkel recuou e pediu desculpas por um anúncio mal articulado de lockdown, junto com governadores alemães. Destoou e foi até destaque internacional no noticiário por esta razão. Mas o gesto de Merkel foi precedido por um movimento de muito maior expressão e grandiosidade na década de 1970, quando Willy Brandt era o primeiro-ministro da Alemanha no período da Guerra Fria.

Em visita oficial à Polônia, Brandt foi levado ao Gueto de Varsóvia – onde os judeus ficaram confinados pelos nazistas de Adolf Hitler a partir de 1939. Ao chegar ao memorial, Brandt se ajoelhou de forma espontânea e natural. Não é preciso legenda para explicar a razão de a fotografia ter parado na capa dos principais jornais do mundo e estar hoje nos livros e história. A eloquência do pedido de desculpas pelo erro de seu país não necessitou de uma só palavra de discurso.

Brandt é um personagem de vida aventureira quase hollywoodiana. Socialista, fugiu da Alemanha quando os nazistas chegaram ao poder.  Ainda respondia pelo nome de Herbert Frahm. Voltou ao país clandestino para estudar, usando codinomes. Descoberto, fugiu para a Noruega, que também foi invadida pelas forças de Hitler. Ele foi para a Suécia – onde foi acolhido até o final do conflito e ganhou uma protetora cidadania. Jornalista, cobriu a Guerra Civil Espanhola, por onde passou também Ernest Hemingway.

Em 1969, Brandt se tornou o quarto chanceler da Alemanha Ocidental, o primeiro de esquerda desde a Segunda Guerra Mundial. Fez gestos que hoje são lidos como o início da aproximação que permitiu a reunificação das duas Alemanhas, a Ocidental e a Oriental - surgidas pela disputa entre URSS e EUA como responsabilização por iniciar o conflito de 1939, e uma forma de enfraquecer o país diante de seus antigos inimigos. Ele estabeleceu diálogo com o União Soviética e manteve os laços com os países democráticos liderados pelos norte-americanos.

Foi o fato de se ajoelhar no memorial do Gueto de Varsóvia que marcou toda sua vida política. E permitiu à Alemanha enfrentar todo o passado de atrocidades cometidas durante a ditadura de Hitler contra judeus e outros povos, para se reconciliar com o futuro. Brandt também foi o primeiro chefe de governo alemão a visitar oficialmente Israel. Um legado de pacificação ao reconhecer o erro, gesto que o colocou no panteão dos grandes homens do século XX. Brandt ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1971.

Após 50 anos, entretanto, pouco se evoluiu na arena pública para admitir erros, equívocos, limitações ou falhas humanas pelos políticos. A máxima herdada dos reis absolutistas que alegavam ser infalíveis representantes divinos ainda mantém lastro em pleno século XXI.

Nos tempos atuais, não faltam fatos para ensejar contrições a governantes. Seja na Europa, onde a falta de preparação para cuidar de pessoas internadas pela covid-19 permitiu a morte de milhares, seja na China que não alertou o mundo sobre a gravidade do vírus no seu início, seja no negacionismo de Donald Trump nos Estados Unidos, seja na atitude do presidente Jair Bolsonaro no Brasil, que evita unir governadores e prefeitos na mesma luta contra o vírus.

Merkel pediu desculpas, mas ela apenas abriu a fila por um fato menor. Faltou a quase todos governantes do mundo uma articulação melhor para a prevenção, solidariedade maior para preparar a distribuição de vacinas, organização empresarial para produzir medicamentos, insumos e produtos que poderiam minimizar as perdas humanas. Houve gestos e ações, mas todas foram menores que a dimensão da crise. No mundo globalizado, cabia mais interação entre todos países.

O mundo está pagando um preço alto por todas essas perdas humanas, pessoais, familiares. Hoje, estamos ajoelhados pela dor e pela impotência diante da morte. É certo que não há entre nós um representante divino. Todos governantes são falíveis, em carne e ossos. Nenhum entretanto parece ser humano como Willy Brandt um dia o foi.

* Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

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