Mulheres líderes: por que ainda somos minoria no ecossistema de inovação?
Entraves à ascensão feminina a cargos de liderança começam na criação das meninas e vão até a forma de contratação e desenvolvimento profissional
André Martins
Publicado em 26 de março de 2021 às 15h50.
Última atualização em 26 de março de 2021 às 17h46.
Apesar dos avanços das últimas décadas, a presença feminina em posições de liderança ainda é minoritária — e, no mundo do empreendedorismo de inovação na educação, não é diferente.
De acordo com um relatório divulgado neste mês pelo Distrito Dataminer, 81,2% das edtechs foram fundadas exclusivamente por homens. Quando abrimos o leque para outros setores, esse percentual é ainda maior, chegando a 90,2%. Já as startups fundadas exclusivamente por mulheres representam apenas 4,7% do total.
Os entraves que dificultam a ascensão feminina a posições de liderança são de caráter tanto externo quanto interno. No primeiro caso estão incluídas as limitações de contratação e desenvolvimento profissional por conta da discriminação de gênero e a sobrecarga com tarefas normalmente atribuídas a mulheres, como o cuidado com os filhos e com a casa. Já os desafios internos estão muito ligados à insegurança que é fomentada desde muito cedo pela forma como socializamos as meninas, tornando-as mais autocríticas e avessas ao risco em comparação aos meninos.
Um estudo feito pelo LinkedIn, por exemplo, mostrou que, ao se candidatar a uma vaga de emprego, os homens se sentem aptos preenchendo 60% dos requisitos, enquanto as mulheres buscam cumprir 100% dessas condições. Essa característica ajuda a afastá-las do empreendedorismo, onde não existe risco zero.
Como empreendedora mulher, vivencio em primeira mão esses desafios. Além de fundadora e CEO da Education Journey, também sou mãe, esposa e faço trabalho voluntário na Brazil at Silicon Valley e no conselho de uma escola pública em Menlo Park, na Califórnia, onde vivo.
Em nossa sociedade, é comum que essas jornadas triplas de trabalho recaiam sobre as mulheres, que acabam aprendendo a conciliar essas tarefas — muitas vezes, com um custo alto para sua saúde, sua carreira ou seus relacionamentos. No entanto, isso não é considerado quando se olha para um CEO homem sem essas responsabilidades adicionais.
Além disso, percebo no meu dia a dia como a imagem feminina ainda está fortemente associada a uma posição de cuidadora. Isso ficou claro na minha transição de carreira. Enquanto trabalhava como professora na Califórnia, vivia cercada por mulheres; quando migrei para o mundo de edtechs, o entorno passou a ser predominantemente masculino.
No Brasil, essa realidade se repete: segundo o Censo Escolar, cerca de 80% dos professores do Ensino Básico são mulheres, mas apenas 18,8% das edtechs foram fundadas ou cofundadas por mulheres, de acordo com o Distrito. Isso se deve muito ao fato de que ainda somos frequentemente vistas nesse papel mais maternal, mas sem as habilidades necessárias para o empreendedorismo e o mundo dos negócios.
No meu caso, o desafio interno mais difícil de superar foi o da insegurança e do perfeccionismo. Apesar de possuir uma trajetória de mais de dez anos em educação, eu duvidava muito se tinha conhecimentos suficientes e se era a pessoa mais apropriada para empreender nesse setor. Três pontos foram fundamentais para que eu superasse essas barreiras internas.
O primeiro foi reconhecer que essa insegurança é algo que foi cultivado ao longo do tempo, e não uma característica natural minha. O segundo foi encontrar referências femininas dentro desse universo. Sheryl Sandberg, COO do Facebook, se tornou uma grande inspiração depois que li seu livro Faça Acontecer, em 2012, e busquei internalizar a ideia de que "done is better than perfect", ou seja, "feito é melhor que perfeito". E, por fim, o terceiro ponto foi me apaixonar verdadeiramente pelo problema da educação, entendendo quão urgente é resolvê-lo e enxergando o potencial da minha contribuição.
Esses são alguns dos desafios e aprendizados da minha história individual como empreendedora, comuns a tantas outras mulheres que buscam seu espaço no setor. É urgente que mudemos esse cenário e que incentivemos nas meninas, tanto quanto fazemos com os meninos, o sonho e a coragem de empreender.
Isso terá impactos não apenas no sucesso feminino nessa e em outras carreiras, mas também no êxito dos negócios: estudos da McKinsey já mostraram que empresas com mulheres em cargos de liderança são 25% mais propensas a obter retornos financeiros acima da média no seu setor.
Por tudo isso, na Education Journey pensamos muito intencionalmente na promoção de oportunidades para mulheres, contando com um time 70% feminino. Afinal, se temos tantas mulheres na educação básica, faz sentido que sejamos muitas também no cenário de startups de tecnologia educacional.
* Iona Szkurnik é fundadora e CEO da Education Journey, plataforma focada em desenvolver o ecossistema de inovação na educação, e co-fundadora e membro do conselho da Brazil at Silicon Valley
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