Investir: pesquisar, estudar e encontrar o melhor caminho (sesame/Getty Images)
Bússola
Publicado em 29 de agosto de 2022 às 13h36.
Última atualização em 29 de agosto de 2022 às 13h39.
Compre ao som dos canhões e venda ao som dos violinos. A frase famosa entre os profissionais do mercado financeiro, atribuída ao financista londrino Nathan Rothschild, que morreu em 1836, parece não ser muito conhecida da infantaria dos investimentos.
Sempre ouvimos os casos de pequenos poupadores que, após ouvirem durante meses que a bolsa está batendo recordes atrás de recordes, resolvem aplicar seus recursos em ações, em geral nas que já subiram mais. Após a primeira crise, com a correção dos valores, se assustam e vendem os ativos, realizando o prejuízo, como se diz no jargão do mercado. Normalmente, esses prometem que jamais entrarão de novo na bolsa e que fugirão da renda variável para sempre.
A mesma dinâmica pode ocorrer no segmento de startups. O sujeito ouve falar dos lucros extraordinários que os investimentos nessas empresas estão proporcionando, lê sobre as que, em pouquíssimos anos, saíram do zero e se tornaram unicórnios e então pensa: não posso perder essa oportunidade. Como faço para entrar nessa festa?
Bom, é justamente aí que mora o perigo. Há uma expressão conhecida pela sigla em inglês FOMO ou Fear of Missing OUT, que significa o medo de ficar fora de algo. O conceito pode ser aplicado em várias esferas da vida. Para investidores, o FOMO leva, na maioria das vezes, a prejuízos.
A pessoa é bombardeada por notícias na mídia, publicações nas redes sociais, anúncios de instituições financeiras sobre lucros espetaculares, ouve histórias de pessoas que ficaram ricas e, sem ter conhecimento algum sobre aquele mercado, decide investir. Quase sempre, ele entra no fim da festa e acaba tendo de pagar a conta toda.
Essa “síndrome” faz muitas “vítimas” em diversos mercados ultimamente: criptomoedas, bolsas de valores, e até mesmo no investimento-anjo ou em fundos de venture capital, que aplicam recursos em startups.
Um exemplo que pode ter deixado alguns incautos roxos de raiva foram as ações do Nubank, que teve um badalado IPO e estreou na Bolsa de Nova York, em dezembro do ano passado, como o banco mais valioso da América Latina. O valor de mercado do banco foi calculado em um momento de extrema liquidez nos mercados globais, antes de o Banco Central dos Estados Unidos começar o movimento de alta dos juros.
Em junho deste ano, após a alta da inflação acender o alerta das autoridades monetárias mundo afora, elevando os juros das principais economias, e a Guerra na Ucrânia ter feito disparar os preços das commodities, as ações do banco digital já tinham despencado 60%. O investidor novato e desinformado que foi na onda da moda e investiu seu dinheiro lá no IPO pode ter se apavorado e vendido os papéis no pior momento em uma tentativa de estancar as perdas.
Já quem avaliou que as ações já tinham caído demais em meados de junho, quando as notícias eram bastante negativas sobre o futuro do banco digital, pode ter aproveitado uma boa oportunidade. De 12 de junho a 14 de agosto, os papéis do Nubank tiveram uma valorização de mais de 40%. É claro que este lucro só se materializa se o afortunado tivesse comprado e vendido os papéis nestas datas. Aliás, há uma outra máxima de investidores que diz: nem tudo que desce sobe de novo.
Claro que isto aqui não é uma recomendação de investimento, mas a moral da história vale a qualquer tempo: ir atrás da onda do momento, por medo de perder a oportunidade, e sem conhecimento sobre o mercado em que se investe, pode provocar grandes prejuízos ao poupador.
No setor de tecnologia e inovação, nos últimos três anos, todos falavam que o investimento em startups só crescia, fundos e mais fundos de venture capital foram criados e os valuations de muitas dessas empresas alcançaram os céus.
Só em 2021, os investimentos em startups brasileiras aumentaram 174% em relação a 2020, quando já tinham sido extremamente elevados, de acordo com relatório da Distrito. No mundo, 2021 foi marcado também pela quebra de recordes no financiamento de startups. Foram mais de US$ 621 bilhões, um aumento de 111% em relação a 2020.
Após os sons dos violinos darem lugar ao barulho dos canhões e o cenário da economia global começar a mudar, no primeiro semestre deste ano, houve uma desaceleração dos investimentos. Com isso, muitos dos valuations de startups e unicórnios que estavam inflados artificialmente pelo excesso de dinheiro nos mercados caíram.
Essa correção de valores é até desejada para manter os parâmetros de qualidade do ecossistema de inovação. Ela traz um pouco de realidade para empresas que não geravam lucro e só cresciam às custas de novos aportes dos investidores. Quem é do mundo dos negócios ou dos investimentos sabe que nenhuma companhia pode se sustentar somente em aportes infinitos, com promessas de um crescimento eterno.
A desaceleração não foi uma situação catastrófica. Longe disso. Segundo a Distrito, as startups brasileiras captaram US$ 2,92 bilhões no primeiro semestre deste ano, uma queda de 44% em relação a igual período de 2021, lembrando que o ano passado foi de recorde histórico. A queda foi justamente nas startups em estágio de desenvolvimento mais adiantado, onde os aportes são mais elevados e feitos normalmente por grandes fundos de venture capital.
O volume investido nas empresas de estágios iniciais, porém, cresceu no primeiro semestre de 2022. As rodadas do tipo seed (anjo, pré-seed, seed) saltaram de US$ 151 milhões, em 2021, para US$ 282 milhões, este ano, enquanto os rounds early stage (que compreendem as séries A e B) passaram de US$ 1,23 bilhão para US$ 1,39 bilhão. O que ocorre é que as empresas maiores, que já tinham recebido grandes quantias no período de excesso de liquidez, têm de se mostrar lucrativas agora para que os investidores aportem mais capital.
Claro que o investimento em startups é, por definição, de risco. Esse risco pode ser minimizado com conhecimento e, como todo investidor sabe, tem de ser avaliado em relação ao retorno potencial. Quando se investe em 20 startups, pode ser que umas poucas tenham grande sucesso. Mas o retorno deve compensar todo o dinheiro aplicado nas que ficaram pelo caminho.
Se há uma lição a se tirar desses períodos como o atual, é a importância de uma análise racional da relação risco-retorno. Quando o FOMO ultrapassa a racionalidade, o investidor acaba comprando ativos que não têm uma relação risco-retorno atraente.
Então, se podemos dar um conselho, aí vai: nunca invista sozinho, principalmente em startups. A racionalidade, pesquisa, experiência e estudo minimizam as chances de erro. Invista em qualidade, nunca em quantidade. E nunca, nunca, tenha pressa…
*Orlando Cintra é founder e CEO do BR Angels
Vittorio Danesi é CEO da Simpress, Board Advisor de várias startups e membro do Comitê de Avaliação do do BR Angels
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