Governo precisa ouvir vozes de Manaus, dizem pesquisadores e empresários
Para representantes da indústria amazonense, é fonte de apreensão como a região será reinterpretada pelo novo governo federal
Bússola
Publicado em 10 de janeiro de 2023 às 15h00.
Última atualização em 10 de janeiro de 2023 às 15h21.
Por Bússola
Já passava das 2 da madrugada quando Gaby Amarantos subiu ao palco do Festival do Futuro, evento que marcou a posse de Lula na Presidência no primeiro dia do ano. Ao se deparar com problemas no som, um dos recados dados pela cantora paraense ao público foi que o novo governo não esqueça que os nascidos no Norte do país também são brasileiros. Apesar de se referir à falta de apoio para artistas da região, a queixa é recorrente também em outras áreas, notadamente nos campos ambiental e econômico. E esse será um desafio para a nova gestão.
O professor associado da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Augusto Cesar Rocha resume a inquietação de Amarantos quando o assunto é Zona Franca de Manaus (ZFM) e a necessidade de melhorias na infraestrutura da região para impulsionar o desenvolvimento econômico e social no Norte do país. “Entendo que a sociedade local como um todo [ meio científico e empresarial ] tem sido constantemente ignorada. Tenho participado de incontáveis conversas e debates com outros brasileiros sobre a Amazônia, que só nos conhecem pelo Google Earth”, afirma.
Para efeito de comparação ele acrescenta: “Imagine só se eu começasse a falar sobre o Rio Tietê, o trânsito da Marginal ou da Rodovia dos Bandeirantes? Não haveria chance de ter eco. Por outro lado, todos que não pisaram no Amazonas ou em Rondônia, avaliam a BR-319 e são ecoados pelo planeta, sem nenhum contraponto local. Isso faz sentido? O problema não é só com os ‘índios’ — a discriminação é muito mais profunda que isso, ela está em todos os níveis.”
O presidente do conselho do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Luiz Augusto Barreto Rocha, garante que a categoria tem expectativa positiva em relação à nova gestão, principalmente diante do tratamento dado à região e à ZFM pelo último governo, que editou decretos ameaçando a competitividade do modelo econômico. Como exemplo, Rocha menciona o texto que zerou o imposto sobre produtos industrializados (IPI) para empresas fora do polo manaura, retirando a competitividade das companhias ali instaladas. Os incentivos foram restaurados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Estamos acostumados com estas flutuações, mas mantemos a tranquilidade, já que a Constituição está do nosso lado”, declara. Ele cita como positiva também a possibilidade de um quadro ligado à região ser escolhido para gerir a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). O deputado em fim de mandato Marcelo Ramos (PSD-AM) foi cogitado para o posto, mas descartou a ideia.
Estão cotados para o cargo nomes como José Ricardo (PT) — que desponta como favorito por ter participado do grupo de transição governamental —, Bosco Saraiva (SD) e Serafim Corrêa (PSB). Os três políticos representam o Amazonas.
Em vias de mais uma brusca guinada governamental, notícia positiva no bojo das políticas públicas para o polo de desenvolvimento foram as declarações do presidente Lula ao longo da campanha, garantindo que ninguém mexerá com a ZFM. Ainda assim, é fonte de apreensão como a região será reinterpretada diante do seu papel em áreas que ganharam protagonismo mundial, que incluem a preservação ambiental e o respeito às comunidades indígenas.
De acordo com o estudo Zona Franca de Manaus: Impactos, Efetividade e Oportunidades, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), o polo manauara permitiu uma forte expansão da renda per capita, industrialização acelerada para a região, consolidação de um parque industrial sofisticado e importante geração de emprego qualificado na indústria de transformação.
Conforme análises dos pesquisadores Márcio Holland e Renan De Pieri, o crescimento do produto interno bruto (PIB) per capita do Amazonas mais que dobrou desde 1990, enquanto o de São Paulo cresceu 32%; quase o mesmo desempenho de Pará, Roraima e Acre, vizinhos do Amazonas. Acompanharam o processo de desenvolvimento regional os indicadores relacionados à educação, conforme o estudo.
Apesar da constatação dos benefícios derivados da criação da zona incentivada, não há uma agenda política clara para o bloco. Na avaliação do professor Augusto Rocha, a partir da composição do grupo de transição, no ano passado, a principal falha do poder público deverá ser mantida, excluindo pensadores e geradores de conhecimento ligados à região Norte: “É preciso ouvir as vozes de Manaus”, diz.
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