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ESG: que estranha desafeição por nosso próprio mundo é essa?

A cada mergulho para verificar a quantas anda no Brasil o desempenho nas 169 metas dos 17 ODS, saímos com desalento e a certeza de que precisamos remar muito

O cuidado com o meio ambiente é raro (Barcroft Media / Colaborador/Getty Images)

O cuidado com o meio ambiente é raro (Barcroft Media / Colaborador/Getty Images)

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Publicado em 3 de novembro de 2022 às 17h02.

Última atualização em 8 de novembro de 2022 às 17h47.

É só um palpite pelo o que tenho visto em empresas por aí: de todos os 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), talvez o que mais tem recebido empenho do mundo corporativo seja o de número 5, que versa sobre igualdade de gênero.

E, no entanto, temos ainda tanto a avançar nessa estrada que, se vacilarmos, um certo desânimo, de mãos dadas com um desgosto, aparecerá no acostamento a nos acenar. Vejam só, num grupo de 82 empresas brasileiras de ponta, as mulheres ocupam hoje apenas 13% das vagas de diretoria e 15% das cadeiras nos conselhos de administração.

E não são quaisquer empresas, são grandes companhias que figuram em três listas específicas, o que muito possivelmente as torna mais avançadas na agenda ESG do que a média das demais. Todas pertencem à bolsa de valores, todas estão no Global Reporting Initiative (GRI) e todas são signatárias do Pacto Global da ONU. 

Esses resultados que mencionei estão na primeira leva de dados aferidos pelo Observatório 2030, criado em maio último pela Rede Brasil do Pacto Global e pela consultoria Resultante para acompanhar de perto e ajudar as empresas do país a cumprir suas metas com os ODS.

O observatório se propôs a analisar os temas de gênero, clima, corrupção, salário digno e água. Esse mergulho inicial das 82 empresas trouxe dados de gênero e clima e foi tema de artigo publicado na última edição da revista GV-Executivo, assinado por Gabriela Rozman e Jaqueline Oliveira, ambas do Pacto Global.

As companhias estão divididas em 11 setores, e em somente dois deles o percentual de mulheres no quadro funcional supera 50% — saúde e educação, com 78%, e varejo, com 58%. Os setores com menos mulheres são siderurgia e mineração, com 14%, e papel, celulose e madeira, com 16%. E um dado ainda mais alarmante: módicas 15 das 82 empresas reportaram ter colaboradoras negras entre as funcionárias.

Os dados de clima trazem um desalento maior. Somente duas empresas atingiram suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa com validação da Science Based Targets Initiative (SBTi), apesar de 19,5% terem compromissos relacionados a esta iniciativa baseada na ciência. E 11% possuem comprometimento de se tornar net zero.

Os dados confirmam o que outras pesquisas já deixaram claro. Quanto mais perto chegamos, mais longe ficamos de 2030. A data está se aproximando, mas as chances de atingirmos as metas dos 17 ODS que firmamos em 2015 vão ficando cada vez mais difíceis.

No ano passado, em plena pandemia, o Relatório Luz, elaborado por 106 especialistas de 60 organizações do Brasil, constatou que mais de 80% das 169 metas dos 17 ODS estavam estagnadas, em retrocesso ou ameaçadas. E, neste ano, os avanços ainda não deram as caras em nenhuma delas, de acordo com o mesmo relatório.

Essas imersões nos ODS são fundamentais, a despeito dos resultados borocoxôs com os quais em geral emergimos de lá. Porém, se não fossem feitas, seria impossível imaginar qualquer correção de rota. O próprio Pacto Global vira e mexe lança novas iniciativas para que essas correções sejam viáveis. Que bom seria se todas as empresas as conhecessem e, com um esforço genuíno, participassem delas.

Vamos torcer para que o fim da pandemia e a passagem das eleições sejam capazes de encorajar não apenas as companhias mas também as pessoas e os governos a elevar suas ambições, para que, assim, aquela estranha desafeição que persiste pelo nosso próprio mundo não oblitere a esperança de que ele ainda pode ter jeito.

*Renato Krausz é diretor-geral da Loures Consultoria

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