Elas na Escola: as experiências de meninas negras para a política brasileira
Este artigo faz parte de uma série de textos sobre o projeto Elas na Escola, desenvolvido pelo Elas no Poder
Bússola
Publicado em 26 de janeiro de 2023 às 16h00.
Última atualização em 26 de janeiro de 2023 às 16h09.
Por Thânisia Cruz
O Elas na Escola é sobre uma conversa necessária e indigesta, que pode proporcionar duas reações: o choro emocionado com função assistencialista ou a ação coletiva e estratégica. O projeto é a essência de um ditado carioca que diz “papo reto não faz curva”.
Neste momento, não trataremos sobre o projeto em formato de apresentação. Para isso, recomendamos acessar a nossa Pesquisa de Percepção sobre o Futuro, a ser lançada em breve. Aqui, vamos partir para outros pontos de conversa, por enquanto, com quem administra a educação brasileira.
Para começar esta conversa, o mais importante é entender que o público-alvo são crianças, adolescentes e famílias negras de escolas públicas. São pessoas com faixa etária entre 7 e 60+ anos, participando de atividades diferentes e complementares.
Com todas as experiências, vivências, pertencimentos e formas de ver a vida, é preciso considerar que estas meninas e suas famílias possuem seus próprios sonhos, vontades, interesses e ideias. Nós abrimos uma chamada baseada na agenda do combate ao racismo e equidade racial e de gênero com a expectativa de que elas se envolvam com esses temas, se instrumentalizem para construir a representação política que têm direito. Estamos conscientes de que são as próprias meninas que devem decidir sobre os seus rumos e que elas não farão isso sem o acesso às políticas públicas educacionais e afirmativas.
O nosso papel é manter a transparência sobre os nossos objetivos ao atuar com elas e suas famílias, assumindo o compromisso de ter aberto uma porta de acolhimento, interação comunitária e apoio para o desenvolvimento de suas formas de acessar direitos e, possivelmente, de poder.
Dito isso, provavelmente, este texto deveria ter sido pensado para um diálogo de portas fechadas com mulheres e meninas negras das periferias do Brasil e da América Latina. No entanto, por acreditar na possibilidade das redes sociais amplificarem as vozes, abrimos o debate a todas as pessoas interessadas na gestão da educação brasileira e produção de políticas públicas afirmativas para além de nosso grupo focal, sabendo que o nosso interesse e prioridade são a ação coletiva, estratégica e metodologicamente versada pelas mobilizações de mulheres negras, feministas, mulheristas, sindicalistas, artesãs, trabalhadoras, catadoras, sambistas, empregadas domésticas e tantas outras de Norte ao Sul do Brasil.
Prontas para dialogar, podemos afirmar que o Elas na Escola é uma promessa, uma oportunidade de cura e de fortalecimento para todas as pessoas envolvidas.
Nossas atividades são planejadas para alcançar o conforto nas interações das participantes. Por isso, são elas que, dentro dos temas, apresentam suas reflexões e se abrem às suas experiências do passado, do presente e do futuro.
Nosso lema, sugerido por uma de nossas psicólogas, Andréia Crispim, é “eu sou uma menina negra do agora e uma mulher negra do futuro”. Este é um indicativo de que o poder em termos de autoestima, projeção intelectual e sonhos já existem para essas meninas dado a forma com que elas se posicionam no projeto. A partir disso, é a participação política que entra em debate: o que aguarda essas meninas e sobre qual poder estamos falando para mulheres negras hoje?
Como que, diante de todos os dados que analisam a realidade das mulheres negras no Brasil e no mundo, hoje, nós conversaremos sobre poder?
O Elas na Escola é uma promessa. Contudo, nos termos do poder, ainda precisamos atuar para a construção de políticas públicas afirmativas que alcancem essas meninas que se apresentam no projeto com identidades tão consolidadas. Acreditamos que, estando juntas, elas se tornam mais seguras e chamam por mais meninas a serem matriculadas em ações formativas sobre atuação das mobilizações de mulheres negras no Brasil, ensino-aprendizagem de línguas, aprofundamento em exatas e ciências.
Por isso, afirmamos que as nossas prioridades são tempo e apoio financeiro, pois, para nós, nesta primeira fase, o que nos chamou a atenção foi a possibilidade de nos reunirmos coletivamente para conversar, ter contato com outras ferramentas de conhecimento e integrar as famílias ao processo. São momentos que conquistamos consolidando a bolsa de estudos como uma forma de apoio para a chegada de familiares que precisam trocar dias de trabalho para estarem com as crianças.
Nós sabemos que a história atual do Brasil vem recebendo fatos adicionais com o acirramento da visão neoliberal, baseada na colonização e no patriarcado. Assim, o tempo é precioso para nós, então, aproveitamos cada momento para fazer trocas baseadas em memórias afro-brasileiras e indígenas, pois o curso da história não possui um freio. Ele acontece. Essas meninas e suas famílias sofrem grande impacto tanto com as fissuras da história quanto com os novos rumos que estão surgindo e que negam as contribuições e as experiências de pessoas negras e indígenas em nosso território.
Assim, a pergunta que devemos fazer é: de que forma essas meninas serão protagonistas da própria história, de maneira conectada à consciência política de raça, gênero, classe e território, com participação política?
*Thânisia Cruz é coordenadora do projeto Elas na Escola, desenvolvido pela ENP
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