Brasília: Deputados concluem votação de emendas da reforma política, na comissão especial, em 15 de agosto (Lula Marques/AGPT/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 18 de agosto de 2017 às 21h41.
Em 2016, os partidos políticos brasileiros precisaram rebolar para financiar suas campanhas eleitorais – as primeiras sem financiamento privado, que foi proibido em 2015. Para o ano que vem, ainda não há previsão de alternativa, mas os deputados estão correndo para conseguir aprovar a reforma política, que inclui um financiamento público bem robusto para as campanhas.
O texto do relator Vicente Cândido (PT) foi aprovado comissão especial da Câmara na madrugada do dia 10 de agosto, e teve a votação de emendas concluída no dia 15. A correria é tanta que a PEC 77/2003, nome formal da reforma política, quase foi votada em plenário no dia seguinte. A pressa se explica pelo fato de que, para valer já nas eleições de 2018, as novas regras têm de ser aprovadas até o começo de outubro. Por ser uma PEC, o texto deve ser aprovado em dois turnos na Câmara e no Senado, com um mínimo de apoio de 308 deputados e 49 senadores em cada rodada.
Nela, consta a criação do Fundo para Financiamento da Democracia (FDD), o chamado “fundão”, que deve destinar para as campanhas eleitorais de 2018 um montante de 3,6 bilhões de reais. A ideia é que o fundão funcione apenas em ano eleitoral, e que o dinheiro venha de uma porcentagem fixa: 0,5% da receita corrente dos últimos doze meses (entre junho de 2016 e junho de 2017, o equivalente aos 3,6 bilhões de reais).
Essa verba é diferente do Fundo Partidário (ou Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos), que continua existindo para manter as atividades cotidianas dos partidos. A diferença é que ele é composto por multas eleitorais aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e por recursos definidos pelo Congresso no orçamento. Em 2017, o fundo público destinou 819 milhões de reais para os partidos.
O problema do fundão é justamente o valor do financiamento, que foi considerado abusivo. A proposta foi tão mal recebida na Câmara que o senador Randolfe Rodrigues (Rede) se referiu aos valores do fundão como um “escárnio completo”, e Jorge Viana (PT), afirmou que “não dá para fazer reforma política para piorar o que já está ruim”. Deputados do Psol, da Rede e do PHS também chegaram a pedir que a votação na comissão fosse adiada para que a sociedade pudesse conhecer o texto proposto.
Especialistas concordam que o valor é exagerado. “Democracias avançadas envolvem algum grau de investimento público nos partidos políticos. Mas esse valor pra gente está alto demais”, afirma o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília. As críticas levaram o relator, Vicente Cândido, a afirmar que vai sugerir uma emenda que desvincula o fundão da receita e que daria à Comissão Mista de Orçamento flexibilidade para decidir os valores um ano antes, com base na situação financeira do país. Para o relator, 2 bilhões para o fundão seria uma quantia “razoável”.
O problema dessa flexibilidade é que, da mesma forma como o Congresso pode manipular a verba que vai para o fundo partidário, também seria possível definir em plenário o quanto vai para o fundão. “É absolutamente necessário que criemos mecanismos pelos quais os próprios cidadãos possam ter instrumentos para direcionar o uso dos recursos públicos às campanhas”, diz Romão, cientista político Wagner Romão, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e especialista em Estado e Governo na Unicamp.
Nas eleições de 2014, gastou-se mais de 7 bilhões de reais em campanhas, quase 6 bilhões vindo de doações de empresas. Em 2016, com a proibição de doações privadas, esse valor caiu para 3 bilhões de reais. Para reverter os cortes, já tramita no Senado um projeto de lei para voltar a autorizar a doação privada – que é vista como uma das causas de escândalos de corrupção envolvendo gigantes como Odebrecht e JBS.
O fato é que, com o fim das doações privadas, algum financiamento público passa a ser necessário – e especialistas consideram esse investimento como “o custo da democracia”. O problema é que, no Brasil, se destina muito mais dinheiro para partidos do que em outros países do mundo. Um levantamento do cientista político Bruno Bolognesi, coordenador do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mostrou que o fundo partidário brasileiro representava, em 2015, cerca de 0,01% do PIB, ante 0,003% no Reino Unido ou 0,006% em Portugal. Isso sem nem levar a verba do fundão em conta.
A ideia era que, com os cortes das doações privadas, os partidos começassem a correr atrás de doações individuais. Só que isso não ocorreu no volume que deveria. Em 2016, as campanhas já tiveram um montante considerável vindo dos cofres públicos: 650 milhões de reais, 21% dos 3 bilhões gastos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. Isso porque, antes mesmo de o fundão existir, o Congresso engordou deliberadamente o fundo partidário. Em 2015, o valor destinado aos partidos triplicou, passando de 289 milhões de reais para 867 milhões. “Acabar com o financiamento empresarial só fez os partidos correrem a buscar mais recursos dentro do Estado”, diz Bolognesi.
Outro fenômeno que passou a ocorrer foi o autofinanciamento, com candidatos colocando dinheiro nas próprias campanhas ou nas campanhas do próprio partido. O próprio presidente Michel Temer foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por doar mais do que o permitido a deputados do PMDB – a lei estabelece que uma pessoa física pode doar até 10% da renda para campanhas eleitorais. “Essa regra reproduz a desigualdade econômica do Brasil, transformando-a em desigualdade política”, diz o professor Wagner Romão, da Unicamp. Ele aponta que uma regra mais justa, por exemplo, seria um teto nominal de, por exemplo, dez salários mínimos.
Ainda não está definido como os recursos do fundão seriam distribuídos. Existem diferentes formatos em discussão. A proposta original do relator Vicente Cândido era de que os diretórios nacionais dos partidos estabelecessem como distribuir o dinheiro, mas a ideia foi rejeitada pela comissão, porque o modelo ampliaria desigualdades regionais.
Mas já dá para saber como o dinheiro será distribuído: cada partido, somente por existir, deve ganhar 2% do valor do fundo. Dos 98% que sobram, 49% são distribuídos proporcionalmente à quantidade de votos nas últimas eleições, 34% segundo o número de deputados e 15% segundo a bancada no Senado. Atualmente, cada partido já tem acesso, obrigatoriamente, a 5% dos 819 milhões do fundo partidário, e os outros 95% são distribuídos de forma proporcional à votação que obtiveram para a Câmara nas últimas eleições.
Especialistas argumentam que essa divisão acaba estimulando a criação de mais partidos. “Partidos fisiológicos, sem relevância, carregam um recurso que é desproporcional ao tamanho deles. Somado ao modelo de coalizão, isso cria uma fragmentação partidária que é prejudicial”, diz Bruno Bolognesi, da UFPR. O professor defende a adoção de uma “cláusula de desempenho”, em que a distribuição do fundo deveria ser vinculada apenas ao número de votos. Há ainda a distribuição de acordo com diretórios, o que privilegiaria os partidos que estão mais espalhados pelo território e, em tese, mais próximos da população.
Todos os partidos também têm direito a uma parcela da propaganda eleitoral gratuita na TV, paga com dinheiro público por meio de renúncias fiscais. É muito dinheiro público envolvido, e, num país que está fazendo sacrifícios como reformas e ajustes fiscais, enxugar é essencial. Em 2017, áreas como Educação e Ciência e Tecnologia tiveram queda de mais de 20% no financiamento em relação a 2016. Saber quanto será destinado ao financiamento de campanhas será uma questão, antes de tudo, de definir prioridades.