O senador Angelo Coronel (PSD-BA) preside a CPMI das Fake News (Lula Marques/Agência Pública)
Clara Cerioni
Publicado em 15 de fevereiro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 15 de fevereiro de 2020 às 09h00.
“Quem mentiu foi o Hans”. Afirma categoricamente o senador Angelo Coronel (PSD – BA) presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, em referência ao ex-funcionário da empresa Yacows que difamou a jornalista Patrícia Campos Mello durante audiência na última terça-feira, 11 de fevereiro.
Hans River foi convidado a falar na CPMI sobre seu trabalho na empresa de disparo em massa de mensagens via Whatsapp durante a campanha eleitoral de 2018. Mas seu depoimento virou um dos muitos momentos polêmicos dentro das sessões da Comissão.
No ano passado, depoentes denunciaram a existência de uma rede de disseminação de notícias falsas e organização de ataques virtuais dirigida por membros do Palácio do Planalto – o chamado “gabinete do ódio”.
Parlamentares da própria Comissão foram acusados de fazer parte desse grupo. Mas o presidente da CPMI não acredita que o tal gabinete esteja em funcionamento. “Se tem ou se teve no passado um gabinete do ódio, você acha que vai estar mantido agora? Acho que se existiu um gabinete do ódio, eu não acredito que exista mais”, resume.
Em entrevista exclusiva à Agência Pública, Coronel falou sobre as polêmicas recentes e os próximos passos da Comissão. Dentre as proposições finais, ele prevê projetos de lei para endurecer as penas para o crime de difamação e para obrigar as plataformas de redes sociais a manterem sede do Brasil para operar no país.
Confira:
Essa semana a CPMI foi assunto de grande repercussão nas redes sociais com o depoimento de Hans River, ex-funcionário da empresa Yacows, que difamou a jornalista Patrícia Campos Mello em plenário. A CPMI poderia ter intervido nesse depoimento?
Quando uma pessoa chega e deprecia alguém, esse alguém que foi depreciado tem que entrar na justiça contra essa pessoa. Agora, eu não posso como presidente [da CPMI] estar ali, um depoente chegar e falar mal de uma pessoa e eu dar “você está preso”. Eu não tenho esse poder. As provas de que ele realmente mentiu só saíram à noite, quando a Folha publicou o achaque que sofreu a jornalista Patrícia. Se no momento do depoimento do Hans tivéssemos aquela prova na mão, aí eu poderia dar uma voz de prisão a ele.
O que a Comissão pretende fazer? Vai anular o depoimento?
Não é anular o depoimento, o depoimento está colhido. Nós vamos agora no relatório final, provavelmente, pedir o seu indiciamento ao Ministério Público. A CPMI não pune, ela investiga e manda essa investigação para o Ministério Público no relatório final, para o MP indiciar ou não.
E o que o senhor tem a dizer sobre os ataques à jornalista Patrícia Campos Mello?
Eu abomino essa depreciação que parlamentares fizeram à jornalista, principalmente porque ela apresentou provas no início da noite. Os parlamentares não podem simplesmente usar seus espaços em plenário ou em alguma mídia contrária para depreciar pessoas. Eu quero até me solidarizar com a jornalista Patrícia, principalmente porque ao final ela demonstrou que ela não mentiu, que quem mentiu foi o Hans.
Alguns deputados acusaram a CPMI de querer “calar as redes”. Como a comissão vê essas críticas?
Quem vem com essa conversa de que a Comissão quer calar as redes são pessoas que não estão preocupadas em proteger o povo brasileiro de calúnias e mentiras. Eu não posso conceber que nenhum brasileiro – a não ser aqueles que são marginais digitais – possa querer aceitar que alguém tenha a sua honra maculada e achar que isso é normal.
Desde o início da CPMI eu via alguns membros da comissão se oporem à investigação, até parecendo que eles tinham culpa no cartório ou que o candidato a presidente que eles apoiaram na época tinha alguma culpa no cartório. Quem faz defesa prévia geralmente tem medo de alguma coisa.
Isso ainda acontece na CPMI: quem é ligado ao presidente Bolsonaro ataca o candidato do PT que perdeu a eleição, quem é do PT acusa o Bolsonaro, e tá nesse jogo, um acusa e o outro defende. Mas só ao final dos nossos trabalhos é que vamos pesar na balança quem tem razão, se é o grupo do Bolsonaro ou o grupo adversário ao Bolsonaro.
Os prejudicados é que tem que procurar se defender, não será o presidente da CPMI que é magistrado, ou seja, um juiz, que vai procurar defender alguém. Em hipótese alguma eu vou fazer isso. Eu tenho que ser neutro. E serei neutro até o último dia, mesmo que alguns membros fiquem zangados comigo.
Já que o senhor falou dessa polarização, aliados do governo costumam acusar a oposição de um esquema que eles chamam de “Mensalinho do Twitter”, relacionado ao PT. Essas denúncias foram pra frente?
Tem parlamentar que faz a acusação, faz o requerimento de convocação e que corre atrás para elucidar aquela acusação. E tem parlamentar que faz o requerimento, protocola, e não toca mais no assunto. Por exemplo, o deputado Alexandre Frota quando faz acusação ele corre atrás e traz supostas provas de que existe isso. Quem quer que alguém seja investigado, também é investigador. Todos os 36 membros da CPMI são investigadores.
A CPMI também recebeu denúncias da existência de servidores do governo que se dedicam à produção de notícias falsas e linchamentos virtuais, o chamado “gabinete do ódio”. Isso está sendo investigado?
Eu sempre me pergunto, com a experiência que eu tenho ao longo da minha vida pública de sete mandatos [de deputado] e agora senador, imagine bem: se tem ou se teve no passado um gabinete do ódio, você acha que vai estar mantido agora? Acho que se existiu um gabinete do ódio, eu não acredito que exista mais. Se tinha um bunker montado para envio de mensagens em massa depreciando pessoas, eu não acredito que isso continue, a não ser que a pessoa seja muito inocente para isso.
Mas é evidente que a Joice Hasselmann acusou isso, a CPMI deve estar investigando. Nós temos um delegado federal que está à disposição da CPMI para que a gente chegue ou não a confirmar se existe ou se existiu [esse gabinete].
Alguns dos membros desse dito gabinete do ódio foram chamados para depor na CPMI. Tem alguma previsão para data?
Essas pessoas que estão com o requerimento aprovado, vamos juntá-las a outras para marcar sessões para ouvir a todos. Por exemplo, tem o Tércio [Arnaud Tomaz], o Mateus [Matos Diniz] e outros.
E também o Fábio Wajngarten, chefe da Secom?
Também tem requerimento aprovado do Fábio. Eu estou analisando com o meu pessoal se ele tem a contribuir com a CPMI ou se é somente um requerimento político, como tem o pedido de convocação do Lula, o pedido de convocação do Palocci, porque muitas vezes é questão política, não é questão da CPMI.
Quais outros depoentes estão convocados?
Estão convocados para a próxima semana os donos da Yacows, a Flávia e o Lindolfo, que são marido e mulher, na condição de vir aqui para falar como sua empresa foi contratada para o envio em massa de mensagens, quais foram os candidatos beneficiados e quem pagou.
Nós temos ainda uns 30 requerimentos de convocação já aprovados, e temos quase 100 requerimentos ainda represados carecendo de deliberar para marcar também as oitivas. Mas vamos dar celeridade para que a gente chegue até o final do mês de março com essa pauta sem pendências.
Além da investigação de notícias falsas, a CPMI foi instaurada com outros grandes desafios e temas: a prática de cyberbullying, ou linchamentos virtuais, e aliciamento de crianças para cometimento de crimes de ódio online e suicídios. Houve avanço nesses outros aspectos?
Eu achei que houve muitos temas no requerimento que foi aprovado no Congresso Nacional para instalação dessa CPMI. Termina embolando misturar eleições 2018, misturar a parte de pedofilia e cyberbullying com proteção de dados. Tanto é que, se fizermos um balanço até agora, que estamos na metade, a discussão maior está em torno das eleições 2018.
Temos que pensar em ter eleições limpas, as futuras eleições serem limpas, sem influência negativa das redes sociais. Não podemos usar a rede social para induzir o povo brasileiro a votar em um candidato achando que ele é o arauto da moralidade, que ele é o arauto da administração e muitas vezes não é isso que aquele candidato é.
Então nós temos que nos preocupar muito com as eleições municipais de 2020 e também culminando com as eleições de 2022. Ter redes sociais limpas, expurgar perfis falsos e canais falsos, para que a gente possa realmente exercer a democracia no Brasil.
Mas nós temos temas importantíssimos de proteção à sociedade brasileira. A questão por exemplo da saúde. Existem perfis falsos e canais de Youtube que induzem as pessoas a não utilizar medicamentos, a não tomar vacinas. É um atentado à vida. Então se nós não tomarmos uma posição dura e drástica para tirar esses perfis do ar e fechar esses canais, indiciar essas pessoas, nós vamos deixar a sociedade brasileira muito vulnerável nesse quesito saúde.
Quais são os critérios usados pela CPMI para definição de fake news?
Na verdade a fake news de hoje é o famoso boato de antigamente. Sempre existiu essa desinformação, sempre existiu a mentira. Só que antes não tinha a internet. Antigamente você soltava um boato e demorava para as pessoas ficarem sabendo daquele boato. Com o advento da internet, é tudo num piscar de olhos, é uma velocidade muito grande. Então o que é uma fake news ao meu ver? É você utilizar dessas redes sociais, principalmente o Whatsapp que é o grande vilão das fake news, ao meu ver, para simplesmente depreciar o meu concorrente.
Então vocês na CPMI entendem que é preciso uma legislação diferente da que existe sobre calúnia e difamação nesses casos?
Exatamente. Existe já na nossa lei o crime de difamação e calúnia. Nós queremos alterar para que haja penalidades mais duras. Por exemplo, ano passado no Congresso Nacional nós aprovamos que quando um político deprecia o outro e esse outro se sentir prejudicado ele pode entrar com ação e ter pena de dois a seis anos de prisão. Nós queremos agora estender essa lei para todo o povo brasileiro, não só para a classe política. É importante que a gente faça uma legislação mais dura para coibir essa prática de difamação.
Na última quarta-feira houve o depoimento das operadoras de telefonia, mas entre os convocados também estão representantes de grandes plataformas como o Facebook, Twitter e Google. A CPMI pretende ou tem o poder de responsabilizar essas plataformas pelos crimes cometidos dentro delas?
A questão das telefônicas é relativa. A gente compara com o Correio. No correio você deposita sua carta para levar a alguém. Ele não sabe o conteúdo da carta. A mesma coisa as telefônicas. Elas não sabem o conteúdo do tráfego de dados. A única coisa que as telefônicas poderiam contribuir seria na quebra de sigilo telefônico, mas somente por medida judicial.
No caso das plataformas já é diferente. Porque elas podem ajudar no combate a desinformação. Eu tenho conversado com o pessoal do Facebook e eles já estão conscientes que têm que aumentar o seu grau de segurança. Inclusive vou dar sugestões de que eles devem colocar em qualquer notícia uma tarja, caso seja apontada como falsa, dizendo que essa notícia está sob investigação. Para que essa notícia pseudo-falsa possa ser levada para que as agências de checagem verifiquem se isso é verdadeiro ou não. A ideia é apresentar isso via projeto de lei.
Alguns pesquisadores da área reclamam que as grandes plataformas não são muito transparentes e se preocupam com o fato de muitas não terem sede no território nacional, como o Whatsapp.
Eu estou propondo também que essas plataformas, para continuarem no Brasil, elas têm que ter sede no Brasil e representante legal no Brasil. Esse também vai ser um projeto de lei que estou lavrando para poder apresentar no Senado Federal. Por que se não como é que você vai mandar uma multa, ou uma intimação se a pessoa está aqui no Brasil, mas a sede é no exterior? Fica difícil.
Muitas vezes durante as reuniões da CPMI surgiram queixas a respeito das violações de privacidade cometidas por essas plataformas. A CPMI tem como objetivo investigar também isso?
É um grande mal você não ser dono dos seus dados. Ou seja, a gente perdeu a privacidade. Essas plataformas conseguiram fazer com que a vida do povo mundial, em especial do povo brasileiro, deixe de ser privada e passe a ser uma vida literalmente pública, na estrita palavra. Quando o homem é público, ele é um parlamentar, tudo bem, a vida é pública. Mas a grande maioria da sociedade quer ter seus dados preservados.
Nós vamos lutar também para coibir as redes sociais de utilizar os dados do povo para vender, para comercializar. Hoje, o comércio de dados é um grande ativo que mexe com milhões de dólares. E quem ganha com isso? As plataformas. E o povo em si, que é dono do seu dado, não ganha nada e tem sua liberdade invadida.
O senhor também já foi vítima de ataques virtuais desde que começou a presidir a CPMI. Como lidou com isso?
Depois que eu assumi a CPMI eu fui até ameaçado de morte. Chegaram mensagens no meu e-mail funcional dizendo que iam encher a minha boca de chumbo. Nós acionamos a polícia legislativa aqui do Senado, e com ajuda do Google nós conseguimos descobrir o perfil da máquina que saiu esse e-mail, que foi da cidade de Belo Horizonte. A polícia do Senado esteve lá, ouviu o meliante, ele disse que estava sob efeito de álcool. O Senado abriu o processo contra essa pessoa que me ameaçou de morte.
Meu nome também foi muito depreciado nas redes também por perfis falsos, por perfis anônimos. Eu não dei muita atenção porque ninguém estava se identificando ali, eu entrava no perfil e via que eram pessoas com poucos seguidores, com caricatura, então eu não dei credibilidade. Eu vi também que era uma coisa em série, como se realmente fosse robôs que foram programados para depreciar o presidente da CPMI. Teve um vídeo meu que chegou a quase 300 mil visitas me atacando porque eu estava na Rússia e porque estava em frente ao Kremlin falando de fake news.
Mas nada disso me abateu, muito pelo contrário, me animou e me deu mais forças a conduzir essa CPMI com total isenção para que a gente chegue a punir aqueles que se valem da rede social para depreciar seus alvos e atentando contra à vida, principalmente na questão de saúde.