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Pré-candidatos tentam evitar 'palavras-mágicas' para não serem punidos por campanha antecipada

A partir de 2022, TSE passou a usar critério mais amplo, e profissionais têm dificuldade para entender o que pode ou não ser enquadrado

(TSE/Divulgação)
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 22 de julho de 2024 às 08h00.

As equipes de marketing político de pré-candidatos têm feito contorcionismos semânticos para escapar de infrações eleitorais antes da autorização oficial para pedir votos — liberação que virá em 16 de agosto. Até lá, termos como "vote" ou "apoie" são banidos, mas dá-se um jeito para transmitir a mesma mensagem sem esbarrar em um ou mais termos da lista de "palavras mágicas" reconhecidas como proibidas pelaJustiça Eleitoral.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condena o uso de oito expressões, importadas de um julgamento da Suprema Corte americana em cima de um caso de 1976: ”vote em”; “eleja”; “apoie”; “marque sua cédula”; “Fulano para o Congresso”; “vote contra”; “derrote”; e “rejeite”.

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Em setembro de 2022, porém, o TSE passou a adotar um critério mais amplo para considerar que a campanha antecipada, punível com multa de até R$ 25 mil, não depende apenas do emprego de uma ou mais “palavras mágicas”, podendo também ser flagrada a partir do “conjunto da obra”. A decisão levou na ocasião à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por conta de discursos em um evento da igreja Assembleia de Deus em Cuiabá.

"No momento em que o TSE fixou que essas palavras servem para configurar campanha antecipada, todo candidato passou a andar com uma cola feita pelos seus advogados: ‘fale tudo, menos isso’. Ninguém mais diz 'vote em mim’", justificou em seu voto o ministro Alexandre de Moraes.

O cuidado não foi tomado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante ato convocado por centrais sindicais no Primeiro de Maio, em São Paulo. Na ocasião, o petista defendeu explicitamente o voto no deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) para prefeito da capital paulista. Resultado: o presidente foi multado em R$ 20 mil, enquanto o parlamentar deverá desembolsar R$ 15 mil.

Bolsonaro tentou permanecer nas entrelinhas ao participar esta semana de atos com o deputado federal Alexandre Ramagem, pré-candidato do PL à prefeitura do Rio. O ex-presidente até teceu elogios ao aliado, mas focou o discurso em ataques mais amplos à esquerda.

Uma resolução deste ano do TSE reforçou que “o pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução ‘vote em’, podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo”. Por outro lado, a Justiça Eleitoral permite “o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver”.

"Há bastante insegurança. É difícil dizer o que é e o que não é campanha antecipada. A gente recebe diariamente postagens para redes sociais, vídeos e panfletos para analisar. Vamos modulando a nossa recomendação conforme as decisões da Justiça, que até aqui tem sido mais permissiva em São Paulo", diz o advogado Ricardo Vita Porto, que integra a equipe jurídica da campanha do MDB, do prefeito Ricardo Nunes, na capital paulista.

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Hashtag gera multa

Tribunais eleitorais de todo o país têm sido inundados por representações acusando suposta campanha antecipada. No Alagoas, um assistente social foi condenado a pagar multa de R$ 5 mil por publicar foto com um pré-candidato a prefeito do município de Maravilha com a hashtag “#TôComEle”. Para a juíza eleitoral Nathalia Silva Viana, houve ali “um manejo comunicativo para atrair o eleitorado e manipular pedido de voto, ainda que encoberto”.

Em Gravataí (RS), o pré-candidato a prefeito Daniel Bordignon (PT) foi condenado por dizer em uma entrevista: “Nós queremos o voto de todos os cidadãos. Obviamente, cada um vai fazer a sua opção". A defesa do petista alegou que a declaração “não se enquadra no entendimento de ‘palavras mágicas’, mas que apenas possui o condão de propiciar um chamado ao voto enquanto participação popular”. A juíza Valéria Eugênia Neves Willhelm, porém, considerou ser “perfeitamente possível que o eleitor entenda a mensagem como sendo um pedido direto e pessoal de voto, uma vez que as intenções e o contexto podem estar dotados de certa dose de ambiguidade quanto à sua exata compreensão”.

Já em São João da Barra (RJ), a Justiça não considerou haver irregularidades nas publicações de um perfil que apresentava uma pré-candidata a vereadora com legendas como “ela vem com tudo em 2024” e “vamos para luta que com certeza a vitória é certa”.

A professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Marilda Silveira, ex-assessora jurídica do TSE, avalia que a legislação sobre o tema precisa ser aprimorada, pois as restrições ao conteúdo disseminado pelos pré-candidatos prejudica os próprios eleitores:

"Nossa legislação foi pensada para uma época em que não havia teto de gastos para campanhas, em que a comunicação dependia de serviços concedidos pela União ou da imprensa, que é um setor regulado. Hoje, não faz sentido limitar a forma de fala, é uma fantasia que só gera demanda de fiscalização. Isso dificulta o acesso à informação e, assim, fica mais difícil para o eleitor escolher. Seria necessário ter uma flexibilização das regras de propaganda e repensar a forma de abordar o conteúdo na pré-campanha".

O marqueteiro Felipe Soutello, que assessora o pré-candidato José Luiz Datena (PSDB) em São Paulo, afirma que o risco de multas obriga as pré-campanhas a a dotarem integração entre as equipes jurídica e de comunicação ainda maior do que ocorre no próprio período eleitoral. Para ele, as restrições prejudicam especialmente os candidatos estreantes, o que beneficia aqueles que buscam a reeleição.

"Apresentar um candidato não é uma tarefa fácil, e essas amarras criam uma assimetria na disputa. Sem elas, haveria uma possibilidade maior para os candidatos de oposição competirem em condições de igualdade com quem já está no cargo. O eleitor é maduro para entender a pré-campanha", defende.

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