Bolsonaro: presidente será investigado por possível interferência política na Polícia Federal (Ueslei Marcelino/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 28 de abril de 2020 às 16h15.
Última atualização em 28 de abril de 2020 às 16h31.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, autorizou a abertura de um inquérito para investigar as declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal.
A decisão do decano do tribunal atendeu a um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que não só pede uma apuração contra as supostas acusações contra o presidente, mas também solicita uma investigação por calúnia por parte do ex-ministro da Justiça, caso não haja comprovação de crime por parte de Bolsonaro.
A autorização para o inquérito é o primeiro passo de um extenso procedimento definido pela Constituição Federal de 1988 para que se apure acusações contra um presidente da República. A seguir, a EXAME esclareceu com advogados penais e constitucionais uma série de dúvidas sobre as próximas etapas da investigação. Veja:
Quais crimes Bolsonaro pode ter cometido?
No inquérito, Celso de Mello alega que "dos fatos noticiados, vislumbra-se, em tese, a tipificação de delitos como os de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), coação no curso do processo (art. 344 do CP), advocacia administrativa (art. 321 do CP), prevaricação (art. 319 do CP), obstrução de Justiça (art. 1º, § 2º, da Lei nº 12.850/2013), corrupção passiva privilegiada (art. 317, § 2º, do CP)".
Bolsonaro pode ser investigado por todos esses crimes?
Sim. Apesar deles serem uma infração penal comum e a figura do presidente ter a prerrogativa de não ser investigada por delitos comuns, as acusações de Moro apontam para crimes ocorridos durante o mandato.
"A razão essencial para o aceite de Celso de Mello para a abertura do inquérito é que, se confirmados os crimes, eles se relacionariam com o mandato de Bolsonaro e com o exercício de suas funções públicas", diz Vera Chemim, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getúlio Vargas.
Sergio Moro também pode ser investigado?
Sim. Tanto no pedido de Aras quanto na diligência do ministro do STF há a intenção de apurar "denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal), além de crimes contra a honra (arts. 138 a 140 do CP)".
"Se os fatos narrados por Moro forem inverídicos caberia uma apuração para averiguar se sua conduta foi caluniosa contra a figura do presidente, apesar de o ex-ministro não ter feito nenhuma denúncia formal, apenas pública", afirma o advogado criminalista Bernardo Fenelon.
Quais são as fases da investigação?
Após autorização do STF, diversos procedimentos devem ser seguidos para que um inquérito contra o presidente seja instaurado.
— Fase pré-processual: É esta que Celso de Mello autorizou. Nela, a Polícia Federal terá 60 dias para receber manifestação do ex-ministro Sergio Moro, com provas e esclarecimentos de suas acusações. Os investigadores podem, ainda, adotar medidas cautelares, como quebra de sigilo telefônico, perícia em celulares, busca e apreensão em imóveis. Outras testemunhas podem ser chamadas a depor.
O decano do tribunal também determinou que a PGR analise um pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede) para que o celular e outros aparelhos eletrônicos da deputada federal Carla Zambelli (PSL) sejam apreendidos e periciados para "ratificar o verdadeiro teor" das conversas mantidas por ela com Moro.
— Análise de conveniência: Depois das investigações, a PF envia ao PGR um relatório com todas as informações colhidas, confirmadas ou negadas. Aras deverá, então, analisar as descobertas e optar por fazer ou não a denúncia ao STF, única autoridade judicial que pode julgar um presidente. O prazo para isso é de 15 dias após recebimento da investigação da PF. Em caso de prosseguimento, a denúncia volta para as mãos de Celso de Mello.
— Plenário da Câmara dos Deputados: Se convencido da gravidade das denúncias, o decano do STF remete a denúncia ao plenário da Câmara dos Deputados, em que dois terços dos parlamentares, ou seja, 342 deputados, devem autorizar a investigação contra o presidente da República.
No mandato do ex-presidente Michel Temer, as duas denúncias feitas pela PGR ao STF para autorizar investigação de crime comum foram negadas pelo plenário da Câmara. "Precisamos de um juízo político, porque estamos em um estado democrático de direito e essa questão não pode ficar restrita só ao poder judiciário", diz a advogada de direito público Vera Chemim.
— Afastamento por 180 dias: Se a Câmara dos Deputados autorizar a investigação, o STF tem 180 dias para julgar o caso em plenário. Nesse momento, o presidente fica afastado pelo mesmo período. Depois do prazo, se o tribunal não finalizar o caso, o presidente volta e continua o mandato normalmente. "Se o julgamento o considerar culpado, ele perde o mandato e vai cumprir pena como um cidadão comum", afirma o advogado criminalista João Paulo Boaventura.
O novo diretor da Polícia Federal é quem vai investigar a conduta de Bolsonaro?
Provavelmente não. Assim como em apurações da Lava Jato, as investigações contra o presidente devem ser distribuídas a um delegado de inquérito, que responde a Alexandre Ramagem, novo diretor-geral da PF.
Quem assume a investigação após aposentadoria de Celso de Mello?
Em novembro deste ano, o decano completa 75 anos e, pela legislação, deve se aposentar compulsoriamente. Nesse caso, quem deve herdar seus processos é o ministro que será indicado para a vaga por Bolsonaro e que precisa ser aprovado pelo Senado.
É possível, contudo, que o próximo magistrado do STF se declare suspeito e não assuma esse inquérito especificamente. Há, ainda, a possibilidade de que haja um pedido de suspeição do novo nome do tribunal. Nesse caso, o próprio STF decidiria sobre a suspeição para tirar a investigação da sua responsabilidade.
Leia na íntegra a autorização de inquérito feita por Celso de Mello
(Com Gilson Garrett Jr)