Mourão: vice-presidente diz que Eduardo Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes foram "infelizes" em suas falas sobre o AI-5 (Romério Cunha/VPR/Flickr)
Agência O Globo
Publicado em 13 de dezembro de 2019 às 15h53.
Última atualização em 13 de dezembro de 2019 às 15h58.
O vice-presidente da República, Antônio Hamilton Mourão, minimizou em entrevista ao site Huffpost Brasil o Ato Institucional número 5 (AI-5), considerado pelos historiadores como a medida mais dura da ditadura militar, na qual se constituiu de uma espécie de carta branca para o governo punir como bem entendesse os opositores políticos. Mourão afirmou que é preciso ver quantas vezes o ato, que permitiu fechar o Congresso e cassar parlamentares, foi efetivamente usado.
"O Ato Institucional número 5 surgiu fruto de uma situação que se vivia aqui no País no final dos anos 60. Foi o grande instrumento autoritário que os presidentes militares tiveram à mão. É importante que depois se pesquise quantas vezes ele foi utilizado efetivamente durante os 10 anos que ele vigorou. Porque muitas vezes se passa a ideia que todo dia alguém era cassado, alguém era afastado. E não funcionou dessa forma. É importante ainda que a História venha à luz de forma correta", afirmou Mourão.
Nesta sexta-feira, o AI-5 completa 51 anos. O Ato foi baixado pelo governo do general Arthur da Costa e Silva, em 1968, que ficou conhecido como o “o ano que não acabou”. Uma das medidas previstas pelo Ato Institucional aumentava os poderes do presidente da República, que passava a ter autonomia para decretar, sem intermédio do Judiciário, o fechamento do Congresso Nacional e intervir nos estados e municípios. Era permitida também a cassação de mandatos parlamentares e a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos.
Durante seus dez anos de vigência, o o AI-5 fundamentou a cassação de 110 deputados federais e de sete senadores, de 161 deputados estaduais, 22 prefeitos e 22 vereadores. Por meio do AI-5, também foram cassados três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Questionado se sabia dizer então quantas vezes foi usado, disse desconhecer e citou ele próprio o fato de o ato ter sido usado para fechar o Congresso em dezembro de 1968, quando foi editado, e em 1977 com a criação da figura de senador biônico.
"Nem eu sei. Mas não foi a quantidade que se diz. Por exemplo, o fechamento do Congresso acho que houve duas vezes. Foi logo que ele foi implementado, no final de 68, início de 69, e em 77, quando o presidente [Ernesto] Geisel colocou aquele famoso Pacote de Abril, que colocou a figura do senador biônico. Foram as duas vezes que o Congresso foi fechado com o uso do AI-5", afirmou o vice-presidente.
Mourão afirmou que o AI-5 foi um "instrumento de exceção", mas na mesma entrevista refutou o termo "ditadura" para se referir ao período de regime militar.
"Vamos colocar a coisa da seguinte forma: em primeiro lugar eu discordo do termo “ditadura” para o período de presidentes militares. Para mim foi um período autoritário, com uma legislação de exceção, em que se teve que enfrentar uma guerrilha comunista e que terminou por levar que essa legislação vigorasse durante 10 anos", disse.
O vice-presidente disse que Eduardo Bolsonaro e Paulo Guedes "não foram felizes" ao citar o AI-5 e afirmou que hoje o Brasil vive uma "plenitude democrática".
Historiadores ouvidos pelo GLOBO disseram que as sucessivas declarações de governistas e do presidente Jair Bolsonaro sobre a ditadura precisam ser "denunciadas" e repercutidas, mas que é preciso cuidado para que isso não tire a atenção de políticas públicas que estão sendo discutidas e implementadas.
"Eles estão com o poder do Estado e vão empregar esse poder para fazer tudo no sentido de divulgar seus pontos de vista . Vai ser uma grande batalha a respeito do assunto. Bolsonaro, seus filhos e correligionários têm um procedimento padrão, que também não é novidade no âmbito mundial, que é de formular acusações. Não se pode ficar a reboque dessas frases que causam choque", avaliou o historiador Daniel Aarão Reis, professor da UFF
"Essas declarações são absurdos e precisam ser denunciadas, mas é preciso que o centro do debate seja não as declarações, mas as medidas efetivas que o governo. A questão fica obscurecida porque a atenção fica para essas declarações absurdas. Faz uma nuvem de fumaça e não se vê as políticas que merecem ser discutidas", disse Reis.
Autor do livro "Ditadura Militar Esquerdas e Sociedade", Aarão Reis afirmou que as declarações dos governistas e de Bolsonaro representam uma tendência da sociedade brasileira que foi, durante anos, subestimada. O historiador diz que antes admiradores da extrema-direita guardavam mais as opiniões, mas agora encontraram eco para se manifestarem.
"Agora, com o bolsonarismo, houve uma redescoberta dessas tradições autoritárias do Brasil", avalia Aarão, que completa: "A gente entrou numa fase de muita polêmica. Vai ter de um lado, que chamamos de negacionista, com as pessoas que negam a ditadura, a tortura, assim como grupos neonazistas negam o holocausto".