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Bolsonaro exonera todos os peritos de órgão de combate à tortura

Novos peritos terão que ser aprovados pelo próprio presidente, não terão salário e não podem estar ligados a grupos da sociedade civil, ensino ou pesquisa

Presídios: a demissão dos peritos será levada ao Ministério Público Federal (MPF), além de organismos internacionais (Wilson Dias/Agência Brasil)

Presídios: a demissão dos peritos será levada ao Ministério Público Federal (MPF), além de organismos internacionais (Wilson Dias/Agência Brasil)

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Clara Cerioni

Publicado em 11 de junho de 2019 às 14h14.

Última atualização em 12 de junho de 2019 às 11h00.

O presidente Jair Bolsonaro exonerou, através de decreto publicado hoje, dia 11 de junho, todos os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão responsável por investigar violações de direitos humanos em locais como penitenciárias, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos, dentre outros.

O decreto 9.831, assinado ontem, ainda determina que a nomeação de novos peritos para o órgão precisará ser chancelada por ato do próprio presidente, e que esses novos membros não irão receber salário.

Além disso, o ato de Bolsonaro ainda proíbe que os novos peritos tenham qualquer vinculação a redes e entidades da sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa, dentre outros.

“Fomos pegos de surpresa. É bastante claro que se trata de uma retaliação ao trabalho que a gente vem desenvolvendo”, afirmou à Pública um dos peritos demitidos, Daniel Melo.

Como a Pública havia revelado, desde o início do governo Bolsonaro, os integrantes do Mecanismo vinham denunciando que a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, trabalhava para impedir a atuação dos peritos.

Em fevereiro, integrantes do Mecanismo e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) afirmaram que a ministra impediu a vistoria a penitenciárias do Ceará para avaliar denúncias de maus tratos e tortura no sistema prisional cearense.

Segundo o perito, o decreto também torna inviável a atuação dos futuros peritos já que, sem remuneração, dificilmente teriam capacidade de conduzir investigações extensas.

“É inviável [o trabalho voluntário]. Para se ter autonomia, fazer visitas, conseguir minimamente organizar um trabalho, você precisa de sustento. O trabalho do perito não pode ser um cargo como o de um conselheiro, que você vai pontualmente a uma reunião e vai embora”, critica.

A denúncia dos peritos em fevereiro gerou uma crise no Ministério dos Direitos Humanos, que criticou o Mecanismo, mas autorizou posteriormente a inspeção nas penitenciárias do Ceará.

Em abril, após realizarem as visitas, os peritos divulgaram um extenso relatório que apontou instalações superlotadas, presos com mãos e dedos quebrados e lesões na cabeça afirmando terem sido atingidos por chutes ou golpes de cassetetes, celas alagadas, tomadas por mofo, e falta de medicamentos para detentos com tuberculose e hepatite.

O relatório da inspeção ainda denunciou que presos soropositivos estavam sem acesso ao atendimento médico e impedidos de receber visita de familiares que poderiam trazer os coquetéis contra o HIV.

Durante as vistorias, os peritos encontraram uma cela, nos mesmos presídios, ocupadas por detentos ex-policiais e filhos de policiais com colchão, ventilador e mosquiteiro.

A Pública procurou o Ministério dos Direitos Humanos mas ainda não obteve retorno.

*Atualizado em 12/06 às 11 horas com a resposta do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos:

“As medidas adotadas pelo Governo, com a edição do Decreto n. 9.831/2019 visam garantir que os trabalhos desempenhados pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura sejam de natureza estritamente técnica e autônoma. Deste modo, os peritos poderão atuar normalmente, com independência funcional suficiente para a realização das perícias, o que foi reassegurado pelo novo decreto. Com a nova medida, o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura poderá ser, inclusive, ampliado, e o Governo Federal atuará nesse sentido.”

O Ministério também afirma que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) permanece ativo e segue como órgão integrante da estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

“A exoneração dos cargos em comissão com a manutenção da função de perito, como serviço público relevante, apenas muda um paradigma, de modo que o serviço dos peritos continuará sendo desempenhado regularmente, mas sem remuneração, como afirmado anteriormente.”

Peritos devem denunciar decreto de Bolsonaro ao Ministério Público

“A gente aponta que o Estado brasileiro tem provocado a tortura e violado os direitos das pessoas privadas de liberdade. [O decreto de Bolsonaro] faz lembrar os Atos Institucionais [da Ditadura] porque somos garantidos por Lei Federal e, de repente, por meio de um decreto, somos exonerados”, critica o perito.

De acordo com o perito Daniel Melo, a demissão dos peritos será levada ao Ministério Público Federal (MPF), além de organismos internacionais.

No início do ano, a denúncia que Damares havia impedido a visita do Mecanismo às prisões cearenses foi levada à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do MPF, à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Corte Interamericana.

Contudo, mesmo após as denúncias, o Ministério de Damares não recompôs o quadro de peritos, já que vários estão com mandato vencido — dos 11 peritos previstos em Lei, o Mecanismo contava apenas com sete até a publicação do decreto, sendo que dois desses ainda aguardavam nomeação.

No último relatório bianual divulgado pelo sistema de proteção contra a tortura, o grupo relatou situações degradantes durante visita a presídios do Complexo do Curado, em Recife (PE). Pavilhões que deveriam abrigar 50 presos possuíam mais de 150 detentos.

Havia uma série de espaços insalubres, com vigas expostas, vazamentos, mofos e sem circulação de ar. Em Belém do Pará, o grupo havia apontado superlotação no hospital psiquiátrico do sistema penitenciário.

Segundo o relatório, havia 96 leitos para mais de 180 pessoas, além de cinco pessoas que permaneciam internadas apesar de já terem a medida de restrição extinta.

*Reportagem publicada originalmente no site da Agência Pública.

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