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Gilmar Mendes muda voto e defende a descriminalização do porte apenas da maconha

Em 2015, Mendes defendeu descriminalizar o porte de todas as drogas. Na sessão de hoje, o relator decidiu ajustar o voto para acompanhar os outros membros da Corte

STF: com o voto, julgamento tem quatro votos para descriminalizar a maconha (Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação)

STF: com o voto, julgamento tem quatro votos para descriminalizar a maconha (Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 24 de agosto de 2023 às 16h59.

Última atualização em 24 de agosto de 2023 às 19h00.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes mudou nesta quinta-feira, 24, o seu voto no julgamento da ação que discute se o porte de drogas para consumo próprio é crime. Em 2015, Mendes, relator do caso, havia defendido a descriminalização do porte de todas as drogas. Com os votos de Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes restritos apenas à maconha, o relator decidiu ajustar o voto para acompanhar os outros membros da Corte. 

"Aceito a proposta para que eventualmente nos limitemos a essa questão da Cannabis sativa, que é o objeto deste recurso extraordinário, embora eu saiba que podemos estar colocando o tema pela porta ou pela janela e ele volta por outra variante", disse o decano do tribunal.

Ele também aceitou a sugestão de Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso sobre de fixação da quantidade para enquadrar uma pessoa como usuária ou traficante. Moraes sugeriu fixar entre 25 gramas e 60 gramas a quantidade permitida ao usuário. Barroso propôs em seu voto a fixação de 25 gramas, como ocorre em Portugal. Ao comentar a mudança de voto de Mendes, Barroso disse que a forma para resolver o problema do superencarceramento de jovens seria definir o porte de até 100 gramas.

"É um tema que certamente será discutido, mas diante mesmo do minimalismo e da necessidade dessa cooperação para definição da quantidade de drogas [para que alguém seja considerado usuário], tendo em vista a sua diversidade, eu dou essa abertura", acrescentou.

Com a mudança do entendimento do ministro, o julgamento tem quatro votos favoráveis -- de Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes -- para a descriminalização do porte da maconha. A sessão foi suspensa e deve ser retomada ainda hoje. O próximo a votar será o ministro Cristiano Zanin. 

O tema começou a ser analisado pela Corte em 2015, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do então ministro Teori Zavascki. Com a morte dele em um acidente aéreo, em 2017, o ministro Alexandre de Moraes o substituiu e devolveu o pedido de vista ao plenário um ano depois, em 2018.

A ação analisa um recurso de repercussão geral — ou seja, que reverbera em outras decisões — da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição prevista especificamente para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal". A Defensoria apresentou a ação após um homem ser condenado por portar 3 gramas de maconha

O órgão defende que a lei de drogas é inconstitucional, pois fere o direito à liberdade individual, já que "o réu não apresenta conduta que afronte à saúde pública, apenas à saúde do próprio usuário". O Ministério Público de São Paulo se posicionou contra a descriminalização.

Segundo um levantamento da Fiocruz, de 2015, a maconha é a droga mais consumida no país, e 7,7% dos brasileiros já fumaram a droga ao menos uma vez na vida — um total de mais de 15,6 milhões de pessoas.

O que está sendo discutido no STF sobre a lei de drogas?

O Supremo analisa a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que prevê penas por porte que variam entre "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo". A decisão do STF não trata da venda de drogas, que continuará ilegal independentemente do resultado do julgamento.

Qual é a punição para quem é pego com porte de maconha hoje?

O Supremo analisa a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que prevê penas por porte que variam entre:

  • Advertência sobre os efeitos das drogas
  • Prestação de serviços à comunidade
  • Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo

Já a pena para tráfico de drogas é de cinco a 20 anos de prisão, alem de multa.

Se a descriminalização for aprovada, a maconha será liberada no Brasil?

Um dos principais pontos em discussão pelos ministros é sobre parâmetros para diferenciar o usuário do traficante. Hoje, a lei não tem uma definição clara para realizar essa diferenciação. Quando alguém é detido com maconha, um delegado de polícia -- e posteriormente um membro do Ministério Público -- define se o portador responderá por tráfico ou consumo. Com isso, pessoas com pequenas quantidades de drogas são enquadradas como traficantes e condenadas a prisão.

A sugestão do relator do caso, Gilmar Mendes, é que se uma pessoa for flagrada com drogas, ela deveria ser levada a um juiz, que decidiria o que deve ser feito com o acusado.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se o limite proposto por Barroso e por Moraes for adotado, 31% dos processos por tráfico de drogas em que houve apreensão de maconha poderiam em tese ser reclassificados como porte pessoal no país. Outros 27% dos condenados nesses mesmos termos poderiam ter os julgamentos revistos por estarem dentro do parâmetro.

O Brasil ocupa a terceira posição no ranking de países que mais encarceram no mundo, com cerca de 900 mil pessoas presas, segundo dados do CNJ. Uma em cada três foi presa por delitos relacionados à atual Lei de Drogas.

Como está a votação da descriminalização da maconha?

Até o momento, quatro ministros – Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes – votaram a favor da descriminalização do porte da maconha. 

Em 2015, Mendes, relator do caso, havia defendido a descriminalização do porte de todas as drogas. Com os votos de Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes restritos apenas à maconha, o relator decidiu ajustar o voto para acompanhar os outros membros da Corte. 

Segundo o voto de Mendes, uma pessoa flagrada com drogas deveria ser levada a um juiz, que decidiria o que deve ser feito com o acusado. Ele criticou a forma como o processo é feito hoje, em que cabe a um delegado de polícia definir se o portador de droga é traficante ou usuário.

Ainda em 2015, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso acompanharam o voto do relator e consideraram que o artigo 28 é inconstitucional, mas fizeram ressalvas. Na ocasião, Fachin foi enfático ao dizer que a descriminalização deveria ser feita "exclusivamente" para o porte de maconha e o ministro Barroso afirmou que não se manifestaria sobre os demais tipos de drogas.

A criação de parâmetros que possam diferenciar um usuário de um traficante foi tema de debate entre os ministros. Barroso propôs o limite de porte de 25 gramas de cannabis (maconha), mesmo critério adotado por Portugal. Para Fachin, porém, os parâmetros devem ser estabelecidos pelo Executivo — até que o Congresso aprove lei sobre o assunto.

O ministro Alexandre de Moraes também votou pela descriminalização da maconha e sugeriu fixar entre 25 gramas e 60 gramas a quantidade permitida ao usuário. 

Quanto de maconha pode ser considerada para uso próprio?

Os ministro discutem a quantidade que deve ser fixada para definir quem é usuário e traficante. Barroso sugere entre 25 gramas até 100 gramas. O ministro Alexandre de Moraes sugeriu fixar entre 25 gramas e 60 gramas a quantidade permitida ao usuário. 

Quem ainda falta votar no julgamento de descriminalização da maconha?

Ainda faltam votar os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Dias Toffoli e Rosa Weber. O novo ministro Cristiano Zanin será o primeiro a votar.

Por quanto tempo dura o pedido de vista de André Mendonça no julgamento sobre porte de Maconha?

De acordo com o regimento interno do Supremo, o prazo de devolução automática do processo é de 90 dias corridos, a contar da publicação da ata do julgamento no qual houve a interrupção.

Por que a maconha não é legalizada no Brasil?

O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a ter registros do consumo de cannabis para fins recreativos.

Segundo o ministério de Relações Exteriores, a planta foi trazida escondida pela população negra escravizada em 1549 e era usada em práticas religiosas e terapêuticas.

O país foi o primeiro a criminalizar o uso da maconha com a Lei de Posturas, criada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 1830, que penalizava "escravizados e outras pessoas" que fumassem o "pito do pango" com três dias de cadeia e chicotadas.

A lei foi adaptada na Constituição Federal de 1988. O artigo 28 da Lei de Drogas prevê penas por porte que variam entre "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo".

Em quais países a maconha é liberada?

Como assistir ao vivo o julgamento do STF sobre a descriminalização da maconha?

A sessão do Supremo Tribunal Federal será transmitida ao vivo no YouTube do STF e na TV Justiça.

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