O procurador de justiça, Rodrigo Chemim (Editora Citadel/Divulgação)
Talita Abrantes
Publicado em 8 de setembro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 8 de setembro de 2017 às 13h06.
São Paulo - Para o procurador de justiça, Rodrigo Chemim, as suspeitas em torno da delação premiada de Joesley Batista e Rodrigo Saud, da JBS, ainda não são suficientes para desacreditar todos os acordos do tipo — embora algumas defesas de réus da Operação Lava Jato já tenham visto no escândalo uma janela de oportunidade.
O ponto crucial, para ele, é como o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, irá reagir. "A consequência tem que vir, se não vier, desmoraliza o acordo", afirmou em entrevista ao site EXAME.
Ele explica que, no entanto, não há meios possíveis para impedir que eventuais problemas como o visto na delação dos executivos do grupo J&F se repitam em novos acordos.
Mas, o procurador admite, sem esse tipo de colaboração, fica muito difícil investigar crimes de corrupção com a complexidade dos desvendados pela Lava Jato. Autor do livro "Mãos Limpas e Lava Jato – a corrupção se olha no espelho” (Citadel, 2017), ele avalia em entrevista para o site EXAME as consequências do áudio que complica a delação de Joesley Batista para os outros acordos de colaboração premiada:
EXAME.com: O que muda nos próximos acordos de delação? O MPF ficará mais criterioso?
Rodrigo Chemim: Não muda muito. Os acordos de colaboração se baseiam sempre pela ideia de que o colaborador tem que abrir o coração, que ele não pode esconder nada. Tanto que todos os contratos de acordo de colaboração têm uma cláusula para dizer que há quebra de contrato caso o delator omita alguma informação ou se descubra que há uma falsidade na informação prestada.
Normalmente, os colaboradores, de fato, entregam tudo o que tem que entregar. Aí, claro, cada um sabe de si, sabe do risco que corre, que é perder os benefícios que foram negociados sem que isso impeça o Ministério Público de utilizar as provas que ele mesmo apresentou contra si.
A delação premiada sempre esteve no centro do sucesso da Lava Jato. No momento em que se coloca sob suspeita um dos principais acordos, o instituto não fica fragilizado?
Ao contrário. Se, de fato, houve uma quebra do contrato, a postura do procurador-geral vai ser determinante. Em termos de credibilidade do instrumento delação premiada, tudo dependerá da postura que o procurador-geral vai adotar. Num caso como esse, a postura é de considerar um acordo quebrado.
A consequência tem que vir, se não vier, desmoraliza o acordo. Ao contrário do que se possa imaginar, isso reforça o instituto mostrando a credibilidade na exata proporção em que ele serve de instrumento de amplo alcance, não de seletividade das informações.
Para fazer sentido, as provas precisam da narrativa relatada pelo delator, que agora está sob suspeita. Isso as enfraquece?
Como colaborador, o delator presta uma informação preliminar na fase de investigação, mas terá que repetir o depoimento em juízo. O que pode acontecer é, se o acordo for quebrado, ele querer fazer uso do direito ao silêncio. Se ele não quiser falar, isso enfraquece o significado das demais provas. É um elemento de convicção a menos.
Essas suspeitas em torno da delação de Joesley são um baque para a trajetória do procurador-geral da República?
Não. Ele não tem culpa nenhuma. Ele foi surpreendido, como todos nós, e está tomando todas as providências que lhe cabem. A postura do procurador geral nesse caso não é diminuída em nada, ao contrário, é enaltecida. Qualquer pessoa na posição dele, não teria como adivinhar o que o colaborador está escondendo.
Só se descobriu que os delatores estavam escondendo algo, porque esses áudios foram feitos por engano. O que garante que em outras delações, como a da Odebrecht, não aconteceu a mesma coisa?
O ponto de partida de um acordo de colaboração é a confiança. Caso essa confiança seja quebrada, as consequências são antecipadamente previstas. No acordo de colaboração, o réu abre mão do princípio de autoincriminação, da presunção de inocência, abre mão do contraditório e da ampla defesa porque ele entrega as provas que existem contra ele — que o próprio Esteado não conhece - e faz isso com um espírito de colaboração.
Isso tudo pressupõe uma relação de confiança entre os negociadores. Ora, se confia desconfiando, né? Como qualquer negócio, se você vai comprar um carro usado, você parte do pressuposto que o vendedor está te oferecendo um produto e contando todos os problemas do carro. Você confia na palavra do sujeito. Pode ser que amanhã ou depois você descobre um vício no motor. Isso pode fazer com que o negócio seja desfeito.
Como, no decorrer do processo de negociação, o MPF e a PF precisam fazer (ou tem feito) para neutralizar esse tipo risco?
Neutralizar de forma absoluta é impossível porque ninguém tem bola de cristal. Mas, normalmente, quando você faz um acordo é porque já existe um conjunto de elementos probatórios que dão um cenário de perspectiva de condenação do sujeito. Se não, o próprio investigado não faria o acordo.
Quando ele percebe que não consegue atacar a prova que já existe contra ele e as alternativas de defesa de ataques laterais se esgotam (como jogar para a prescrição), o que se sobra é o acordo de colaboração. Você só vai fazer um acordo de colaboração se não tiver nenhuma outra opção defensiva.
As técnicas de investigação tradicionais te dão o caminho e permitem determinado alcance. Diante de um nicho de criminalidade estruturada organizada, transnacional, como é o caso da Lava Jato, há uma sofisticada técnica de lavagem de dinheiro. Com as técnicas tradicionais de investigação, não se consegue chegar às provas.
Portanto, para neutralizar os riscos, o Estado pode fazer o que está no alcance de fazer - o que não é muito. Ele já tem uma investigação em curso, que já lhe deu um determinado cenário probatório, o que o colaborador faz é ampliar isso. Se amanhã eu descobrir que essas informações não eram tudo que ele tinha, as consequências virão [para o delator].
Podemos dizer que todas as delações estão sob suspeita até que se prove o contrário?
Não. Eu digo que todas as delações são críveis até que se prove o contrário. Quando o delator esconde alguma coisa, a consequência é para ele só e não para o que ele entregou.
A delação da JBS é alvo de polêmicas desde que o acordo veio a público. Quais as diferenças entre esse acordo e os demais e como isso impactou na negociação?
Em todos os outros acordos, os investigados sempre tinham informações de crimes que aconteceram no passado. Pelo que se sabe dos documentos que se tornaram públicos, é que, quando sentaram pela primeira vez para negociar, os irmãos Batista disseram que sabiam de crimes que estavam acontecendo naquele exato momento e um que aconteceria dali alguns dias, quando eles entregariam uma mala com 500 mil reais para um deputado federal que, na fala do delator, seria emissário do presidente da República.
A oportunidade de prender em flagrante e, portanto, produzir uma prova bastante consistente em relação ao que está sendo dito é uma oportunidade rara. Na Lava Jato, não tinha ocorrido até então.
A informação dada hoje de um crime que vai ocorrer dali alguns dias exige algumas medidas de investigação que dependem de autorização judicial e como se tratava de um deputado federal, deveriam ser feitas no âmbito do Supremo Tribunal Federal. É muita coisa, muita burocracia e muita responsabilidade em pouco tempo. Sem contar que antes de fazer isso tudo, tinha que fechar o acordo.
Temos que levar em consideração as circunstâncias em que o acordo se deu. Não havia tempo para negociação. Não dá para pensar muito: ou é isso ou não tem as provas.
Vamos imaginar que a PGR não tivesse fechado acordo e, hoje, o Joesley talvez pudesse chegar na televisão e dizer que esteve com o procurador-geral, que ofereceu gravações que envolviam o presidente da República, em tese, em prática de crimes de corrupção, ofereci a oportunidade de prender em flagrante um deputado federal - o que estariam dizendo hoje do procurador-geral?