Em sabatina, Kássio Marques faz aceno a conservadores e explica currículo
Desembargador começou a sessão falando sobre Deus e se defendendo de acusações de inconsistências no currículo e plágio em dissertação de mestrado
Fabiane Stefano
Publicado em 21 de outubro de 2020 às 11h49.
Última atualização em 21 de outubro de 2020 às 11h55.
Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o desembargador Kassio Marques começou a ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado por volta das 8h30 desta quarta-feira, 21. O juiz usou a primeira fala, antes das perguntas dos senadores, para explicar nomenclaturas controversas usadas no currículo acadêmico, que geraram dúvidas sobre inconsistências, e fazer acenos a conservadores e religiosos.
A sabatina “tem hora para começar, mas não tem hora para terminar”, avisou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) presidente da CCJ, ao abrir a sessão. Ela estima entre oito e dez horas de perguntas e respostas. Para ocupar a cadeira deixada pela aposentadoria do ministro Celso de Mello no último dia 13, Marques precisa da aprovação da maioria dos 27 integrantes do colegiado presentes na sessão. Em seguida, o nome passará pelo plenário da Casa, onde será avaliado pelos 81 senadores.
Ao longo do dia, o juiz será questionado sobre diversos assuntos — entre eles, possíveis inconsistências no currículo, no qual teria incluído pós-graduação não realizada, na Espanha, e acusações de plágio na dissertação de mestrado apresentada na Universidade Autônoma de Lisboa. Logo na primeira fala, ele se antecipou a algumas das perguntas previstas e mencionou que o termo "postgrado", em alguns locais da Europa, é usado para definir qualquer curso feito após a graduação. O conceito, segundo Marques, não é o mesmo de pós-graduação no Brasil.
Ao comentar o parecer favorável à indicação de Marques, o relator, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ressaltou que as dúvidas em relação ao currículo foram sanadas. O parlamentar entende que, “ainda que houvesse alguma inconsistência, isso influiria muito pouco no exame dos requisitos constitucionais” para assumir o cargo. "Não tomei conhecimento de um único questionamento sobre defeitos nas decisões judiciais ou conduta como magistrado”, disse Pacheco, que substituiu Eduardo Braga (MDB-AM), diagnosticado com covid-19, na relatoria.
Mesmo confrontado com trechos iguais e não creditados na dissertação de mestrado apresentada em 2015 à Universidade Autônoma de Lisboa, Marques negou que tenha plagiado texto do advogado Raul Tourinho Leal. “Mencionar um autor, desde que se resguarde as aspas e notas de referência, não é considerado plágio. A dissertação passou pelo crivo de uma instituição de ensino superior”, lembrou. A universidade, segundo ele, tinha “o sistema antiplágio mais moderno de Portugal”, à época. “Não sei dizer quais são os critérios que um ou outro veículo de comunicação está utilizando em relação à definição do que seja o plágio”, acrescentou.
Aceno conservador
Marques também aproveitou os primeiros minutos para contar a trajetória, desde a infância, e sinalizar uma postura conservadora. O magistrado começou a fala de abertura com um agradecimento a Deus. Em seguida, ao comentar a expectativa em relação à sabatina, disse associar a nomeação para o cargo como “um verdadeiro chamado”. O juiz mencionou, ainda, uma passagem bíblica, que disse ter lido ao acordar: Isaías, versículo 12. “Eis o Deus meu salvador, eu confio e nada temo. O senhor é minha força, meu louvor e salvação”, recitou.
Marques também se declarou “um defensor do direito à vida”, por razões pessoais, ao ser perguntado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre sua posição “como pessoa e cristão” a respeito do aborto. Ao fazer a pergunta, o parlamentar entregou uma réplica de um feto de 11 semanas ao juiz. Em seguida, mostrou um outro boneco, de um feto de 18 semanas, e disse que falava "ao cidadão, ao pai de três filhos, ao cristão Kassio Nunes Marques", não ao jurista, desembargador ou futuro ministro.
Ainda entre as menções religiosas, Marques contou que aprendeu a rezar com a mãe, quando era criança, “de joelho, ao pé da cama e com as mãos juntas em posição de súplica”. Segundo ele, as missas semanais e as aulas de Educação Moral e Cívica e de Organização Política e Social do Brasil — que tinham grande destaque na época da ditadura militar — no Colégio Diocesano também ajudaram a moldar sua “fé em Deus e no Brasil”.
As declarações podem acalmar parte da ala evangélica no Congresso que criticou a indicação de Bolsonaro por não ser, como havia sido prometido pelo presidente, um nome “terrivelmente evangélico”. Ao lembrar a trajetória, Marques também defendeu a ideia de meritocracia. “A conquista da láurea pelo resultado do esforço e dedicação pessoais, pelo trabalho continuado, árduo e profícuo, é valor subjacente do sonho brasileiro que oportuniza a qualquer um de nós, de qualquer origem ou etnia, através do estudo, trabalho e esforço, concretizarmos o nosso sonho”, disse.
Marques ainda responderá uma série de questionamentos ao longo do dia. Cada senador tem 10 minutos para fazer perguntas, e o juiz terá o mesmo tempo de resposta. O parlamentar pode, em seguida, pedir uma réplica de cinco minutos, respondida em tréplica de mesma duração. A sessão foi organizada de forma semipresencial, porque o sistema remoto não comporta votações secretas, como é o caso de indicações de autoridades. Alguns senadores ficaram nos gabinetes e só vão à comissão na hora de fazer perguntas ao magistrado.