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Debate de segurança é populista à esquerda e à direita, diz especialista

Para Melina Risso, do Instituto Igarapé, paralisações e greves devem ser discutidas de maneira mais aprofundada, assim como os planos de contingência

Policias durante greve em Fortaleza, Ceará (JOÃO DIJORG/Estadão Conteúdo)
AJ

André Jankavski

Publicado em 24 de fevereiro de 2020 às 08h00.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2020 às 08h00.

São Paulo – Os tiros recebidos pelo senador Cid Gomes (PDT-CE) na cidade de Sobral deram mais luz aos problemas que o Ceará e diversos estados brasileiros estão tendo com as polícias militares. Um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que 12 estados brasileiros estão sendo pressionados pelos policiais por reajustes salariais.

Em cinco deles, já houve manifestações, sendo que no Ceará há motins . Em alguns desses estados, políticos ligados ao presidente e à bancada da bala já demonstraram apoios às manifestações. No entanto, os policiais estão cometendo uma ilegalidade: eles são proibidos do exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade.

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Mas por que esse movimento de conflito está crescendo, ainda mais após um ano em que houve queda de 22% no número de assassinatos? EXAME ouviu a especialista Melina Risso, diretora de programas do Instituto Iguarapé. Para ela, a discussão não é realizada. da maneira que deveria – e nem planos de contingência são colocados de maneira satisfatória.

“Se temos uma situação de paralisia e greve, dentro da ilegalidade, a primeira coisa que as autoridades precisam fazer é ter um plano de contingência. Não se pode colocar a situação da população em risco por causa disso. Então, quais são os planos estruturados? Não há”, diz Risso.

Para a especialista, a polarização política também está piorando o quadro. “A greve não é um fenômeno novo e não terminará se não nos debruçarmos em discussões sérias sobre a polícia. E isso não pode ser feito de maneira superficial e populista como estamos vendo no Brasil, tanto à direita quanto à esquerda”, diz ela.

A situação no Brasil está se demonstrando grave. Por que está acontecendo isso?

Temos que entender a complexidade do fenômeno que estamos vivendo. Ele não começou agora, mas tem escalado na virulência. Por um lado, é legítimo que os policiais queiram negociar condições de trabalho e aumento salarial. É uma demanda legítima e precisamos respeitar como sociedade. Por outro lado, isso não os dá o direito de tocar o terror e barbarizar. Como sociedade, nós não enfrentamos esse problema. Hoje, os policiais são proibidos de fazer greve e, muitas vezes, esse diálogo de discussão salarial não é estabelecido. Logo, começamos a observar essa radicalização de processos. Somado a isso, o que observamos é que essas lideranças radicalizadas se sobressaem. Aí entra em uma mistura muito complicada e começa a se mesclar com pautas políticas-eleitorais-partidárias. Com isso, fica tudo muito mais amplificado.

Os governadores e os presidentes entraram em um conflito recentemente. O quanto isso atrapalha? E como você enxerga a atuação dos dois lados nessa crise?

A minha sensação é de piora. Se temos uma situação de paralisia e greve, dentro da ilegalidade, a primeira coisa que as autoridades precisam fazer é ter um plano de contingência. Não se pode colocar a situação da população em risco por causa disso. Então, quais são os planos estruturados? Quais são os acordos e articulações possíveis e passíveis de serem feitas? É utilizando bombeiros? A Polícia Civil? Força Nacional? Não há planos. Essa estrutura, entendendo que o interesse público é o que importa, deveria ser pensada. Mas há falhas nesse sistema. Além disso, o discurso de legitimação do uso da violência por parte de policiais só apimenta e coloca uma gravidade ainda maior no sistema. Quando o presidente faz discursos agressivos, alimenta uma situação de violência muito grande. E isso é muito perigoso.

Essa polarização que estamos vivendo tem colaborado para essas radicalizações nos protestos?

Sem dúvida. Tem contribuído para a radicalização e para o enfrentamento. Precisamos tomar muito cuidado e cobrar das autoridades responsabilidade. Uma discussão que sempre fazemos é que segurança pública é absolutamente fundamental e as políticas são o elemento central e a espinha dorsal da segurança pública. O policial pode usar a força, mas tem que ter controle e fiscalização. Se for descontrolada, eles vão descontar na própria sociedade. Reduzir os mecanismos de controle é um perigo.

Sem diminuir a polarização, essas cenas vão continuar se repetindo?

Sim. Ainda não conseguimos resolver isso. Não é a primeiro motim, que é um termo técnico para greve. Há estudos que mostram que houve 415 greves desse tipo, sendo 52 das polícias militares. Então, não é um fenômeno novo e não vai terminar se não nos debruçarmos em discutir sobre a polícia. E isso não pode ser feito de maneira superficial e populista como estamos vendo no Brasil, tanto à direita quanto à esquerda.

Houve uma redução no número de crimes, ao mesmo tempo que a polícia radicaliza. Não é um paradoxo?

Precisamos olhar os fenômenos com toda a complexidade. A redução de homicídios não começou agora, mas em 2018. Tem uma série de variáveis que nos ajudam a explicar esse fenômeno. Obviamente, houve fatores internos da política pública, mas também há fatores externos. É importante lembrar o rompimento da aliança de não agressão do PCC com o Comando Vermelho, que explodiu uma série de mortes em presídios e fora dele em 2017. Isso aumentou muito a taxa de homicídios. Agora, entramos em outro equilíbrio que ajudou a estabilizar. E existem ações em âmbito estadual que também ajudaram. Não foram em todos os estados que diminuiu. Então, o fenômeno varia para cada um dos locais. Para entender, de fato, o que está acontecendo é necessário mergulhar nas realidades de cada local. E esse equilíbrio de forças entre polícias e governadores pode afetar os números.

Então essa redução pode mascarar alguns problemas?

Nunca é demais chamar a atenção para uma questão preocupante que a política nacional vem conduzindo no ano passado que é a flexibilização do porte de armas e enfraquecimento dos mecanismos de controle, que já estão dando sinais de volta de crescimento. No fim do ano passado vimos aumento em nove estados e o mesmo aconteceu no início do ano. As medidas tomadas têm consequências no curto prazo, mas não necessariamente imediata.

Quais são as suas perspectivas para o futuro?

Estou bastante preocupada, mas nós já sabemos os caminhos que precisamos tomar. Entre os especialistas, não há polarização. Existe um grande nível de acordo entre um espectro bastante amplo de especialistas de diversos matizes ideológicos. Todos olham para as evidências. Como sociedade, precisamos tomar o caminho correto. As autoridades precisam parar com o discurso populista e enfrentarem de fato a agenda de segurança pública.

Quais seriam os principais atitudes que os governantes deveriam tomar?

A primeira questão é o investimento em prevenção. Não temos uma política de prevenção. Isso que vai garantir sustentabilidade no médio prazo. Também precisaríamos fazer um trabalho específico para as forças policiais e pensar na profissionalização dessa atividade. Além disso, não dá para aceitar o nível de letalidade das polícias. E precisamos também fazer um debate muito sério sobre o sistema penitenciário, até para enfraquecer as facções criminosas. Enquanto continuarmos prendendo uma quantidade de pessoas que não deveriam estar lá, nós fortalecemos a agenda do crime e estamos fazendo o trabalho de recrutamento dessas organizações.

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