Brasil

A implosão do PT

No Palácio do Planalto, o relógio dá as últimas voltas. Nesta segunda-feira 2, a presidente Dilma Rousseff pode iniciar sua última semana completa na presidência. Na quarta-feira 6 está marcada a votação do relatório da Comissão de impeachment no Senado, que deve ir ao plenário no dia 11. Caso 41 dos senadores votem a favor […]

PT: o colapso da hegemonia política do partido abriu um caminho para a construção de um novo equilíbrio ideológico no Brasil / Lula Marques/ Agência PT

PT: o colapso da hegemonia política do partido abriu um caminho para a construção de um novo equilíbrio ideológico no Brasil / Lula Marques/ Agência PT

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Da Redação

Publicado em 30 de abril de 2016 às 12h03.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

No Palácio do Planalto, o relógio dá as últimas voltas. Nesta segunda-feira 2, a presidente Dilma Rousseff pode iniciar sua última semana completa na presidência. Na quarta-feira 6 está marcada a votação do relatório da Comissão de impeachment no Senado, que deve ir ao plenário no dia 11. Caso 41 dos senadores votem a favor do impeachment, Dilma terá de se afastar da presidência por até seis meses e o vice, Michel Temer assumirá.

A própria presidente já admite que a derrota será inevitável. Com isso, o Partido dos Trabalhadores poderá, nos próximos dez dias, amanhecer pela primeira vez em 13 anos sem ocupar a principal cadeira do país. O PT conquistou o governo em 2003 com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e venceu cada ciclo eleitoral seguinte — 2006, 2010 e 2014. Agora, a legenda deve voltar a fazer o que marcou sua história nos anos 1980 e 1990: oposição. De qualquer forma, cientistas sociais, políticos e consultores ouvidos por EXAME são unânimes em afirmar que o projeto do PT chegou ao fim. A dúvida: qual o futuro do partido?

De imediato, o PT perderá sua atratividade. Até abril deste ano, 135 dos 638 prefeitos eleitos em 2012 saíram do partido. A situação é especialmente delicada em estados importantes como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Dirigentes petistas minimizam a debandada, classificando os políticos como “oportunistas” que se deixaram levar pela onda. A história é conhecida. Aconteceu com o PSDB que, após sair do poder, também passou por um encolhimento no cenário municipal: de 990 prefeitos em 2000 para 702 em 2012.

Dentro do Congresso, hoje o PT se assemelha mais ao cenário pré-presidência do que aos tempos de Lula no poder. Tem hoje 59 deputados (eram 58 em 1998) e 12 senadores (eram quatro em 1998). Em 2002, com a eleição de Lula, o partido conseguiu 91 assentos na Câmara. Os 70 deputados eleitos em 2014 já mostraram um arrefecimento da capacidade eleitoral do partido. A seu favor, o partido ainda governa cinco estados (Bahia, Minas Gerais, Piauí, Acre e Ceará). (Confira os números do partido no gráfico ao final da reportagem.)

As perspectivas não são animadoras. É consenso que o PT terá de se reconectar aos setores que formam sua base histórica, como os movimentos sociais. A tarefa, porém, será árdua. As manifestações de 2013, segundo cientistas políticos, mostraram que pela primeira vez em sua história a legenda perdeu a força de organização. “A esquerda está se reorganizando. Junho de 2013 foi um primeiro momento em que o PT não orientou os movimentos de esquerda como um todo. Há uma nova geração de movimentos que não pensa a partir do que diz o PT”, diz o cientista político Jean Tible, da USP.

Em abril daquele ano, o PT era o partido preferido de 36% da população, segundo pesquisa do Ibope. Em outubro do ano passado, última pesquisa disponível, a preferência pelo PT era de 12% – ainda assim, a maior entre os grandes partidos. Na época, como reação, Dilma propôs um plebiscito para uma reforma política. A ideia foi rechaçada entre os políticos e foi parar na gaveta. Em março deste ano, a aprovação do governo de Dilma chegou a apenas 10%. Ao mesmo tempo, quando perguntados de qual partido não gostavam, 38% escolheram a sigla. “O ciclo do PT se encerrou. Mesmo nas relações com os movimentos sociais, o partido não é o mesmo. Não quer dizer que deixe de existir, mas não é o mesmo”, afirma o cientista político Alvaro Bianchi, da Unicamp.

Uma saída pela esquerda

Hoje, Dilma usa seus possíveis últimos dias na presidência para retomar a relação perdida com os movimentos de base. É o que tem se chamado de uma saída pela esquerda. Em abril, a presidente desapropriou imóveis rurais para reforma agrária e regularizou territórios quilombolas. Desde 2015, o governo não realizava desapropriações para fins de reforma agrária. Em seu primeiro mandato, Dilma assentou praticamente metade do que Lula e só teve resultados melhores do que Fernando Collor, Itamar Franco e José Sarney.

Neste domingo, quando se comemora o Dia dos Trabalhadores, Dilma prepara um pacote sob medida para os grupos que historicamente apoiam o PT. Em evento da Central Última dos Trabalhadores, ela pretende aumentar os benefícios do Bolsa Família. Na Educação, o ministro Aloizio Mercadante anunciou mudanças no FIES, o financiamento estudantil. Outras intervenções com caráter de proteção social devem ser efetuadas até o dia 11 de maio – data provável da votação do processo de impeachment no Senado.

Se realmente sair do governo, esse é um caminho possível para o partido — se reconectar com suas bases, os movimentos sociais, e levantar bandeiras que eram inviáveis sendo governo, como direitos de homossexuais, propostas feministas e, sobretudo, reivindicações trabalhistas que não se encaixam na proposta de ajuste. Do ponto de vista de sua massa partidária, o PT, apesar dos menores índices de aprovação da história, não teve uma redução considerável de afiliados. De 2002 a 2014, saltou de 830 000 afiliados para quase 1,6 milhão. Desde então, o número de integrantes se manteve estável.

Uma dúvida é que tipo de oposição será feita pelos petistas. Após 13 anos no poder, questiona-se até a capacidade da sigla de ser combativa no Congresso. Os petistas estão enferrujados? Nos anos 90, os parlamentares petistas se notabilizaram pela combatividade ao projeto de privatizações, especialmente à possibilidade de venda da Petrobras. Entre eles, havia nomes de força como José Dirceu, José Genoíno e o próprio Mercadante. A maioria das lideranças foi afastada após o mensalão e vive às voltas com problemas na operação Lava-Jato. A aura de partido imaculado ficou para trás faz tempo.

Há, também, uma lacuna entre o PT do passado e o de hoje. Grupos como o Movimento Passe Livre e os secundaristas das ocupações de escolas respeitam sua história, mas não se veem identificados com o partido. Siglas como Psol e Rede têm crescido nos últimos anos, muito pelo vácuo deixado na esquerda. Para o PT, que rechaçou esses partidos nos últimos anos, seria necessário reconstruir sua relação com eles. No Rio de Janeiro, por exemplo, o desejo é de uma aliança com o Psol, que tem o deputado estadual Marcelo Freixo como um bom nome para a disputa da prefeitura. “Temos muitas diferenças do PT. Pode haver diálogo em um eventual segundo turno, mas é muito improvável uma aliança”, afirma Freixo a EXAME.

Um dos trunfos para se unificar é a presença de Lula, o que traz um paradoxo. A grandeza de seu líder é um trunfo nas urnas, mas, ao mesmo tempo, dificulta a possibilidade de surgimento de novos quadros. Recentemente, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, um dos principais nomes da nova geração petista, tem reforçado suas críticas ao partido. Sua função, hoje, é crucial para o PT: vencer em São Paulo, a maior cidade do país, pode dar fôlego à organização. “O Lula se tornou tão importante que congelou e diminuiu lideranças dentro do PT”, diz o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

Uma Lava-Jato pela frente

Em um ambiente polarizado, o PT só terá sobrevida se apostar na radicalização de seu discurso. Encontrou boas bandeiras na narrativa do golpe do impeachment e na possibilidade de novas eleições, que, embora não evitem a queda de Dilma, refletem o pensamento de setores contrários ao afastamento. A condução do impeachment pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a articulação praticamente oficial do vice-presidente Michel Temer para garantir uma sala no terceiro andar do Palácio do Planalto fortalecem o argumento.

A ideia de um golpe tende a unificar o partido. Formado por diversas tendências, o PT recentemente atuou muito como oposição ao próprio governo de Dilma Rousseff. Em parte, por causa da guinada na área econômica – contrária a tudo o que foi prometido nas Eleições de 2014. Em certos momentos, a sigla foi mais eficaz como oposição ao próprio governo do que PSDB e DEM. Em médio e longo prazo, porém, é difícil ao partido se comportar como uma legenda inteiramente de oposição, uma vez que esteve por mais tempo na presidência.

Em 2005, em pleno escândalo do mensalão, a possibilidade de “morte” do PT rondou as especulações políticas. O partido sobreviveu e venceu eleições presidenciais por três vezes. Hoje, há um enorme complicador: a Lava-Jato ainda está operando e pode arrastar mais petistas para as páginas policiais. Lula corre o risco de ser preso e Dilma, se perder o foro privilegiado da presidência, poderá ser investigada pela Justiça comum. Como o partido vai sobreviver a tantas provações é a questão número um no Planalto – e para 1,6 milhão de petistas em todo o Brasil.

(Luciano Pádua)

Abaixo, o crescimento do PT nos últimos anos. Das 635 prefeituras conquistadas em 2012, o partido já perdeu 135.

http://infogr.am/5ccb030a-f3df-429a-8061-fe5d1066b07b

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