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Eduardo Leite, governador do rio Grande do Sul Foto: Leandro Fonseca Data: 09/12/2024 (Leandro Fonseca/Exame)
Publicado em 14 de dezembro de 2024 às 06h01.
Após um ano marcado por tragédias climáticas, o Rio Grande do Sul enfrenta o desafio de reconstruir sua economia, especialmente o setor agropecuário, que sofreu com as enchentes e a estiagem. Em entrevista à EXAME, o governador Eduardo Leite (PSDB) compartilhou os esforços do estado para se reerguer, com ênfase no apoio aos produtores e em projetos de infraestrutura e irrigação.
Os dados da Emater-RS indicam que 206.604 propriedades foram atingidas, enquanto as estimativas da Farsul apontam que o agronegócio gaúcho registrou um prejuízo de cerca de R$ 4 bilhões, com a normalização do setor prevista para levar pelo menos uma década. O governador também abordou o papel do governo federal, as críticas às medidas adotadas e as oportunidades que o acordo Mercosul-União Europeia pode trazer para o agro gaúcho.
Após sete meses das enchentes que afetaram o estado, como está a situação do agro gaúcho?
Com boas expectativas para 2025. O ano de 2024 trouxe frustrações por causa de enchentes, que comprometeram o que inicialmente parecia ser uma supersafra. As enchentes afetaram não só as áreas devastadas, mas também a infraestrutura logística, comprometendo o escoamento da produção e a movimentação no campo. Isso gerou uma situação em que o produtor viu sua produção se perder, com os grãos apodrecendo devido à impossibilidade de colheita. Agora, com as condições climáticas mais favoráveis e a área já plantada, as previsões indicam que 2025 será um ano de recuperação, com um aumento estimado de cerca de 17% no volume de grãos produzidos.
Na época, alguns analistas afirmaram que o Rio Grande do Sul não estava preparado para enfrentar as mudanças climáticas. Diante dos eventos recentes e com a chegada do La Niña nos próximos meses, como o estado está se preparando para lidar com esses eventos climáticos cada vez mais imprevisíveis?
Temos buscado sensibilizar e conscientizar sobre as mudanças climáticas, que não se resumem às enchentes, já que também sofremos com estiagem. Diante disso, a questão da irrigação foi tratada em duas frentes: desburocratizar e agilizar os processos de licenciamento para barramentos e açudes no estado. Conseguimos concentrar o licenciamento nos pontos de maior impacto ambiental, aumentando a capacidade do estado de autorizar projetos dentro da lei, mas de maneira mais ágil. Também criamos um programa de financiamento do estado dentro da iniciativa "Supera Estiagem", que foi lançado no final do ano passado. O programa foi estruturado para apoiar os produtores, oferecendo um aporte de até R$ 100 mil do valor investido pelo produtor em irrigação, funcionando como um prêmio pelo investimento.
Além desses programas, quais outros estão no radar para esta safra?
Em breve, lançaremos um programa voltado para a recuperação de solos, com o objetivo de ajudar na recuperação da produtividade. Estamos focados em estruturar uma iniciativa que ofereça apoio, especialmente para pequenos produtores e a agricultura familiar, mas não exclusivamente a eles. O programa contará com recursos, apoio técnico e maquinário para realizar a recuperação dos solos. A ideia é fornecer aos produtores um cartão do estado, com um valor de até R$ 30 mil, para a aquisição dos insumos necessários. Além disso, o apoio técnico da Emater, da Extensão Rural, e a disponibilização de maquinário para auxiliar os municípios no processo de recuperação também fazem parte da iniciativa.
Há uma lacuna para o agricultor que envolve o seguro e o crédito rural. No caso do Rio Grande do Sul, como está endereçada essa questão?
Este é um dos temas em que ainda não conseguimos avançar significativamente, mas já encomendei à nossa Secretaria de Reconstrução, dentro dos pilares do nosso Plano Rio Grande — como chamamos a iniciativa —, que, após as enchentes, o Rio Grande do Sul precisará de um plano de recuperação. Trabalhamos em várias frentes, incluindo infraestrutura, sistemas de contenção de cheias, proteção, radares e tecnologias de prevenção. Também avançamos na criação de políticas de seguros, não apenas para o setor agrícola, mas para todos os setores afetados. A previsão é lançar em breve o primeiro edital de licitação para a construção de diques, com destaque para o município de Dourado, ao lado de Porto Alegre, que foi severamente afetado. O seguro rural no Brasil é um grande desafio, especialmente para um país tão dependente da produção agrícola.
O agro também sofre com falta de infraestrutura e depois das enchentes o Rio Grande do Sul precisará investir nisso. Em que pé está o processo?
O que buscamos garantir ao setor agropecuário, e me parece que isso é o que o agro mais precisa, é segurança e logística. Ou seja, é preciso investir em infraestrutura que permita o escoamento da produção de forma eficiente. Conseguimos aumentar consideravelmente os investimentos, especialmente voltados para a melhoria da infraestrutura. Desde que equilibramos as finanças do estado, os recursos do porto de Rio Grande estão sendo integralmente reinvestidos nele, principalmente para a dragagem. Além disso, por causa das enchentes, estamos aportando R$ 700 milhões, fruto de um acordo com o governo federal, onde a dívida do estado foi suspensa e os recursos destinados a um fundo de reconstrução. Nos próximos três anos, esperamos acumular cerca de R$ 14 bilhões neste fundo, que serão usados exclusivamente para a reconstrução do estado, com foco em infraestrutura.
Uma grande questão que o senhor mencionou é a relação com o Executivo federal. Tem havido uma tensão entre o governo federal e o senhor sobre as ações do governo para apoiar os agricultores gaúchos?
Os primeiros movimentos do governo federal foram particularmente ruins em relação a essa questão. Depois, algumas medidas foram anunciadas e houve avanços, mas, por exemplo, houve demora no atendimento a demandas que poderiam ter sido atendidas de forma mais rápida. A comunicação também foi confusa, e os valores até agora não foram suficientes. Para atender todas as demandas de renegociação de contratos, a expectativa é de que seja necessário um aporte adicional de cerca de R$ 3 bilhões.
Mas segue insuficiente?
Sim, porque o valor disponibilizado não atendeu a todas as demandas de renegociação de contratos. Existe a expectativa de que o governo federal possa fazer um novo aporte de recursos. O diálogo sobre esses aportes está sendo feito com o ministro [da Agricultura e Pecuária] Carlos Fávaro. O presidente [Lula], por vezes, fez declarações em relação ao agro que não foram corretas, e a campanha política também contribuiu para esse distanciamento. Existe também um problema histórico no tratamento que a União dá ao Rio Grande do Sul, que, ao contrário de outras regiões, não recebe benefícios tributários, como ocorre no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Tenho defendido que o tratamento dado ao estado seja mais justo, não contra as outras regiões, mas em termos de equiparação de incentivos.
O que podemos esperar do acordo entre a União Europeia e o Mercosul para o Rio Grande do Sul, principalmente em termos de impactos para o agronegócio gaúcho?
O acordo pode trazer benefícios, especialmente para a exportação de proteínas, como suínos e frangos, e para produtos como o tabaco, que é uma das principais exportações do estado. A produção de proteínas no estado, que inclui suínos e frangos, tem boas expectativas, principalmente após o Rio Grande do Sul conquistar o certificado de estado livre de febre aftosa sem vacinação. Temos uma produção significativa de celulose, e a indústria gaúcha está bem-posicionada para aproveitar as oportunidades que surgem com o acordo. Além disso, o estado está investindo no desenvolvimento de novas áreas de produção, como o hidrogênio verde, que tem atraído o interesse de países como a Alemanha, que tem trabalhado intensamente nesse setor.
E no caso do vinho e do azeite produzidos no estado?
Há um grande espaço para que esses produtos, com sua identificação geográfica, ganhem mais mercado. A grande chave para o sucesso dos vinhos gaúchos será o trabalho de branding, ou seja, promover a marca e garantir que a produção de vinho seja reconhecida no mercado. Isso inclui não apenas a qualificação dos vinhos, mas também a promoção comercial, para que o vinho gaúcho se destaque no mercado internacional. O azeite também entra nesse cenário. Embora o volume de produção ainda seja pequeno, a qualidade já é reconhecida. Esse tipo de produto, junto com o vinho, não apenas gera atratividade no mercado, mas também impulsiona o turismo.