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De novas fábricas a uma agência de desenvolvimento: os planos de Eduardo Leite para reerguer o RS

Governador do Rio Grande do Sul está na Ásia em busca de investimentos para o Estado devastado por enchentes no primeiro semestre do ano

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul: "O Estado não apenas vai simplesmente restabelecer o que foi perdido, mas também vai tornar melhor o que já existia" (Mauricio Tonetto / Secom/Divulgação)

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul: "O Estado não apenas vai simplesmente restabelecer o que foi perdido, mas também vai tornar melhor o que já existia" (Mauricio Tonetto / Secom/Divulgação)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 18 de novembro de 2024 às 10h45.

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NOVA YORK, EUA* — Reerguer um Estado devastado pelas chuvas é a prioridade número um na agenda de Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Até mesmo os compromissos fora do país são focados nisso. Nesta semana, por exemplo, Leite viaja ao Japão e à China com o objetivo de atrair investimentos aos pampas. No radar, estão fábricas de hidrogênio verde e de veículos elétricos.

"Hoje as relações do ponto de vista econômico, de exportações, estão mais relacionadas com a China do que com os Estados Unidos para nós gaúchos", disse ele em entrevista exclusiva à EXAME em Nova York, no intervalo das aulas de segurança pública na Universidade Columbia. O evento foi organizado pela Comunitas, organização social dedicada a estudos sobre política pública.

Mais perto de casa, no próprio Estado, o plano é criar uma agência de desenvolvimento local, com cursos e incentivos para o crescimento das empresas (e das pessoas) gaúchas.

Nas últimas semanas, várias empresas anunciaram investimentos expressivos no Rio Grande do Sul. Tudo isso está sendo alavancado pela tragédia?

Está havendo uma sensibilidade e uma compreensão de parte dos investidores com a realidade do Rio Grande do Sul. Alguns estão anunciando investimentos e outros reafirmando o compromisso que já tinham. Cito o exemplo da Coca-Cola Femsa, que tem uma fábrica em Porto Alegre num lugar duramente atingido pela enchente. Havia um receio de a empresa levar a produção para uma fábrica de Santa Catarina e, a partir de lá, distribuir para todo o Sul. Do ponto de vista de emprego e de arrecadação isso seria bastante impactante. Eles acabaram de anunciar um investimento de quase 700 milhões de reais para refazer as linhas de produção desta planta. No fim das contas, essa planta será, talvez, a mais moderna da empresa no Brasil. Tenho usado esse exemplo para justamente mostrar às pessoas ainda com dúvida sobre como vai ficar o Rio Grande do Sul depois da calamidade. Digo que o Estado não apenas vai simplesmente restabelecer o que foi perdido, mas também vai tornar melhor o que já existia. O caso da Coca-Cola está relacionado diretamente à calamidade, mas tem outros investimentos que já vinham sendo estudados antes. Vide o exemplo da Scala, de data centers, que fará um investimento de 3 bilhões de reais em Eldorado do Sul, uma cidade muito castigada pela enchente. Ou, ainda, o da CMPC, de papel e celulose, cujo investimento de 25 bilhões de reais é o maior já registrado no Estado. Todos reafirmaram o interesse no Rio Grande do Sul.

Dos Estados Unidos, o Sr. viaja para Japão e China. O que a viagem tem a ver com a agenda de retomada do Rio Grande do Sul?

Desde o meu primeiro mandato planejamos fazer uma ida ao Oriente. Hoje as relações do ponto de vista econômico, de exportações, estão mais relacionadas com a China do que com os Estados Unidos para nós gaúchos. Só que veio a pandemia, enfim, além de uma série de dificuldades para colocar a viagem na agenda. No Japão, a gente vai ter reuniões com empresas do setor de energia limpa. Queremos atrair a implantação de uma planta de hidrogênio verde no Rio Grande do Sul. Na mesma visita, vamos visitar estruturas de defesa civil do Japão, um referência mundial na resposta a emergências. Queremos trocar aprendizados e experiências para minimizar o risco de novas tragédias climáticas. Na China, a aposta é no setor automotivo. Vamos ter reuniões com a GWM e com a BYD, que já está fazendo investimentos no Brasil. A gente está querendo uma interação com eles para atrair investimentos para o polo metalmecânico do Rio Grande do Sul. A BYD é especialmente grande, não apenas na produção de carros, mas também na de ônibus, onde o Rio Grande do Sul tem tradição com empresas como Marcopolo e Randon.

Concretamente, o que está sendo feito para evitar de uma vez por todas um estrago da magnitude do que vimos em maio?

Criamos o que chamamos de Plano Rio Grande, que tem todas as estruturas e ações do Estado sobre o tema, inclusive as de prevenção. Todos os sistemas de defesa e de contenção de cheias estão sendo revisitados. Não é só simplesmente pegar um maquinário e ir ali construir um dique. Tem que revisar todos os sistemas de proteção de cheias de Porto Alegre, por exemplo, e reestruturar as casas de bombas. Além disso, construir diques em outras cidades, como Eldorado do Sul. Antes da calamidade o Estado já estava fazendo estudos para diques lá, inclusive já tinha licenciamento ambiental. Nossa expectativa é conseguir encaminhar entre o fim deste ano e o início do ano que vem a contratação de um projeto integrado, com todos os anteprojetos e licenciamentos já realizados.

O que está sendo pensado para o Vale do Taquari, também duramente atingido?

São diferentes soluções. Estamos inclusive utilizando expertise holandesa. Em alguns lugares, como Eldorado do Sul, diques se encarregam de proteger a cidade. Em outros, segundo os especialistas, será necessário basicamente estimular o movimento da cidade para outra região e começar a transformar aquelas áreas que são alagadas em áreas de uso restrito. É o caso de alguns bairros nas cidades ao longo do Vale do Taquari. O uso restrito é basicamente transformar a área de parque para o rio poder ocupar em momentos de cheia, dentro de um contexto de cidades-esponja. Se não fizer um parque, provavelmente as pessoas ao longo do tempo vão acabar ocupando de outras formas.

Há algumas semanas, seu governo lançou um plano para desenvolvimento da economia. O que está faltando para atrair o investimento privado?

O Plano de Desenvolvimento Econômico, Inclusivo e Sustentável foi feito com a metodologia da consultoria McKinsey, mas não é um plano deles, é do Estado. Por meio dele, fizemos oficinas com setores produtivos locais. Quisemos mapear os pontos que temos vocação e relevância econômica. Tudo isso para fazermos as apostas certas no futuro. Criamos um roadmap do que precisaremos ativar em termos de formação de capital humano. Esse plano vai orientar a agência de desenvolvimento que estamos criando. O Rio Grande do Sul estava sem uma estrutura aos moldes do existente em outros estados, como a Investe SP, de São Paulo.

Por quê?

No governo de Tarso Genro (o petista governou o RS entre 2011 e 2015) existia uma agência pública num formato que talvez não fosse o mais adequado, mas existia ali uma estrutura que o governador seguinte, José Sartori (MDB) encerrou durante a crise financeira do Estado. Na primeira etapa do meu governo, estávamos focados nas questões relacionadas ao equilíbrio fiscal do Estado. Já queria ter criado essa agência no início do meu segundo mandato, mas aí veio a calamidade das enchentes. Antes de maio deste ano, tivemos muitos problemas nas chuvas de setembro do ano passado. Tudo isso acabou atrapalhando a ideia, mas a gente está criando a estrutura e já estamos nomeando as pessoas, fazendo a seleção dos quadros. O plano de desenvolvimento é o orientador do trabalho da nova agência de promoção comercial.

Como vai funcionar a agência? Ela funcionará com recursos públicos?

O orçamento dela parte do Estado. São 17 milhões de reais por ano a serem aportados para o funcionamento da agência, mas ela será um serviço social autônomo que funcionará com a captação de recursos no mercado, assim como acontece em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e outros estados. Estou traduzindo esse tema num contexto de uma jornada. Assumo o governo com aquela crise fiscal violenta, sem dinheiro para pagar os salários. Então o foco todo estava nas reformas estruturais, privatizações, revisões das estruturas de carreira e de previdência dos servidores. Primeiro a gente precisava resolver o passado, porque o passado era uma bola de ferro amarrada no tornozelo, impossibilitando os movimentos do Estado. No meio do caminho teve as intercorrências da pandemia, da estiagem, enfim, tudo isso dificultou a jornada. Agora a intenção é dar ênfase à atração de investimentos. Não tem como projetar desenvolvimento e falar de futuro quando eu não estou conseguindo pagar as contas e tem credor batendo na porta. O Estado ainda tem suas dificuldades estruturais. A dívida não está paga. O Rio Grande do Sul está no regime de recuperação fiscal do governo federal. Com a calamidade, o Estado negociou para que a dívida a ser paga nos próximos três anos seja revertida integralmente para um fundo dedicado à reconstrução do Rio Grande do Sul. Serão 14 bilhões de reais para não apenas a reconstrução das estruturas físicas como também subvenção para criação de políticas de crédito específicas, associadas ao plano de desenvolvimento. O plano identificou as áreas nas quais somos competitivos. A gente pode também usar recursos desse fundo para dar crédito mais barato a essas áreas. O fundo é para os efeitos da calamidade, inclusive os econômicos e sociais. Então, voltando à questão da jornada, a gente passou a conviver melhor com os problemas do passado. Em seguida, a gente teve que trabalhar pelo presente, que é um Estado capaz de prestar os serviços públicos adequadamente. Ou seja, ter dinheiro para comprar viaturas e investir em tecnologias para as forças de segurança pública, por exemplo. Agora é hora de olhar para o futuro e de deixar legado.

Na fase mais crítica da enchente, o governo federal chegou a criar um ministério extraordinário para lidar com o tema. Houve quem especulasse falta de diálogo entre o seu governo e o do presidente Lula, o que poderia prejudicar os esforços para a reconstrução. Como está a relação entre vocês neste momento?

Não posso dizer que a União não tenha feito nada pelo Rio Grande do Sul. Eles fizeram movimentos importantes, como o auxílio financeiro para as famílias atingidas, além de políticas de crédito subsidiado pelo BNDES, Pronampe, entre outros. O que incomoda é que o que foi feito não tem o alcance nem a proporção do que a propaganda do governo federal procurou dizer. Por quê? Porque optaram sempre por caminhos muito burocratizados. Dou um exemplo muito claro. Desde o início demandamos uma política de manutenção de emprego e renda aos moldes do feito na pandemia, com o benefício emergencial chamado BEm. Várias empresas foram afetadas pelas enchentes mesmo em áreas que não alagam. Por causa da interrupção da mobilidade, com estradas intransitáveis e o aeroporto Salgado Filho fechado, elas perderam clientes e fornecedores. O turismo da Serra Gaúcha foi muito afetado, por exemplo. Em vez de simplesmente pegar o que funcionou na pandemia e aplicar agora, o governo federal resolveu criar um outro programa. Anunciaram 1,2 bilhão de reais, dos quais apenas 150 milhões de reais acabaram sendo acessados. As regras criadas são muito burocráticas. Poderíamos ter conversado e definido juntos. Estamos na ponta e acompanhamos as dores da população. Fui a Brasília para tentar me reunir com o ministro Luiz Marinho [comandante da pasta do Trabalho no governo federal], mas não fui recebido. Depois, o ministro foi ao Rio Grande do Sul anunciar um programa que eles tinham criado. Um programa ruim, mal-feito e que não atingiu os objetivos. Então, por um lado eles fizeram ações, mas por caminhos mais difíceis. De outro lado, a questão da negociação da própria suspensão do pagamento da dívida foi um avanço importante, chancelado pelo Ministério da Fazendo. Mesmo aí tem regras muito complexas de serem administradas. Há uma série de restrições de uso dos recursos que tornam difícil o manejo. Muitas vezes há inseguranças sobre como aplicar os investimentos. Nós interpretamos de um jeito dos investimentos associados à calamidade, mas será o Ministério da Fazenda que vai fazer o acompanhamento dessas coisas. Esse excesso de tutela da União sobre os entes subnacionais, uma regra em todas as áreas, torna a recuperação da calamidade ainda mais dura.

*O jornalista viajou a convite da Comunitas

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