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Preço do cacau dispara, deixa a Páscoa mais cara — e faz indústria desenvolver alternativas

Crise no mercado de cacau não é nova. Desde 2023, uma combinação de clima e doenças afetou a produção global, especialmente em Gana e Costa do Marfim

 (Tomaz Silva/Agência Brasil)

(Tomaz Silva/Agência Brasil)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 26 de março de 2025 às 06h00.

Última atualização em 26 de março de 2025 às 10h28.

A Páscoa de 2025 pode ter um gosto amargo. A alta de 180% nos preços do cacau em 2024 impactará o custo dos ovos de Páscoa, tornará o produto mais caro e reduzirá sua produção.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), serão produzidos 45 milhões de ovos para a Páscoa em 2025, ante 58 milhões em 2024, uma queda de 22%. Em 2024, a produção total de chocolates no Brasil cresceu 3%, somando 803 mil toneladas.

A crise no mercado de cacau não é nova. Desde 2023, uma combinação de crise climática e doenças afetou a produção global, especialmente em Gana e Costa do Marfim, que, juntos, representam 70% da produção mundial do fruto, com 2,2 milhões e 680 mil toneladas, respectivamente.

Além disso, em 2024, o fenômeno El Niño elevou as temperaturas e causou estresse hídrico nos cacaueiros — as chuvas torrenciais espalharam a "podridão parda", uma doença fúngica que afeta os cacaueiros e reduz a produtividade.

Há também a anomalia do broto inchado, uma doença viral que infecta principalmente cacaueiros na África Ocidental e que atinge as plantações do continente desde 1936.

"A produção nessas regiões está envelhecendo, com lavouras antigas que se tornam ainda mais suscetíveis aos impactos climáticos extremos e a doenças. Em Gana, a situação é ainda mais crítica devido à mineração ilegal, que, somada às perdas causadas por pragas e questões climáticas, tem levado à redução das áreas produtivas de cacau", diz Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

O impacto foi evidente. Mesmo com a volatilidade, as cotações do cacau na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) chegaram a quase US$ 12 mil por tonelada. Atualmente, os preços estão entre US$ 8 e US$ 9 mil por tonelada.

Em meio à disparada mundial nos preços do cacau, os preços de chocolates em barra e bombons acumularam uma alta de 16,53% nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país.

"Já há algum tempo, a demanda supera a oferta, mas em 2024 esse cenário se agravou, com um déficit de 500 mil toneladas no ano passado. Isso levou a um aumento significativo nos preços. A volatilidade persiste porque, embora os preços subam rapidamente, o ajuste completo leva tempo", diz Losi.

Ao longo de 2024, o preço do cacau experimentou grande volatilidade, com variações acentuadas e uma imprevisibilidade que afetou profundamente o mercado. Em alguns períodos, houve aumentos bruscos e sucessivos, às vezes no mesmo dia.

No meio do ano, o mercado apresentou momentos de maior equilíbrio nos preços, embora ainda mantivesse patamares muito superiores aos de 2023. Contudo, o ano passado foi um ano marcado por preços recordes.

Indústria do chocolate

Com a alta nos preços do cacau, a saída encontrada pela indústria foi se reinventar. Segundo a Abicab, a estratégia para este ano é diversificar o portfólio, indo além dos tradicionais ovos de Páscoa.

Serão 803 tipos de produtos, incluindo 93 lançamentos em relação a 2024.

"Novas gramaturas, composições com castanhas, pistache, amendoim e frutas, além de tamanhos variados, acompanham as preferências dos brasileiros, que estão sempre em busca de novidades. São opções que também atendem diferentes faixas de consumo", afirma Laerte Rimoli, porta-voz da entidade.

Segundo ele, todos os itens devem conter no mínimo 25% de cacau, percentual exigido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que o produto seja classificado como chocolate.

Para Adilson Reis, analista da Mercado de Cacau, os efeitos da alta nos preços da commodity são sentidos em toda a cadeia produtiva, principalmente nos derivados do cacau, como manteiga e pasta de cacau — insumos essenciais na produção de chocolates.

"O aumento de custo foi significativo, e o repasse dos preços ao consumidor final tem sido incompatível com os valores pagos hoje pela matéria-prima. Até pouco tempo, esse impacto era menos perceptível, pois grande parte dessas empresas trabalha com contratos de longo prazo", diz o analista.

Segundo Reis, as grandes indústrias, por exemplo, costumam negociar com um ano de antecedência, o que permitia manter a produção com estoques de cacau adquiridos a preços mais baixos. Ou seja, os produtos que estavam saindo da fábrica até agora ainda tinham custo de produção mais controlado.

O mercado do cacau envolve três etapas principais: a produção nas fazendas, a indústria de transformação — que processa o cacau e produz os derivados —, e a etapa final, composta pelas fábricas de chocolate, que elaboram os produtos que chegam ao consumidor.

Para o analista, mesmo com a volatilidade, os preços devem se acomodar por causa da oferta e demanda.

"Quando há escassez, os preços sobem muito. Ficam caros, e o consumidor passa a consumir menos. Com isso, os preços começam a se ajustar, até voltarem à normalidade. Esse movimento acontece também porque o setor produtivo, de alguma forma, reage a esses estímulos", diz Reis.

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