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Empresa gaúcha levanta R$ 70 milhões via CRA Social para ampliar agricultura familiar no RS

Esta foi a primeira emissão no mercado de capitais realizada pela companhia, com os recursos captados em uma emissão primária coordenada pelo Itaú BBA

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 27 de junho de 2024 às 06h30.

Última atualização em 27 de junho de 2024 às 06h46.

"É na crise que a gente vai e investe". Assim resume Wilrobson Bassiano, Chief Financial Officer (CFO) da empresa de produtos congelados Grano Alimentos, sobre a estratégia da companhia em tempos de dificuldades no mercado. O motivo da máxima é simples, e alvissareiro, para o negócio: a Grano levantou R$ 70 milhões por meio de um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) rotulado como Social — a primeira emissão no mercado de capitais realizada pela companhia, com os recursos captados em uma emissão primária coordenada pelo Itaú BBA.

O CRA Social é um instrumento financeiro brasileiro que visa fomentar o desenvolvimento sustentável e inclusivo no setor do agronegócio. É uma variação do CRA tradicional, um título de crédito lastreado em recebíveis originados em negócios entre produtores rurais e terceiros, utilizado para captar recursos no mercado de capitais para financiar atividades agrícolas. Em resumo, a principal característica do CRA Social é seu foco em projetos com impacto social positivo, como o apoio a pequenos produtores, sustentabilidade ambiental, desenvolvimento comunitário e inclusão social.

Para a empresa, a nova receita cairá como uma luva. Com um modelo de negócios fundamentado em agricultores familiares, a injeção de capital permitirá ampliar a cobertura da agricultura familiar no Rio Grande do Sul, onde foi fundada há 22 anos, além de aumentar os investimentos em pesquisa e inovação da companhia nos próximos anos.

"Como temos um lastro com contratos com agricultores, essa oportunidade encaixou perfeitamente com nossa pretensão de estrear no mercado de capitais [...] Esses recursos serão usados para continuar investindo no campo, que é a base de tudo, desde o planejamento. Nosso objetivo é continuar crescendo, especialmente com nosso principal produto, o brócolis. Sempre que crescemos, precisamos aumentar o plantio no campo, o que envolve toda uma cadeia produtiva", diz o CFO.

Atualmente, a Grano tem 500 funcionários e atua com um modelo de negócios que fomenta a economia local. De acordo com o CEO da companhia, Fernando Giansante, a Grano trabalha em parceria com aproximadamente 120 famílias de agricultores locais, distribuídos em mais de 30 municípios do Rio Grande do Sul.

"Nossa cadeia de produção é integrada: compramos as sementes, temos um viveirista que produz as mudas para a Grano, e a Grano vende essas mudas para os agricultores. A partir daí, o agricultor é responsável por todo o processo, desde a compra de insumos e defensivos, até o plantio, colheita e entrega para nós, seguindo um contrato que estabelece prazo, volume e qualidade. Nós compramos os produtos de acordo com esse contrato", afirma Giansante.

Os planos para a emissão do CRA Social estavam no horizonte da Grano desde o ano passado. Contudo, a resolução nº 5.118, de 1º de fevereiro de 2024, divulgada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) incentivou a empresa a acelerar o processo – a medida proíbe emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) com lastro em títulos de dívida (debêntures, por exemplo) emitidas por companhias de capital aberto não relacionadas aos setores do agronegócio ou imobiliário.

Para a emissão do CRA Social, o grande diferencial, segundo Michele Lopes, diretora de Sustentabilidade da Grano, é que a cadeia produtiva da companhia é composta por 93% de agricultura familiar. "Recebemos uma avaliação externa sobre nosso compromisso social com a agricultura familiar. O que diferenciou esse processo de um CRA normal foi justamente essa auditoria. A emissão do CRA foi vinculada ao nosso compromisso de continuar fomentando a agricultura familiar", diz ela.

A forma de trabalho da Grano possibilitou que a empresa gaúcha, por meio da emissão de um parecer de segunda parte, realizado pela consultoria ERM NINT, atrelasse a emissão do CRA a uma caracterização social, por atender a critérios de elegibilidade alinhados aos Social Bond Principles, bem como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), o Guia para Ofertas de Títulos ESG da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), e outros padrões de sustentabilidade reconhecidos internacionalmente, atestando a atuação da Grano junto a cadeia de produção voltada à agricultura familiar.

Além do brócolis, carro-chefe do empreendimento e que representa mais de 40% das vendas, a linha oferecida pela Grano tem couve-flor, milho e cenoura congelados e 100% dos fornecedores são do Rio Grande do Sul – as embalagens têm de 300 gramas a 1 quilo e os principais clientes são restaurantes, lanchonetes, hospitais e supermercados. Em 2023, a empresa registrou um faturamento de R$ 250 milhões e, para este ano, a Grano estima um faturamento de R$ 350 milhões.

Fundada em 2000 por Edi Deitos, ex-contador da Perdigão, a Grano tem sido controlada pelo fundo americano Arlon Group desde 2015. A empresa afirma ser responsável por 42% da produção de vegetais congelados (exceto batata) no Brasil. Brócolis, mix de vegetais, ervilhas e couve-flor compõem cerca de 80% de seu volume de produção.

Enchentes no Rio Grande do Sul

As recentes inundações que atingiram o Rio Grande do Sul entre o final de abril e meados de maio afetaram pontualmente alguns fornecedores da Grano. Um problema ocorreu no município de Serafina Corrêa, onde a indústria está localizada. Dois dias de alagamento resultaram em dois óbitos na cidade, o que exigiu um gerenciamento de crise na produção local. Em termos de produtores, houve a perda de alguns lotes.

O risco climático foi previsto desde setembro e medidas foram tomadas para evitar que os produtores mais vulneráveis fossem afetados. A situação foi administrada, apesar do desafio em maio, que resultou em redução de entrada e perda de produtividade.

"Alguns produtores perderam lotes inteiros. Em junho, voltamos à normalidade, com um planejamento ajustado e a recuperação das lavouras. É importante ressaltar a parceria e visão de longo prazo que temos com os produtores. Muitas estratégias agronômicas foram implementadas para mitigar riscos, desde a escolha do momento correto para o plantio até outras medidas preventivas. A situação poderia ter sido muito pior se não tivéssemos essas estratégias em prática", explica Lopes.

Questionado se uma eventual desaceleração da economia brasileira, ou a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, ainda em dois dígitos pelo Banco Central (BC) não traz preocupação para os negócios, o CFO é otimista. "Não vemos a questão da inadimplência com grande preocupação, pois nossos clientes incluem grandes redes de atacarejo [...] Temos um sistema eficaz de controle de crédito. Embora exista alguma inadimplência, ela é muito baixa, não chegando nem a meio por cento. Isso ocorre porque adotamos uma política rigorosa: se um restaurante não paga uma fatura, suspendemos as vendas até que o pagamento seja efetuado", diz.

Sobre o futuro, o CEO reitera que o planejamento é o que deve pautar a atuação da Grano para os próximos anos. Atualmente, Giansante diz que a Grano não planeja uma nova emissão de CRA Social, contudo, a ideia não está descartada. "Não temos planos concretos para emitir um CRA nos próximos dois anos. Contudo, temos um planejamento estratégico de longo prazo [...] Embora nada esteja firmemente decidido, nosso objetivo é continuar crescendo a uma taxa média de dois dígitos. E para isso, sabemos que é essencial continuar investindo", finaliza o CEO.

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