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Sócio-líder para a Indústria de Consumer e líder para o setor de Agronegócio da Deloitte
Publicado em 6 de fevereiro de 2024 às 12h52.
Última atualização em 6 de fevereiro de 2024 às 13h15.
Para o agronegócio brasileiro, além de todas as dúvidas que persistem a respeito do volume de produção, regime de chuvas e preços das commodities, resta também o acompanhamento dos assuntos referentes à reforma tributária, aprovada em dezembro do ano passado, e seus impactos para o setor — que ainda serão definidos pelo Congresso Nacional, por meio de Leis Complementares, cuja discussão se inicia no primeiro semestre deste ano.
Esta discussão tem sido objeto de minhas conversas com diversos agentes do setor, nas quais me acompanha Carolina Verginelli — especialista em tributação no agronegócio e sócia de Consultoria Tributária da Deloitte — com quem assino a coluna da EXAME deste mês. Nosso objetivo é atualizar o leitor quanto ao que já se sabe e ao que está por vir.
A reforma tributária brasileira representa uma importante iniciativa para modernizar o sistema tributário do país, visando simplificar as obrigações fiscais, reduzir a burocracia e promover um ambiente mais favorável aos negócios. O debate em torno dessa reforma tem se concentrado em diversos aspectos, incluindo a simplificação de impostos e respectivas obrigações acessórias, a reorganização das competências tributárias entre União, estados e municípios, a revisão de alíquotas, a extinção de incentivos fiscais, entre outros.
A reforma dos tributos sobre o consumo baseia-se na criação de um IVA-Dual (Imposto sobre Valor Agregado): (i) Federal – Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); e (ii) Subnacional – Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que incidirão sobre bens materiais e imateriais, direitos e serviços, amparados pela mesma legislação.
O IBS substitui os impostos estadual (ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e municipal (ISS – Imposto sobre Serviços) buscando harmonizar a tributação sobre bens e serviços. Dessa forma, procura-se criar um ambiente menos complexo, do ponto de vista tributário, para a circulação de mercadorias e a prestação de serviços em todo o território nacional. Este IVA Subnacional será administrado, uniformizado e gerido por Comitê Gestor do IBS, composto paritariamente por 27 membros dos estados e DF e 27 dos municípios e DF.
A CBS, que substitui o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) – federais, visa consolidar tributos que, na prática, já se comportam como um só.
Em que pese o fato de as alíquotas do IVA-Dual ainda não estarem definidas, a Emenda Constitucional prevê uma alíquota padrão para todos os bens e serviços, com algumas exceções, que a reduzem em 30%, 60% ou 100%.
Estas exceções estão elencadas na Emenda Constitucional aprovada, mas dependem de definição e detalhamento através de lei complementar.
Além da criação do IVA-Dual, o IPI terá suas alíquotas reduzidas a zero, a partir de 2027, e somente incidirá sobre produtos que possuem industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, com o intuito de manter a competitividade desta região.
Em contrapartida, a Emenda Constitucional aprovada prevê a possibilidade de a União Federal instituir o Imposto Seletivo (IS) sobre produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, apelidado de “Imposto do Pecado” — que serão definidos em lei complementar.
Dado o fato de a Emenda Constitucional que concretiza a Reforma Tributária brasileira ter sido aprovada em dezembro do ano passado, há, ainda, muita definição necessária pela frente.
O ano de 2024 deverá ser um período de muita produção legislativa pelo Congresso Nacional já que, após a promulgação, foi estabelecido o prazo de 180 dias para o envio de projetos de leis complementares pelo governo federal. Após as definições que virão via lei complementar, as empresas terão até o final de 2025 para implementar as mudanças de modo a iniciar o período de transição em 2026, que durará 7 anos.
Diversos pontos da reforma tributária dependem de legislação complementar para definições relevantes, tais como:
(i) Incidência da CBS, IBS e IS;
(ii) Criação e definição da competência administrativa do Comitê Gestor do IBS;
(iii) Tratamento a ser dado aos saldos credores de ICMS, PIS, Cofins e IPI no que diz respeito à utilização e ressarcimento;
(iv) Detalhamento das operações beneficiadas com redução de alíquota em relação aos bens e serviços descritos na Emenda Constitucional;
(v) Detalhamento dos Regimes Específicos de tributação do IBS/CBS;
(vi) Como se dará a simplificação das obrigações acessórias.
No que diz respeito ao Agronegócio, há alguns pontos específicos na Reforma Tributária brevemente elencados a seguir:
(i) Redução de alíquota em 60%: abrangerá alimentos destinados ao consumo humano, produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura, insumos agropecuários e aquícolas, entre outros, cujo detalhamento será trazido por lei complementar.
(ii) Redução de alíquota em 100%: contemplará produtos hortícolas, frutas e ovos, produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos, entre outros, também com detalhamento por lei complementar.
(iii) Produtor rural pessoa física ou jurídica com receita anual inferior a R$ 3.600.000 e o produtor integrado poderão optar por ser contribuintes da CBS e do IBS. Ainda é autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica que não opte por ser contribuinte do IVA-Dual, nos termos da lei complementar.
(iv) Desoneração das exportações, ponto de extrema importância para o agronegócio que tem vocação exportadora. Importante ressaltar a possibilidade de acúmulo de créditos da CBS e IBS a depender da configuração das operações, trazendo a necessidade de se pensar em Regimes Aduaneiros Especiais, por exemplo.
(v) Cooperativas: há previsão de tratamento específico da CBS e do IBS, a ser definida em lei complementar, no sentido de que o ato cooperado não resulte em tributação mais gravosa aos cooperados do que aquela decorrente das atividades ou operações por elas realizadas no mercado por conta própria sem a interveniência da cooperativa.
(vi) Imposto Seletivo – meio ambiente: outra preocupação do agronegócio é sobre a abrangência do IS. A regulamentação sobre os produtos atingidos pela IS acontecerá somente por meio de lei complementar, gerando receio entre os produtores rurais de que os fertilizantes e defensivos agrícolas, por exemplo, sejam sobretaxados.
(vii) Possibilidade de criação de novas contribuições sobre os produtos primários e semielaborados, baseadas na preexistência de fundos de investimentos em infraestrutura e habitação em vigor em abril de 2023, a serem cobradas durante 20 anos. Os estados do Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina já criaram a chamada “taxa do agro”, mas outras unidades da federação podem criar tributo semelhante.
(viii) Extinção dos incentivos fiscais: eventuais incentivos fiscais existentes no sistema tributário atual para o agronegócio serão extintos, o que traz a necessidade de análise dos impactos financeiros e posicionamento geográfico.
Do ponto de vista de ações imediatas, as empresas precisam iniciar a análise dos impactos da reforma tributária nos seus negócios, posicionamento estratégico, formação de preço, comportamento da carga tributária, competitividade, bem como o planejamento da implementação e estratégia operacional durante o período de transição de 7 anos.
Em face ao cenário de alta complexidade do sistema tributário atual, que conviverá paralelamente com novas regras que serão inseridas de maneira escalonada durante o período de transição, até que em 2033 o novo sistema tributário esteja integralmente implementado, é de suma importância que estas ações sejam iniciadas o quanto antes, para que os contribuintes tenham tempo hábil de se adequar a esta importante mudança.