Revista Exame

O streaming está virando TV? As mudanças do mercado de entretenimento

Com o aumento da concorrência, as plataformas diversificam conteúdo e procuram inspiração em métodos de geração de receitas que serviram ao negócio tradicional da televisão durante décadas

Streaming: as notáveis mudanças nos catálogos da plataforma — e o que isso significa para o mercado (Leonardo Yorka/Exame)

Streaming: as notáveis mudanças nos catálogos da plataforma — e o que isso significa para o mercado (Leonardo Yorka/Exame)

Publicado em 25 de abril de 2024 às 06h00.

Um streaming para o Campeonato Brasileiro, outro para os jogos da Libertadores e ainda um terceiro para as ligas estrangeiras, como a Uefa Champions League. Se você for fã de modalidades como basquete, tênis e MMA, prepare o bolso, porque a lista de assinaturas pode aumentar. A vida do atleta de sofá não tem sido fácil com a crescente fragmentação das transmissões esportivas. Na verdade, isso é apenas parte de um cenário mais amplo que envolve boa parte da cadeia de consumidores do audiovisual e traz lembranças de um passado não muito distante, quando o mercado era dominado pelas emissoras de TV a cabo.

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Os streamings surgiram com a promessa de revolucionar a TV, oferecendo inicialmente uma alternativa mais barata, simples, conveniente, com curadoria e sem publicidade. Um alívio, por exemplo, para os cinéfilos que em um passado nem tão distante precisavam torcer para encontrar uma fita cassete ou um DVD na locadora — e podiam ficar com ele só por alguns dias — ou para os espectadores em geral que se sentiam obrigados a respeitar os horários dos canais.

Mas, à medida que o número de serviços aumenta, a oferta se torna demasiado grande, cara e por vezes complicada de navegar. Na tentativa de se diferenciar da concorrência, em um mercado global que deve atingir 173,7 bilhões de dólares até 2028, segundo a consultoria Mordor Intelligence, as empresas têm procurado inspiração em métodos de geração de receitas que serviram bem ao negócio tradicional da televisão durante décadas. Produção e diversificação de conteúdo, direitos de transmissão exclusivos, publicidade, fusões e aquisições, e até mesmo os clássicos pacotes com níveis de assinaturas estão de volta, agora com mais força, levando a chamada guerra dos streamings a um novo patamar.

Elenco de Beleza Fatal: novela original da Max, com Giovanna Antonelli e Camila Queiroz (Max/Divulgação)

Reajustes no valor das assinaturas

Levantamento recente da Proteste, entidade de defesa do consumidor, mostra que os reajustes feitos por oito plataformas, a exemplo de Prime Video, Apple TV+ e YouTube, subiram, em média, 14% acima da inflação entre 2021 e 2023 no Brasil. Enquanto o preço de alguns streamings aumentou 25% ou até 80%, outros baratea­ram. Há ainda aqueles, como a Netflix e a Disney+, que anunciaram cobranças extras para o compartilhamento de senhas. Caso o cliente queira ter acesso a todos os serviços avaliados no estudo, precisará desembolsar mensalmente mais de 200 reais (considerando apenas os valores dos planos básicos até 2023).

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Atualmente, o brasileiro mantém, em média, a assinatura de pouco mais de oito serviços de streaming, sendo 4,7 pagos e 3,5 de plataformas gratuitas com publicidade, segundo análise da Comscore, consultoria especializada em medição de audiência digital, em parceria com a empresa americana Siprocal. Mas o custo-benefício segue ditando o comportamento. De acordo com pesquisa realizada pela Opinion Box, entre março e abril de 2024, 70% dos entrevistados disseram que já cancelaram uma assinatura em razão do aumento do preço.

“Em um campo lotado de concorrentes, fica difícil para as empresas se diferenciarem”, diz Thiago Costa, professor de comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). “O primeiro caminho escolhido foi pela programação, com a ampliação da oferta de conteú­do e investimento em produções originais. Cada streaming tem as suas propriedades intelectuais que funcionam como chamariz para atrair e reter assinantes, caso da Netflix com Stranger Things. Alguns apostam, ainda, em lançamentos episódicos semanais, com dia e hora marcada.”

Recentemente, a Max, antiga HBO Max, mudou até o nome para anunciar novidades em seu catálogo. Se em 2020, quando foi lançada, o destaque era para a credencial do estúdio, hoje o intuito é explorar o fato de que a plataforma tem mais opções por trás das séries premiadas e ampliar a oferta para além de seus quase 100 milhões de assinantes. Agora o canal oferece, entre outras atrações, produções infantis, nacionais, animes e reality shows. “Estamos falando não só da consolidação do mercado de entretenimento, mas de uma nova forma cultural de consumo e mudança de como a sociedade pensa o lazer”, afirma Monica Pimentel, vice-presidente de conteúdo Brasil da Warner Bros. Discovery, dona da Max.

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Diversificação de conteúdo

Após a mudança de interface, a Max segue em busca do público noveleiro, uma das principais audiências da TV tradicional aqui no Brasil. Para isso, lançará em breve Beleza Fatal, produção nacional exclusiva estrelada pela atriz global Camila Pitanga, e Dona Bêja, remake de um sucesso dos anos 1980 originalmente com Maitê Proença, agora com Grazi Massafera no papel principal. A marca acompanha o ritmo da concorrência. Netflix e Prime Video já têm feito sucesso com a narrativa, em especial com tramas turcas e mexicanas, as quais estão entre os títulos mais vistos. Produções coreanas, os doramas, também figuram entre as apostas de Netflix, Prime Video, Max e Paramount+.

“Vimos nas novelas uma maneira de nos conectarmos diretamente com o consumidor brasileiro”, afirma Pimentel. A estratégia também atende a uma demanda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recentemente sancionou leis para regulamentação da categoria. Uma delas, para fomentar a indústria nacional, foi aprovada no Senado em abril e estabelece novas cotas para produções brasileiras: 100 para catálogos com até 1.000 títulos e 300 para quem oferece mais de 7.000 obras. Metade dos conteúdos terá de ser feita por produtoras independentes. O texto está agora na Câmara dos Deputados. “Seguir a lei não será uma tarefa difícil, está dentro do que pensamos para o negócio. Temos no momento 50 novos conteúdos nacionais em diferentes fases de produção”, complementa Pimentel.

O esforço das demais plataformas para aumentar a produção brasileira é perceptível. A Netflix teve séries nacionais no topo de audiência, como Cidade Invisível e Sintonia. A ­Prime Video viu o mesmo ocorrer com Dom e Cangaço Novo, que chegou a entrar para a lista de top 10 mais vistas em países da África e do Oriente Médio. Justiça se destacou na Globoplay, assim como Spider, que conta a história do lutador Anderson Silva, na Paramount+. Na mesma onda, o Disney+ reforçou o catálogo com A Magia de Aruna e Mila no Multiverso.

Cena de Uma Dose Diária de Sol: dorama popular da Netflix com a atriz Park Bo-young (Netflix/Divulgação)

“Trazer uma diversidade de conteúdo ao streaming, que sempre foi um ponto forte da TV por assinatura, é um jeito de inovar e manter o assinante”, justifica a executiva da ­Warner Bros. Discovery. O mesmo observou a Globoplay, que foi além da programação linear da TV Globo e de seu acervo para se tornar um hub de conteúdo digital, com jornalismo, shows, séries, documentários e licenciados. Em 2023, a plataforma foi a segunda com mais audiência em streaming no Brasil, atrás da Netflix, segundo levantamento da Kantar Ibope. Prime Video, HBO Max, Disney+ e Star+ aparecem na sequência.

“Com tanto conteúdo disponível, chegamos ao ponto em que as pessoas já estão, de certa forma, saturadas. Do lado do negócio, as produções originais são caras e não se pagam somente com assinaturas, o que tem levado as plataformas a buscar novas fontes de receita, mirando especialmente o insubstituível: direitos esportivos e transmissões ao vivo”, explica Thiago Costa, da Faap.

A disputa pelos esportes ao vivo

Embora 2024 seja ano de disputas olímpicas, com os Jogos de Paris previstos para acontecer entre julho e agosto, há tempos os streamings travam uma disputa no segmento esportivo com os grupos tradicionais de mídia. Star+, Prime Video, Paramount+ e Max foram pioneiras em transmitir partidas de futebol ao vivo.

Outras modalidades, como tênis e basquete, também já chegaram aos streamings. Recentemente, a NBA informou recorde de audiência em plataformas do segmento no Brasil e no México com os jogos ao vivo da temporada regular de 2023/2024, que foram transmitidos na Amazon Prime, Star+, NBA League Pass e YouTube. A Federação Paulista de Futebol também viu resultado semelhante com o Paulistão Sicredi 2024, depois de implementar o modelo de transmissão multiplataforma, que incluiu TV aberta (Record), fechada (TNT) e streaming (YouTube/CazéTV e Max).

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“Há uma percepção geral de que os esportes são um diferencial significativo de negócio para a retenção de espectadores. Eles carregam um público cativo e, consequentemente, trazem mais audiência e anúncios. Com a capacidade de interatividade do streaming, podem emergir ainda novas possibilidades comerciais”, destaca Costa. Ele lembra que a ­Netflix fechou, no início deste ano, um acordo de 5 bilhões de dólares com a WWE, liga americana de luta livre, após o sucesso de Drive to Survive, série sobre os bastidores da Fórmula 1. Já ­Disney+, Fox e Warner Bros. Discovery anunciaram uma superplataforma voltada para esportes, que combinará as transmissões da ESPN, TNT e Fox Sports.

Disputa da final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo, em 2023: transmissão pela Prime Video (Prime Video/Divulgação)

Crescimento acelerado

Apesar do aumento dos preços dos streamings, pesquisa da Deloitte divulgada em março deste ano mostrou que os usuários nos Estados Unidos não estão cancelando as assinaturas tanto quanto no passado. A própria Netflix informou que adicionou 9,3 milhões de assinantes no primeiro trimestre de 2024, quase o dobro do volume previsto (entre 4,8 milhões e 5 milhões). A empresa chegou a uma base total de 269,6 milhões de assinantes globais, um aumento de 16% na comparação com o período anterior. A receita também teve alta de 14,8%, alcançando 9,37 bilhões de dólares.

“O mercado está em processo de maturação”, diz Iván Marchant, vice-presidente da Comscore para a América Latina. Segundo ele, a lógica dessa nova fase do streaming é que os custos provavelmente serão suportados por um misto de publicidade, pacotes e níveis de assinaturas. “Estamos vendo que diferentes modelos podem coexistir ao mesmo tempo.” No estudo da Deloitte, 46% dos consumidores afirmaram que assinam pelo menos um serviço de streaming pago com anúncios e 57% usam um serviço gratuito com anúncios.

Tartarugas Ninja: Caos Mutante, de 2023: disponível na plataforma da Paramount (Paramount/Divulgação)

“Não acho, contudo, que estamos voltando para a era da TV a cabo”, acredita JC Rodrigues, doutorando em comunicação e práticas de consumo da ESPM, que atuou por sete anos como diretor da Disney Brasil. Em sua visão, para continuar em crescimento, os streamings podem atrair clientes de outras plataformas ou aumentar a receita por usuá­rio, por meio de modelos de monetização complementares, como vendas pontuais, oferta de canais temáticos adicionais ou mesmo de outros serviços de streaming, como assinar Paramount+ via Apple TV+ ou Netflix pela Vivo Fibra. A Amazon, por exemplo, uniu o Prime Video a um conjunto de outros serviços e vantagens de seu ecossistema de marketplace.

“A grande diferença, ou novidade, trazida pelo streaming é a capacidade de monitorar o consumo nas plataformas de forma apurada. Isso permite ser mais assertivo nas sugestões de conteúdo, e o pulo do gato será quando a publicidade conseguir customizar anúncios com o mesmo nível de segmentação personalizada (ou próximo disso) de sites e aplicativos, algo muito distante de como funcionava a TV tradicional”, finaliza Rodrigues.

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