Uber em Londres: tribunal trabalhista determinou pagamento de salário mínimo; no Brasil, tema está fora até da reforma que entra em vigor no sábado (Simon Dawson/Reuters)
Lucas Amorim
Publicado em 10 de novembro de 2017 às 18h20.
Última atualização em 10 de novembro de 2017 às 20h25.
A decisão do tribunal trabalhista de Londres de que o Uber deve considerar seus 50.000 motoristas da cidade como funcionários, divulgada nesta sexta-feira, deve repercutir no debate sobre a regulação dos aplicativos de transporte no Brasil.
Ao menos esta é a avaliação do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), autor do Projeto de Lei 28/2017, que regulariza empresas de transporte de passageiros como Uber, 99 e Cabify.
“A decisão reforça nosso argumento de que o Uber é uma empresa que coloca trabalhadores para fazer o serviço cobrando-lhes 25% do valor da corrida”, diz Zarattini a EXAME. “A empresa não pode ficar sem nenhuma regulação”.
A companhia americana tinha apelado de uma decisão anterior da Justiça britânica, que no ano passado deu razão a dois trabalhadores, James Farrar e Yaseen Aslam, que reivindicavam, entre outras coisas, férias pagas, descansos remunerados e a concessão de um salário mínimo de 7,50 libras por hora trabalhada.
O Uber recorreu da sentença e sustentou que os motoristas não são obrigados a usar o aplicativo de reservas de serviço de táxi e que, além disso, têm condição de trabalhadores autônomos. Não funcionou, e a firma já antecipou que vai recorrer da decisão ao Tribunal de Apelação do Trabalho de Londres dentro do prazo legal de 14 dias. O caso deve chegar até o Supremo Tribunal britânico, o que deve abrir outro longo processo, enquanto a plataforma de transporte não tem obrigação de modificar suas condições trabalhistas.
“Quase todos os taxistas e motoristas contratados privadamente foram autônomos durante décadas, muito antes de existir nosso aplicativo. A principal razão pela qual os motoristas usam o Uber é porque avaliam a liberdade dada para escolher quando e como trabalham. Vamos apelar”, declarou Elvidge.
Zarattini e os defensores do projeto brasileiro devem usar a decisão do tribunal londrino nos futuros debates sobre a matéria, mas não há chances de que o Congresso brasileiro tome a decisão de obrigar o Uber a pagar, por exemplo, salário mínimo a seus motoristas. Depois de sofrer alterações pelo Senado, em 31 de outubro, o projeto voltou à Câmara e, segundo Zarattini, deve ser votado até fevereiro.
Os deputados não podem incluir novas mudanças no texto. Precisam aprovar a versão modificada do Senado, ou retornar ao texto inicial da Câmara. Segundo o PL 28/2017, o motorista deve ter carteira categoria B ou superior com informação de que exerce atividade remunerada e precisa ser cadastrado na empresa que gerencia o aplicativo. Caberá aos municípios seguir algumas diretrizes para que o transporte seja considerado legal, como cobrança de tributos municipais pelo serviços e inscrição do motorista no INSS como contribuinte individual.
A principal diferença entre os dois textos é que o Senado acabou com duas obrigatoriedades contidas no texto inicial da Câmara: o uso de placa vermelha para os carros de aplicativos e a exigência de que o motorista seja proprietário do veículo. Um grupo de deputados pressionados por sindicatos de taxistas tentarão recolocar esses pontos no texto final do projeto que será encaminhado para sanção presidencial.
Ao contrário do projeto britânico, o brasileiro não traz nenhuma regulamentação específica em relação aos direitos dos motoristas que continuarão trabalhando sem vínculo empregatício com os aplicativos. Ou seja, recebem apenas pelas corridas efetuadas, sem salário fixo, 13º, férias, nem outros benefícios. Se ficam doentes e não dirigem, não recebem. Os motoristas de aplicativos terão vantagens concedidas a taxistas, como desconto no IPVA e isenção em impostos na compra do carro zero.
A discussão sobre como regulamentar a relação do Uber com seus motoristas é global. No Brasil, uma oportunidade de trazer nova luz à relação entre aplicativos e seus prestadores de serviço era a reforma trabalhista, que entra em vigor neste sábado 11. Mas o texto da reforma não traz uma linha sequer sobre essas modernas relações de trabalho.
Nesta sexta-feira o site G1 revelou que o governo vai encaminhar ao Congresso ajustes na legislação na segunda-feira. O governo ainda discute se as alterações serão feitas via Medida Provisória, mais ágeis, como havia prometido ao Senado, ou por Projeto de Lei, que depende de novo trâmite no Congresso.
Entre as mudanças, está a proibição de empresas de demitir trabalhadores para recontratá-los por contrato de trabalho intermitente num prazo de 18 meses. Outra alteração busca proteger grávidas e lactantes de trabalharem em ambientes que ofereçam risco à saúde das mulheres e bebês. Os empregadores também estão proibidos de celebrar contratos de exclusividade com trabalhadores autônomos. Mas o texto continua sem menções específicas a aplicativos ou relações de trabalho mais modernas.
Enquanto isso, disputas como a que vem sendo travada em Londres servem como uma janela para o futuro. “Nossa crítica em relação à reforma é que a ausência de vinculação em casos como Uber, AirBnb, iFood e outros poderia ter sido enfrentada pela lei, acabando com a interpretação judiciária”, diz Clarisse Rozales, sócia do escritório de advocacia Andrade Maia, especialista em direito trabalhista. “Agora, a tendência é que esses pontos sejam discutidos através de lei específica”.