Mello, da IBM: inovação estará ligada à computação quântica
Ulisses Mello, diretor do laboratório de pesquisas da IBM Brasil, fala sobre o impacto da computação quântica e as pesquisas sobre o tema no Brasil
Lucas Agrela
Publicado em 8 de junho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 27 de agosto de 2020 às 16h47.
São Paulo – Ulisses Mello é o diretor do laboratório de pesquisas da empresa de informática IBM no Brasil. Recentemente, a empresa anunciou a criação de um centro de pesquisa em inteligência artificial (AI) no Brasil, em parceria com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O espaço será usado para o desenvolvimento de algoritmos avançados de IA. Eles poderão ajudar gestores a tomar decisões melhores, com base em análise massiva de dados, e também facilitar o uso de aplicações, que entenderão comandos de voz em português. Globalmente, a maior novidade do ano para a empresa é a criação de um computador quântico comercialmente viável, algo inédito. Em entrevista a EXAME, Mello afirma que o Brasil tem bons profissionais para criar algoritmos de IA, explica o complexo conceito de computação quântica e conta que participará do Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, nos dias 10 e 11 para estimular o uso de novas tecnologias na indústria. Confira os melhores trechos a seguir.
Como o novo centro de pesquisa em inteligência artificial vai funcionar e por que ele é importante para o Brasil?
Estamos criando um novo centro de pesquisas junto com a Fapesp. Estamos investindo 5 milhões de dólares cada e selecionaremos universidades para contribuir com montante total, ou seja, mais 10 milhões de dólares. No total, serão 20 bilhões de dólares investidos ao longo de dez anos. O objetivo é expandir a nossa agenda de inteligência artificial, principalmente aplicada a indústrias, como a agricultura digital, trabalhos com recursos naturais, saúde e sistema financeiro. A IBM tem um programa chamado AI Horizons Network, que é uma rede em que fazemos parcerias com diversas universidades, principalmente nos Estados Unidos. Temos parceria com o MIT (Massachusetts Institute of Technology), por exemplo. O novo centro no Brasil será o terceiro fora dos EUA. Há dois outros na Índia e no Canadá. A ideia é trabalhar com a nossa comunidade para expandir a nossa agenda e também acessar talentos nas universidades, uma vez que há grande competitividade nessa área de inteligência artificial.
O Brasil tem profissionais capacitados para ajudar a IBM nessa iniciativa e tornar a inteligência artificial uma das forças da economia brasileira?
Sim. O Brasil tem pesquisas em inteligência artificial há mais de duas décadas. Só na USP, há mais de 100 projetos de inteligência artificial. Várias universidade investem nessa área há alguns anos. No exterior, já há uma estratégia bem definida na Rússia, na China e nos Estados Unidos para esse campo da ciência, e eles investem pesado nessa tendência. Ela será um fator de diferenciação importante no desenvolvimento de produtos. Na China, sem uma regulação grande na área de dados pessoais, eles têm acesso a um grande número de imagens de pessoas. A compreensão visual é a área que eles querem dominar rapidamente. É importante o Brasil achar a sua vocação natural na inteligência artificial. É preciso identificar quais áreas e indústrias para as quais o Brasil tem uma inclinação positiva. No nosso laboratório, investimos muito na área de agricultura digital, porque há muitas imagens de drones e satélites e, com elas, podemos monitorar o crescimento de plantas ou encontrar pragas.
Outra área importante para a IBM neste ano, é a computação quântica. Neste ano, vocês apresentaram o primeiro computador dessa nova geração que é comercialmente viável. Como vocês irão unir a computação quântica com o principal produto de inteligência artificial de vocês, oIBM Watson?
Estamos avaliando as áreas com as quais a computação quântica tem maior aderência. Estudamos quais problemas físicos que são difíceis de se resolver com computação clássica e que podem se beneficiar na computação quântica. Algumas que já identificamos são a química molecular e o machine learning (aprendizado de máquina). Usamos a computação quântica para melhorar os algoritmos de classificação de dados. Em machine learning, há uma transformação do dado que permite uma acurácia de classificação para bilhões de informações seja bem melhor com computação quântica. Se essa área se desenvolver bem, ela poderia ser conectada à nossa plataforma de hardware, e permitiria que o Watson Machine Learning Accelerator se beneficiasse dela. Seria como uma GPU (unidade de processamento gráfico), que hoje é usada em computação para machine learning, mas a atuação seria mais específica. A computação quântica vai acelerar várias operações. Fora isso, a área de logística também pode se beneficiar dessa tendência.
Como a inteligência artificial e a computação quântica vai impactar a indústria?
A computação quântica agora está cada dia mais perto da realidade. Muitas companhias e pessoas precisam se preparar para essa nova era. É importante entender essa tendência logo cedo. Desse modo, poderemos ter startups que podem criar novas gerações de serviços e produtos para diferenciar o Brasil no mercado.
Em termos simples, o que muda na computação quântica?
A computação clássica é baseada na entidade atômica chamada bit. Ou ele é 0 ou 1. Cada bit pode ter apenas um desses estados. Combinando os bits, formamos bytes. Com 32 bits, você consegue representar qualquer inteiro – até um determinado valor. Cada bit é diferente do outro, o que torna as operações sequenciais. Para explicar isso, eu uso o exemplo do cadeado de bicicleta. Para encontrar a combinação, você precisa fixar um número e rodar os outros até encontrar a combinação. Isso faz com que você tenha que testar todas as combinações sequencialmente. E em um computador quântico, a entidade básica é o qubit.
E o que é um qubit?
Gosto de representá-lo visualmente como uma esfera, como a Terra. O Polo Norte seria o estado 0 e o Polo Sul seria o estado 1. Na esfera, qualquer posição é um estado, e os extremos correspondem aos bits da computação clássica. Se você estiver em São Paulo, estará mais próximo do 1 do que do 0. Em computação quântica, isso é chamado e superposição. São dois estados ao mesmo tempo em um qubit, com probabilidades diferentes. Agrupados, eles são interconectados por meio de uma propriedade chamada emaranhamento. É algo que beira ao metafísico. Um estado de qubit depende do estado do outro. Isso faz com que uma sequência de qubits funcione como um polinômio de vários estados. Se você mexer em um, o estado de outro qubit também é alterado. Há um paralelismo intrínseco que permite que você ache a solução em uma tacada só, em vez de fazer o processo sequencialmente. Por causa disso, em um computador quântico, você pode dobrar a sua capacidade adicionando apenas um qubit. Na computação clássica, você precisaria dobrar a quantidade.
Onde mais isso é usado?
Em criptografia e aplicações combinatórias. Você pode ter milhares de combinações, como em análises financeiras e os qubits ajudam a ser mais ágil.
Quanto tempo até a computação quântica ter um impacto no mundo real com o Watson?
Vai demorar um pouco, de três a cinco anos. Apesar de termos disponibilizado um computador comercial quântico, ele ainda não atingiu a maturidade necessária para se conectar a plataformas comerciais, como é o caso do Watson atualmente.