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Livros digitais e de papel não coexistirão, diz cientista

Jean Paul Jacob, pesquisador emérito da IBM na Califórnia, prevê a substituição dos títulos impressos pelos ebooks desde a década de 1990

Jacob, hoje com 73 anos: "há quatro décadas, vejo 10 anos à frente" (.)
DR

Da Redação

Publicado em 6 de agosto de 2010 às 19h01.

São Paulo - Jean Paul Jacob, 73 anos, não é um pesquisador qualquer. No Centro IBM de Pesquisas de Almaden, na Califórnia, Estados Unidos, há 47 anos sua especialidade é prever o futuro. Desde 1963, ele já previu o surgimento dos notebooks, das câmeras digitais, o fim dos discos de vinil, o caráter colaborativo da sociedade contemporânea e conceitos como internet das coisas e computação em nuvem. Na década de 1990, antes do lançamento dos e-readers, profetizou o surgimento dos livros digitais, que substituiriam as obras em papel.

A previsão de Jacob - que, apesar do que pode indicar o nome, é brasileiro - parece estar cada vez mais próxima de se concretizar: há duas semanas, a Amazon.com, maior loja virtual de livros do mundo, anunciou que está vendendo mais ebooks do que títulos impressos. O engenheiro, que estará em São Paulo como um dos convidados especiais do Fórum Internacional do Livro Digital, entre os próximos dias 10 e 11, conversou com o site Exame nesta semana. Ele mantém a previsão feita há quase vinte anos e garante: as obras em papel não coexistirão com o mercado editorial eletrônico. "O livro impresso vai para as cucuias", decreta.

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O cientista formou-se em 1959 pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. Foi parar na IBM durante uma missão pessoal: queria percorrer o mundo inteiro em 25 anos. "Passaria um ano em cada país, e comecei pela França, Holanda, Suécia e acabei nos Estados Unidos. Gostei tanto da Califórnia que acabei ficando", conta. Hoje, é pesquisador emérito da empresa, o que, segundo ele, em outras palavras, quer dizer "velho e aposentado".

Algumas previsões de Jacob, como a que envolve os livros digitais, contrariam a de outros futurólogos. Mas ele explica que não diz nada ao acaso. "Já errei algumas vezes e aprendi muito com isso. Refletindo sobre o porquê errei, fui desenvolvendo uma metodologia para fazer meu trabalho ao longo de todos esses anos", garante. Três fatores principais baseiam os cenários futuros projetados pelo engenheiro: "o que está sendo desenvolvido no mundo"; "o que as pessoas querem"; e "quais são os problemas que precisam ser resolvidos".

"Tenho problemas de visão e quando vejo um livro, peço para ele aumentar o tamanho da letra. Não acontece nada no papel. Quando não entendo um termo ou uma expressão ele também não me responde. Queremos interatividade, variar o tamanho dos caracteres, deixar anotações verbais e tudo isso é impossível no livro físico, que chamo de 'tinta sobre árvore morta'", sintetiza o pesquisador. "O livro digital mantém o conteúdo, que é o que importa, e permite todas essas coisas e muito mais. Na internet isso já existe há bastante tempo, só que não é portátil como em um e-reader".

Na conversa que teve com o site Exame, Jacob falou ainda sobre os tablets, carros voadores, videochamadas e as tecnologias que vêm por aí nos próximos anos. Ele disse ainda que tem dificuldade de compreender a mentalidade da geração atual.

Confira nas próximas páginas a íntegra da entrevista


EXAME - Como você começou e qual é o seu trabalho exatamente na IBM?
Jacob - Sou formado em engenharia eletrônica pelo ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], e na época que estudei tive contato com muitos professores estrangeiros. Assim, quando terminei a faculdade, resolvi que iria dar a volta ao mundo em 25 anos. Passaria um ano em cada país. Comecei pela França, Holanda, Suécia e acabei nos Estados Unidos. Gostei tanto da Califórnia que acabei ficando. Mas entrei para a IBM, na Suécia, em 1962. Eu era especialista em programação de computadores analógicos, um dos poucos do mundo, e era o perfil que a IBM buscava. Hoje sou pesquisador emérito da empresa, o que significa "velho e aposentado". Também sou cientista em residência na Universidade da Califórnia em Berkeley. Meu trabalho é fazer previsões de possíveis cenários do futuro. Há 40 anos que vejo 10 anos a frente.

EXAME - Nesse tempo todo, quais foram seus principais erros e acertos?
Jacob - Se é verdade que errando se aprende, posso dizer que aprendi muito com minhas previsões analisando o porquê errei. Assim fui desenvolvendo uma metodologia própria para acertar na projeção de cenários futuros. Um de meus grandes erros foi prever a convergência da TV com o computador. Achava que, em um aeroporto, por exemplo, um computador poderia colocar informações sobre imagens analógicas que dissessem de onde vem um voo, para onde vai, se já está no horário. Meu erro foi não prever que o custo de coisas digitais iria abaixar assustadoramente. Na época não havia terminais coloridos, não existia computação independente. Os terminais funcionavam conectados a um mainframe.
Outro exemplo é de uma previsão que fiz que foi muito mais certa do que errada, mas que é interessante ver o ponto em que errei. Muito antes do primeiro notebook, previ a existência de um computador que seria portátil, dobrável, teria tela de cristal líquido e serviria para comunicação pessoal. Mas imaginei um equipamento com uma fresta pela qual passariam folhas de papel, uma de cada vez, que registrariam os dados. Para mim, os notebooks também teriam uma impressora acoplada. É que eu pensava que a tela dos notebooks não teriam definição suficiente para exibir caracteres.

EXAME - Como é essa metodologia que você desenvolveu para prever o futuro?
Jacob - Trabalho com a convergência de três indicadores. No primeiro deles, analiso o que está sendo desenvolvido no mundo. Passo três horas por dia acompanhando universidades, laboratórios de pesquisa, empresas como a IBM. Hoje, por exemplo, tenho mais de 200 trabalhos em análise, muita coisa sobre carros voadores. Há uma curva de aceitação de tecnologias, que funciona da seguinte maneira: as expectativas começam exageradas e logo caem. Aí vem o processo de amadurecimento que é quando a credibilidade sobe e ela volta a atingir o patamar de estabilidade. Cada tecnologia tem uma velocidade diferente: a dos wikis, por exemplo, foi percorrida rapidamente. Esperava-se muito da Wikipedia, depois disseram que inseririam humor e pornografia, a expectativa caiu, mas hoje os wikis funcionam apesar de todas as malandragens. Com as redes sociais foi a mesma coisa.
O segundo aspecto a ser levado em consideração é procurar o que as pessoas querem. Hoje, se você olhar blogs e wikis, você tem um sentimento do que as pessoas querem. Na IBM, há um programa muito bom chamado "Innovation Jam", que espaços virtuais abertos para que qualquer um possa discutir quais são os anseios e as tendências.
O terceiro fator para se prever as tecnologias do futuro é parecida mas não tem nada a ver com a segunda. É entender quais são os grandes problemas do mundo que estamos tentando resolver. Saúde e educação estão quase sempre nessa análise, são denominadores comuns. Nos Estados Unidos, atualmente, uma área de destaque nesse sentido é a economia. Em geral os problemas do mundo tem uma intersecção com o segundo aspecto analisado, que é o que as pessoas querem. (continua)


EXAME - Olhando a partir de hoje, quais tecnologias se tornarão comuns no futuro?
Jacob - A telemedicina e a biotecnologia são áreas que vejo como essenciais no futuro. Na medicina digital temos muitos progressos a fazer, e o Brasil terá parte nisso. Hoje, a análise do DNA de uma pessoa custa cerca de US$ 10 mil. Se conseguirmos avançar para um mapeamento a um custo razoável, entre US$ 100 e US$ 200, ao invés de dar remédios que curam a doença de uma pessoa, daremos remédios que curarão a pessoa de uma doença. Há uma diferença nisso. Na fórmula levaria-se em consideração a estrutura genética do paciente. Se ela tem alergia, por exemplo, uma análise genética pode revelar antes do quadro se manifestar.
Existe um remédio contra o câncer que funciona apenas em 9% das pessoas. Descobriu-se que isso ocorre porque esse grupo de indivíduos tem um gene em comum. É um indicador de que as pessoas tem sensibilidade para esse medicamento. O conhecimento da estrutura genética de cada paciente facilitará dizer que efeito o remédio terá.

EXAME - A palestra que você dará no Fórum Internacional do Livro Digital tem o nome "O futuro já não é mais o que era". O que quer dizer com isso?
Jacob
- O futuro não é o que era porque antes olhávamos apenas para o mundo físico. O que eu vejo no futuro é uma invasão cada vez maior do mundo digital na realidade. Você viverá em um mundo físico que também terá elementos digitais e você nem se dará conta disso. Antes vivíamos em um mundo físico, nossos vizinhos eram as pessoas que moravam na casa ao lado. Hoje você se corresponde com vizinhos virtuais. Hoje, você vai ao cinema e vê um filme em que um ator parece ter corrido um grande risco para gravar a cena. Mas não foi uma pessoa que correu aquele risco, é uma imagem criada totalmente de maneira digital. É impossível detectar a diferença, e para você não interessa em que cenas é o ator real e quando é a cópia digital dele.
No dia a dia, as coisas, não as pessoas, vão perceber o que estão acontecendo no mundo. Haverá sensores em todo o mundo, sensores de temperatura, de poluição, de intensidade de trânsito, de pressão, de presença CO2 no ar. O futuro não é o que era antes. Agora o futuro depende de como esses mundos vão nos invadir.

EXAME - Você disse há alguns anos que os livros digitais substituiriam o papel. Ainda mantém a previsão?
Jacob - Eu sou diabético, tenho problemas de visão. Quando vejo um livro, peço para ele aumentar o tamanho da letra. Não acontece nada no papel. Quando não entendo um termo ou uma expressão ele também não me responde. Queremos interatividade, variar o tamanho dos caracteres, deixar anotações verbais e tudo isso é impossível no livro físico, que chamo de 'tinta sobre árvore morta'. O livro digital mantém o conteúdo, que é o que importa, e permite todas essas coisas e muito mais. Na internet isso já existe há bastante tempo, só que não é portátil como em um e-reader. Mais para frente, o formato pode mudar, os celulares devem vir com um pequeno projetor que permitirá projetar textos em uma folha de papel ou em uma parede para que várias pessoas leiam.
Isso atende aos critérios que citei de minha metodologia. Vai existir tecnologia? Sim. Livros digitais resolvem algum problema universal? De alguma maneira sim, inclusive na área da saúde. As pessoas vão querer? Sim. Um livro eletrônico permite que você tenha vídeo, e isso ajuda o leitor a entender um conceito.

EXAME - Mas os livros digitais e físicos devem coexistir ou o papel serão completamente substituídos pelos textos eletrônicos?
Jacob - A substituição ainda é gradual, mas não vão coexistir. E antes do livro, o jornal vai desaparecer do papel. Esses dias eu soube que o Jornal do Brasil é um que vai acabar com a versão impressa. O livro impresso vai para as cucuias. O importante não é a tinta sobre a árvore morta, é o conteúdo editorial.

EXAME - E a migração será irreversível? No caso dos discos de vinil, cujo fim você também previu, hoje parece estar havendo algum processo de retorno...
Jacob
- Não, os discos de vinil não estão voltando. Não dá para dizer isso só porque existem alguns saudosistas por aí. Tem gosto para tudo, mas ninguém quer ficar ouvindo música tendo o cuidado de não riscar a gravação com a agulha. Até o CD hoje em dia está sumindo. (continua)


EXAME - E os tablets, como o iPad, da Apple, irão substituir os notebooks?
Jacob
- Sim, mas os próximos anos serão de definição de um formato ideal para um novo iPad. Ele precisa ser algo que possamos levar para qualquer lugar a qualquer hora. O tamanho de um smartphone é muito mais adequado, mas a tela é muito pequena. Talvez com a tecnologia de projeção no celular que falei anteriormente. Tem pesquisadores falando em roupas inteligentes, em suéter com bateria. Minha expectativa é que a tecnologia seja superportátil e invisível. Você não vai precisar carregar coisas, você vai falar e as coisas vão acontecer.
Eu não gosto de carregar muitas coisas, não gosto de ser uma árvore de Natal ambulante, mas por outro lado teria medo de colocar uma lente de contato que projetasse imagens na minha retina ou de inserir um chip no meu corpo. É uma questão de como a juventude vai evoluir.

EXAME - Mais cedo o senhor falou em carros voadores, que sempre foram o sonho dos motoristas. Quando chegará o dia em que essa tecnologia se tornará realmente cotidiana?
Jacob
- Nunca se confiou nos carros voadores porque as pessoas têm medo de que o sistema não seja seguro. Há algumas semanas foi aprovada a fabricação do primeiro carro voador nos Estados Unidos. E o modelo que vai pegar não é um veículo para se dirigir na cidade e sair voando para fugir do congestionamento. Será um carro para sair da cidade, para se deslocar entre um município e outro, para um sítio no campo. Os problemas atuais são diferentes dos de antigamente. Antes a vontade de ter um carro voador era para ir para o trabalho mais rapidamente. Hoje o trabalho vem até você.

EXAME - Outra coisa que já se tentou colocar no mercado várias vezes e que nunca deu certo foram os chamados videofones - telefones que permitem ver o interlocutor durante uma conversa. Agora a Apple lançou um sistema chamado de FaceTime, no iPhone 4, que faz exatamente isso. Agora você acha que pega?
Jacob - Acho que não vai pegar. Já houve uma série de tentativas, inicialmente propondo os videofones como instrumentos sociais. Não deu certo. Aí mudaram o discurso, disseram que serviria para ver aquela pessoa da família que está distante. Eu previ isso. A razão pela qual essa tecnologia não pega é que a maioria das pessoas não quer videochamadas. Quando elas estão conversando no telefone, geralmente estão fazendo outras coisas, e não precisa ser algo pornográfico ou constrangedor, mas elas não querem ser vistas. Ver outra pessoa enquanto fala com ela à distância tem mais desvantagens do que vantagens. Claro que se sua avó ficar doente e você estiver longe é diferente, mas aí existem outras maneiras de se comunicar.

Mas as gerações mais novas pensam de forma bastante diferente das antigas. É a maior dificuldade que tenho para fazer minhas previsões hoje. Tento compensar o segundo item de minha metodologia com o terceiro, ou seja, compenso a falta de compreensão sobre "o que as pessoas querem" procurando entender melhor "quais problemas precisam ser resolvidos". O que descobri é que os jovens de hoje são muito mais orientados à multitarefa, o que eu não sou capaz de fazer nem de compreender. Não consigo entender como eles conseguem fazer três coisas ao mesmo tempo. Não previ que uma pessoa carregaria 200 aplicações diferentes no iPhone. Se eu tivesse um celular, talvez utilizasse no máximo sete aplicativos. Mas previ que o mundo virtual seria colaborativo. Sempre disse que se alguém me forçasse a dizer uma única palavra para descrever o futuro, usaria a palavra colaboração.

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