Eli Pariser: "O primeiro risco do filtro é o de gerar mesmice" (Kris Krug / Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 30 de agosto de 2011 às 11h30.
São Paulo — No dia 4 de dezembro de 2009, o blog do Google publicou um discreto post anunciando mudanças em seu sistema de busca.
O algoritmo PageRank, até então usado para calcular e exibir os resultados mais relevantes de pesquisa, ganhava um companheiro. O Google anunciou um segundo algoritmo. Sua função: personalizar a busca. Assim, o cálculo e a ordem de exibição dos resultados levariam em conta o histórico da atividade do browser do usuário nos últimos 180 dias.
Ou seja, os resultados da pesquisa passariam a ser talhados ao perfil do usuário — ao seu histórico de cliques. Desde então, os resultados saem diferentes de um usuário para outro, mesmo que de forma sutil. O novo algoritmo molda os resultados de acordo com os gostos pessoais de quem está no teclado.
Bem-vindo à internet personalizada. Ou melhor dizendo, à sua internet. Pois ela não é igual à de seu amigo. Queira ou não, a web ganhou um filtro. O seu filtro. “Nós costumamos pensar na rede como uma gigantesca biblioteca, na qual serviços como o Google nos suprem com um mapa universal. Não é mais o caso”, afirma Eli Pariser, cofundador do instituto político antiterrorismo Move On e autor do livro The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You (A Bolha do Filtro: O que a Internet Está Escondendo de Você).
O Google não está sozinho nisso. Facebook, Apple, Microsoft, Yahoo! e Amazon também apostam na personalização — ou customização — da internet. Segundo Pariser, os grandes sites se tornaram máquinas de predição de nossos gostos, de nossos perfis, e, claro, do que gostaríamos de ler, assistir e consumir online.
A fórmula dos gigantes é simples: quanto mais relevante e pessoal for o serviço oferecido, mais anúncios serão vendidos. E os anunciantes, portanto, comercializarão mais produtos.
Relíquia histórica
Para a diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, em poucos anos o site que não for customizado será visto como relíquia histórica. No Facebook, a customização está a cargo do algoritmo EdgeRank. Os jornais The New York Times e Washington Post criaram sistemas de recomendação de artigos aos leitores de acordo com seu perfil, analisado quando o login é feito.
Na Amazon, segundo estudo da consultoria McKinsey, uma média de 30% das vendas da loja provêm do seu sistema de recomendação ao cliente. Na Netflix, locadora de DVDs online dos Estados Unidos, esse porcentual chega a 60%. Trata-se de uma grande ferramenta de negócios, que ajudou a melhorar a experiência de uso em sites como Google e Facebook.
Segundo o engenheiro do Google Jonathan McPhie, o click rate do site aumentou depois da implementação do segundo algoritmo. Mas um porta-voz do Google diz que a palavra filtro é imprópria, pois o site só estaria priorizando os resultados, sem filtrar ou omitir nada. Eli Pariser não concorda. Ele argumenta que, ao personalizar o conteúdo oferecido, os sites estão nos isolando das outras pessoas.
Antigamente — e dezembro de 2009 já é passado longínquo —, estávamos todos em conexão, desfrutando de um conteúdo online comum. A web customizada teve o efeito de isolar o usuário numa bolha. O conteúdo é tão vasto que a própria priorização é uma forma de filtragem. “Cada IP virou uma ferramenta, e depois as ferramentas nos moldam”, diz Pariser, repetindo a frase do teórico da mídia Marshall McLuhan. O primeiro risco do filtro é o de gerar mesmice. É o que o escritor e ativista Pariser chama de “problema do Chipotle”, em alusão à rede mexicana de lanchonetes presente nos Estados Unidos.
Todo mundo curte seus tacos e burritos. “É uma experiência consistente de três a quatro estrelas. Mas não faz ninguém pirar, está longe de ser cinco estrelas”, diz Pariser. Do jeito que os algoritmos de recomendação são desenhados, para dar palpites seguros, é inevitável que mais e mais pessoas recebam recomendações do tipo Chipotle. Está provado que os algoritmos funcionam, nos prevenindo de entrar em roubadas. Mas ao mesmo tempo nos tiram o prazer do novo. O algoritmo evita extremos: o ruim e o excepcional. E também as surpresas, que podem ser boas.
Tempero pessoal
“Porém, o grande risco”, diz Pariser, “é transformar a web numa grande egotrip. Está provado que a mídia tem o efeito de talhar, numa certa medida, a identidade de quem a consome.” No mundo “aberto”, em que as informações fluem livremente, o leitor é desafiado a assimilar informações novas, que questionam suas crenças, propõem coisas diferentes. Com o conteúdo customizado, isso não acontece.
Os sites — conhecendo-nos cada vez melhor — tendem a oferecer uma versão mais palatável da realidade, no tempero certo ao nosso gosto pessoal. Segundo Pariser, isso cria um estranho loop cognitivo, como num balão de rodovia, onde o conteúdo que nos alimenta é o espelho de nós mesmos. Mas ninguém escolhe entrar nessa bolha.
“Na mídia convencional, se você era mais liberal, escolhia o noticiário da CNN. Se era mais conservador, colocava na Fox News. Mas a decisão era sua. Com a informação filtrada, você se torna inconsciente do processo. A escolha é feita em seu nome”, diz Pariser. O problema é que a personalização veio para ficar. “O gênio não volta mais para a garrafa”, diz Pariser. “Mas você deveria ter a opção de entrar ou não nessa bolha.”