Mario Luiz Lorencatto, presidente da Coruripe: proteção à biodiversidade e esforço para ampliar a ecoeficiência das operações (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 22 de novembro de 2018 às 05h36.
Última atualização em 23 de novembro de 2018 às 13h30.
Alto, forte, melodioso. Assim é o canto do bicudo, um dos pássaros de gaiola mais cobiçados no Brasil. A popularidade, no entanto, causou seu rápido declínio na natureza. Após anos na mira de caçadores, já não existem exemplares da ave em vida livre. Entre as espécies do Cerrado, é uma das poucas consideradas criticamente ameaçadas de extinção. Para mudar esse cenário, a Usina Coruripe iniciou um projeto inédito de reintrodução do bicudo na natureza.
Desde 2004, a empresa — uma das maiores produtoras de açúcar e álcool do país — mantém uma área de preservação ambiental, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Porto Cajueiro. A área de 9.000 hectares no norte de Minas Gerais integra o bioma do Cerrado. Mais recentemente, em conversas com moradores da região, descobriu-se que o bicudo era comum até a década de 80. Mas buscas realizadas em 2015 e 2016 não encontraram nenhum exemplar. A equipe da Coruripe entrou em contato com Luís Fábio Silveira, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) especialista nessa espécie de ave e dono de alguns exemplares protegidos.
A primeira etapa do projeto foi a triagem e a sexagem. Em meados de 2018 foi feita a aclimatação, para que os bicudos acostumados ao clima paulistano se sentissem em casa no Cerrado. O início da soltura está previsto para o final deste ano, período reprodutivo da ave e época chuvosa, quando há menos risco de queimadas. O projeto está sendo acompanhado também por pesquisadores da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), além da USP. Segundo Bertholdino Teixeira Junior, gerente de sustentabilidade da Coruripe, o projeto deve resultar num protocolo que pode servir de modelo para soltar outros pássaros ameaçados.
Em paralelo, a Coruripe está patrocinando um trabalho de conscientização junto com a ONG Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá) para evitar a captura dos animais. O incentivo contrário é forte: cada exemplar de bicudo pode valer 50.000 dólares.
Com unidades localizadas em Alagoas e Minas Gerais, a Coruripe tem mais de 17.000 hectares de terras em reservas ambientais. Ao mesmo tempo, a companhia vem investindo na ecoeficiência de sua operação. A energia que abastece as unidades, por exemplo, vem de fontes renováveis — sobretudo com a queima do bagaço de cana, subproduto do processo produtivo. “A empresa tem um empenho histórico em usar os recursos naturais de forma sustentável”, diz Mario Luiz Lorencatto, presidente da Coruripe.
Como a Amaggi vem reestruturando a estratégia de sustentabilidade para considerar e medir o progresso de seu impacto social ao longo da cadeia — sem deixar de lado o avanço no aspecto ambiental | Marcela Bourroul
Em 2017, a Amaggi, maior empresa nacional de comercialização de grãos, transformou seu sistema de gestão ambiental em gestão socioambiental. Por trás da simples troca de palavras está uma grande mudança de posicionamento. “Passamos a olhar não só nossas operações mas toda a cadeia de valores, focando o aspecto social também”, afirma Juliana Lopes, diretora de sustentabilidade da Amaggi.
Para chegar à nova abordagem, a Amaggi fez um mapeamento de seu impacto social com diferentes stakeholders. Primeiramente foram consultados clientes, fornecedores e sociedade civil. Depois vieram as pesquisas de campo. Por fim, houve o cruzamento das conclusões com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e as iniciativas socioambientais já em andamento.
Entre as iniciativas criadas ou modificadas a partir desse desejo de impactar toda a cadeia de valores está o reforço do programa Na Mão Certa, realizado em parceria com a ONG Childhood Brasil. Seu propósito era combater a exploração sexual de crianças e adolescentes apenas nas rodovias. Mas boa parte de seu fluxo logístico era feito por navegação, e os executivos decidiram ampliar o programa. Assim, o programa passou a ser direcionado também à população ribeirinha. Um acordo com a Childhood garantiu a ampliação do trabalho para trechos hidroviários.
Já no município de Querência, em Mato Grosso, onde estão localizados um escritório e uma fazenda da Amaggi, o foco foi a agricultura familiar. Na região, há diversas áreas de assentamento não regularizadas. Os produtores estabelecidos ali não conseguem fornecer para grandes empresas porque não têm a documentação necessária. Ao mesmo tempo, há demanda de produtos como verduras e legumes para o abastecimento. Diante dessa realidade, a Amaggi se articulou com órgãos públicos e ONGs para apoiar a regularização. A expectativa é que nos próximos anos a discussão avance e transforme as famílias em fornecedores oficiais.
No aspecto ambiental também houve avanços. Em 2017, a Amaggi aperfeiçoou seu inventário de gases causadores do efeito estufa, o qual passou a abranger todas as operações do grupo e deverá incluir metas de redução a ser estipuladas até 2025. A companhia também se manteve firme na política de rastreamento da origem dos grãos, para evitar produtores que desmatem ilegalmente. Como resultado da política, a companhia teve 44 contratos de compra vetados pela área de sustentabilidade no ano passado, após a identificação de riscos relacionados aos critérios socioambientais adotados.
A Bunge tem se esforçado para ampliar os incentivos econômicos para o combate ao desmatamento no Cerrado, uma das áreas de maior expansão do agronegócio no país nos últimos anos | Marcela Bourroul
À medida que seus fornecedores avançam no Cerrado, a Bunge está trabalhando cada vez mais perto dos produtores rurais. Neste ano, a empresa lançou uma linha de crédito para quem produz na região com a condição de direcionar a expansão do plantio da soja para áreas já degradadas. A iniciativa é uma parceria com o banco Santander e com a ONG The Nature Conservancy. O objetivo é oferecer empréstimos de longo prazo, que diferem dos já disponíveis para esse público. De acordo com Martus Tavares, vice-presidente de assuntos governamentais e sustentabilidade da Bunge, a maioria dos empréstimos disponíveis é inferior a um ano — só para financiar os custos anuais da safra. A proposta agora é ter prazos de até dez anos, já que os investimentos em aquisição e preparação desse tipo de terreno têm retorno no longo prazo.
A conclusão de que havia várias áreas já abertas no Cerrado aptas para agricultura veio de outra iniciativa da empresa. Os dados vieram da ferramenta Agroideal.org, desenvolvida pela Bunge com a TNC e a Moore Foundation, que auxilia na identificação de áreas com riscos socioambientais. Segundo a empresa, a linha de crédito despertou bastante interesse dos produtores e o time está escolhendo quem receberá o dinheiro. O programa é um piloto, com cerca de 50 milhões de dólares disponíveis. A expectativa é aumentar a oferta se for comprovado que ele é, além de financeiramente viável, um estímulo eficaz para a expansão sustentável da soja.
Outra iniciativa da Bunge com os produtores nos últimos anos é o incentivo ao Cadastro Ambiental Rural. O CAR é um registro eletrônico, obrigatório para todos os imóveis rurais, e a melhor forma de identificar uma área e suas demarcações. Essa base de dados deve contribuir para o planejamento ambiental e econômico das propriedades, assim como para o combate ao desmatamento. O departamento comercial da Bunge está envolvido no recolhimento de CARs dos produtores que vendem ou pretendem vender para a empresa no Cerrado. O objetivo é direcionar as compras para áreas regulares. “A qualidade do relacionamento com nossos fornecedores tem garantido o sucesso na obtenção desse documento”, diz Tavares.
A informação se soma a outros dados, como a lista do Ibama para terras embargadas e a lista do Ministério do Trabalho para trabalho escravo. Em maio, o Ibama multou grandes tradings de grãos, entre elas a Bunge, pela compra de soja proveniente de áreas embargadas por desmatamento ilegal no Matopiba, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A empresa contestou as alegações do órgão e recorreu da decisão.
A Cargill se articulou com várias organizações para mapear e proteger o Cerrado, um dos biomas mais ameaçados numa das áreas com maior expansão do agronegócio no país | Marcela Bourrol
O desmatamento é um problema que precisa ser enfrentado em cada região, considerando suas peculiaridades, o contexto e os atores envolvidos. Foi com essa certeza que a Cargill, uma das maiores empresas de agronegócio do país, decidiu participar da fundação do Grupo de Trabalho do Cerrado. Formado por representantes da indústria, de ONGs e do governo, o grupo nasceu para discutir a cadeia da soja nesse bioma.
A preocupação com o Cerrado surgiu nas discussões do grupo da Moratória da Soja para a Amazônia. A Cargill sabia que, sozinha, não seria capaz de resolver o problema, então se esforçou para juntar os envolvidos. Em 2017, as reuniões sobre o Cerrado passaram a ocorrer separadamente, uma vez por mês. No início de 2018, um moderador profissional foi contratado para ajudar a criar um documento de consenso entre as empresas, como a Cargill, e as ONGs.- O esforço deu origem à definição de um objetivo: eliminar, no menor prazo possível, o desmatamento no bioma, conciliando a produção com aspectos ambientais, econômicos e sociais.
O grupo atualizou sua base de dados sobre as plantações de soja no Cerrado, já que os mais recentes haviam sido coletados em 2014. O mapea-mento mostrou que a expansão da sojicultura entre 2014 e 2017 foi de 1,4 milhão de hectares. Desses, 201.000 se deram em área de vegetação nativa. No total, a soja foi responsável por 4% do desmatamento do Cerrado. Especificamente no Matopiba, nova fronteira agrícola entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, a commodity motivou 8,8% da retirada de vegetação. A responsabilidade pelos outros 90% não é clara, já que o estudo focou as áreas com soja.
A segunda conclusão foi que, em várias fazendas de soja, há excedente de vegetação nativa em relação à exigência do Código Florestal. Assim, a segunda frente de trabalho do GTC, de Incentivos, começou a estruturar um fundo que compense os produtores por esse excedente — ou seja, pagar para que ele mantenha essa vegetação intacta. O GTC espera que em 2019 o fundo comece a sair do papel. “Precisamos da adesão de todas as partes interessadas, para um processo efetivo de planejamento do uso da terra”, diz o presidente da Cargill, Luiz Pretti. “Somente assim será possível criar condições para eliminar o desmatamento de forma econômica, social e ambientalmente viável.”
Em maio, o Ibama multou grandes tradings de grãos, entre elas a Cargill, pela compra de soja proveniente de áreas embargadas por desmatamento ilegal na região do Matopiba, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A empresa contestou as alegações do órgão e recorreu da decisão.
A Raízen engaja fornecedores em práticas sociais e ambientais e utiliza software para filtrar investimentos em projetos de impacto social mais aderentes ao negócio | Ursula Alonso Manso
Líder na produção de açúcar, etanol e bioenergia no país, a Raízen criou, em 2014, o programa Elo. O objetivo é promover as melhores práticas de sustentabilidade entre seus mais de 2.000 fornecedores, responsáveis por cerca de metade do volume de cana-de-açúcar moído pela empresa. Baseado em três pilares — social, econômico e ambiental —, o programa conta com a parceria do Imaflora e da organização internacional Solidaridad. O escopo inclui a verificação de melhoria em aspectos tão amplos quanto jornada de trabalho, segurança no uso de agroquímicos, condições de remuneração, alojamento e transporte, acordos de arrendamento e controle biológico de pragas.
Dos resultados apurados em 2017, constatou-se que 28% dos fornecedores adotaram medidas para a conservação da água e 21% investiram em estruturas de atendimento ao trabalhador, como áreas de vivência para descanso e refeições. O reflexo indireto está no ganho de produtividade. A cada ano, a Raízen investe 4,5 milhões de reais no Elo. “Sustentabilidade é uma alavanca de performance”, afirma Luis Henrique Guimarães, presidente da Raízen.
A companhia também monitora o uso da terra por meio de imagens de satélite, o que garante a não conversão de vegetação nativa ou de áreas protegidas em plantações de cana-de-açúcar, e lança mão de drones para acompanhar desde o preparo do solo até a colheita da cana. Hoje, 98% da colheita é mecanizada. Os 2% restantes referem-se ao plantio em terrenos acidentados, inviável para o uso de máquinas. Com 26 unidades, a empresa produz 97% da energia que consome. Boa parte vem de seus próprios subprodutos. Além de utilizar o bagaço e a palha da cana para geração de energia elétrica, a companhia aposta nos resíduos da produção de etanol como matéria-prima para fertilizantes naturais aplicados no campo.
Já no âmbito social a Raízen percebeu que, apesar de desenvolver diversas iniciativas, havia pouca aderência das ações ao negócio. Para resolver o problema, implantou, em 2016, um software para pontuar e elencar os projetos conforme suas premissas estratégicas, analisando os benefícios do investimento e seus impactos nas comunidades do entorno de suas operações. Na sequência, os projetos passam por um comitê multidisciplinar interno. Em 2017, foram submetidos 1 248 projetos na plataforma e aportados mais de 23 milhões de reais em 124 iniciativas. Nesse mesmo ano, metade dos recursos aportados pela Raízen tinha vínculo direto com os objetivos estratégicos de transformação social da companhia — um percentual que subiu para 70% em 2018.