Revista Exame

Um poço de esperança verde com gás de xisto

À medida que a exploração do gás de xisto se espalha pelo mundo, cresce a expectativa de que a emissão de CO2 caia nas próximas décadas. Mas, para que isso aconteça, primeiro é preciso eliminar os riscos ambientais da extração

Protesto no Reino Unido: apesar da gritaria nas ruas, o Parlamento deu permissão para a exploração dos poços de gás (Justin Tallis/AFP Photo)

Protesto no Reino Unido: apesar da gritaria nas ruas, o Parlamento deu permissão para a exploração dos poços de gás (Justin Tallis/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 22 de junho de 2013 às 19h47.

São Paulo - No começo dos anos 70, um grupo de notáveis encomendou um estudo sobre o futuro da humanidade para uma equipe de pesquisadores do renomado Massachusetts Institute of Technology. O resultado foi publicado em forma de livro em 1972 com o título Os Limites do Crescimento, cuja ideia central era que em pouco tempo a humanidade iria esgotar vários recursos naturais. O ouro iria acabar em 1981, a prata e o mercúrio em 1985, o petróleo em 1992 e o gás natural um ano depois.

Aos olhos de hoje, tudo isso parece piada. Nas últimas quatro décadas, o homem abriu novas fronteiras, desenvolveu tecnologias, cavou mais fundo e conseguiu aumentar as reservas desses e de outros recursos naturais.

A questão central hoje e no futuro próximo não é a escassez, mas o aquecimento global e a poluição. Nenhum outro recurso exemplifica isso melhor do que o gás natural. Sua produção subiu 20% desde 1981 e, a contar pelos cálculos mais otimistas, esse é só o começo.

Em cerca de 25 anos, a demanda global de gás deverá aumentar mais de 50%, um crescimento equivalente à elevação do consumo de carvão, petróleo e energia nuclear.­ Por isso, o gás tem sido repetidamente apontado como parte da solução do problema ambiental do planeta.

Confirmada a projeção mais otimista da Agência Internacional de Energia, mais conhecida pela sigla em inglês IEA, o gás natural passará da terceira para a segunda posição no ranking das fontes de energia mais importantes do mundo, deixando o carvão para trás, uma ultrapassagem com forte impacto ambiental.

inda que ambos sejam combustíveis fósseis, o gás natural é bem menos poluente. Ao ser queimado, emite, em média, metade do CO2 e menos de um terço do óxido de nitrogênio, gases que contribuem para o temido efeito estufa.

É por causa dessas previsões que cada vez mais se diz que estamos entrando na era do gás natural. Embora o uso mais intensivo desse recurso não vá resolver sozinho o problema do aquecimento global, o aumento do consumo é uma perspectiva positiva para uma questão sempre órfã de boas notícias.

Em meados de maio, foi anunciado que a presença de CO2 na atmosfera chegou a 400 partes por milhão de moléculas, uma marca que a Terra não atingia há, pelo menos, 3 milhões de anos.

Segundo a IEA, as emissões de CO2 dos Estados Unidos, país que lidera a revolução energética do gás, deverão cair 14% até 2035, no melhor cenário — sempre com a premissa de que o gás se consolide nos próximos anos. O desafio, agora, é fazer com que outros países sigam o exemplo americano.

“O que vimos nos últimos anos nos Estados Unidos foi o crescimento tanto da produção de gás como de fontes renováveis de energia, ambas em detrimento do uso do carvão”, diz Tim Gould, analista sênior da IEA. “Mas não está claro como outros países responderão ao desafio do aumento da demanda por energia.” 

Um dos principais responsáveis pelas previsões de mudanças na matriz energética nas próximas décadas é o gás de xisto. Diferentemente do gás convencional, de fácil extração, o de xisto está preso à rocha.

Sua retirada de­pende­ de um processo chamado fraturamento hidráulico, no qual grande quantidade de água misturada com areia e outras substâncias, algumas delas tóxicas, é injetada sob alta pressão em poços abertos nas camadas profundas da formação rochosa, provocando rachaduras, através das quais petróleo e gás escapam para o poço.


Assim como o Oriente Médio virou sinônimo de petróleo, os Estados Unidos são a meca do gás de xisto. É lá que estão concentrados 98% da produção mundial e as empresas donas das tecnologias mais avançadas para a extração — em termos de reservas, a China está à frente. Para os analistas do setor, o que acontece no mercado americano hoje é uma espécie de trailer do que está por vir em escala global. 

O gás e a água na balança

Um dos grandes problemas da produção do gás de xisto é o uso de grandes reservas de água. Segundo um estudo elaborado pela organização não governamental americana Ceres, que reúne investidores e ambientalistas, quase metade dos poços de exploração nos Estados Unidos se concentra em áreas com pouca disponibilidade de água, onde 80% do recurso disponível está comprometido com o abastecimento da população, da indústria e da agricultura.

No estado do Colorado, por exemplo, 92% dos quase 4 000 poços estão localizados em regiões com esse perfil. O levantamento mostra que a produção nos 25 000 poços monitorados no país consumiu 250 bilhões de litros de água de janeiro de 2011 a setembro de 2012, o suficiente para suprir a demanda de 2,5 milhões de americanos durante um ano. 

Num clássico exemplo da lei da oferta e da procura, a produção de gás acelerou a competição pela água. Em estados como Colorado e Dakota do Norte, associações empresariais chegaram a firmar acordos em que se comprometem a pagar mais pela água, cada vez mais escassa, e, assim, garantir a disponibilidade do insumo necessário para ter o gás.

Na China, onde a petroleira Shell já explora as reservas de xisto, essa questão também é um desafio. “A busca por energia agravará a situação das cidades chinesas, desesperadas por água limpa”, diz Judith Shapiro, diretora do Programa de Recursos Naturais e Desenvolvimento Sustentável da American University, em Washington, e especialista em recursos naturais chineses. 

O debate sobre os efeitos colaterais da exploração do gás de xisto é prejudicado pelo que os ambientalistas chamam de falta de transparência das petroleiras. Nos Estados Unidos, 18 estados forçam as petroleiras a discriminar os produtos químicos usados na extração do gás, mas apenas 11 tornam os dados públicos. As dúvidas sobre esses componentes aumentam o medo de contaminação das regiões próximas aos poços e dos lençóis freá­ticos.

Da mistura de água, areia e químicos injetada na rocha, algo entre 20% e 40% permanece no subsolo. Também existe o temor de que os poços deixem escapar metano, um dos gases do efeito estufa. É por esses motivos que  a exploração do gás de xisto ainda é proibida em países como França e Holanda, e no estado de Nova York.

“É preciso transparência nas empresas e que se monte um marco regulatório sólido”, afirma Alan Riley, professor de direito da City University, de Londres. “Só assim um grande número de países entrará na corrida pelo xisto.” 

As petroleiras acham essa conversa toda exagerada. “Limpamos e reutilizamos a água usada na exploração do gás de xisto sempre que isso é viável e recorremos a lagos de retenção de água da chuva para minimizar a quantidade de água retirada do lençol freático. Também fazemos estudos ambientais para mensurar a presença de espécies em risco, a drenagem do solo e a qualidade do ar”, diz Robert Turnham, presidente da Good­rich Petroleum, companhia americana que explora fontes não convencionais de petróleo e gás nos Estados Unidos.


O britânico John Mitchell, ex-consultor da British Petroleum e hoje pesquisador no Royal Institute for International Affairs, centro de estudos com sede em Londres, diz que a tecnologia para a extração do gás não convencional tem se aperfeiçoado e que a falta de confiança no processo tende a se dissipar.

Para Mitchell, há melhorias na escolha dos locais dos poços, na velocidade de perfuração, na quantidade de água utilizada, nos materiais usados para fraturar a rocha e no grau de proteção do ambiente. “O ponto principal é que esses problemas estão recebendo cada vez mais atenção. Não há nenhuma razão para acreditar que ficarão sem solução”, diz.

É sintomático que em abril um comitê do Parlamento britânico tenha dado o sinal verde para a exploração do gás de xisto no país e um grupo de renomados ambientalistas tenha escrito uma carta de apoio.

Enquanto isso, no Brasil

A Agência Nacional do Petróleo ainda não definiu as regras para a exploração do gás de xisto no país, mas já determinou que, no final de outubro, haverá um leilão para decidir quem fará as primeiras experiências em fraturamento hidráulico por aqui.

“Com o que se conhece do potencial brasileiro hoje, dá para dizer que o governo vai leiloar o filé-mignon do nosso gás de xisto neste ano”, diz Alexandre Szklo, professor de planejamento energético da Coppe, centro de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

As regiões que devem ser ofertadas estão nas bacias geológicas do Paraná (de Mato Grosso ao Rio Grande do Sul), Parecis (Mato Grosso), São Francisco (Minas Gerais, Goiás, Bahia e Tocantins), Recôncavo Baiano e Acre.

Segundo estimativas da agência de energia dos Estados Unidos, o Brasil está em décimo lugar numa lista de 12 países com maior potencial para exploração. O governo brasileiro não confirma as projeções americanas porque considera que as pesquisas realizadas até agora foram insuficientes para medir as reservas.

Segundo fontes do governo, a técnica que será usada no país­ para extrair gás de xisto não preocupa, pois empresas que atuam no país, como a Shell, dominam o processo do fraturamento hidráulico.

Em nota enviada a EXAME, a Petrobras diz que “tem interesse na atividade exploratória em terra e espera participar, de forma muito seletiva, do leilão em outubro”. A companhia, segue a nota, “vem estudando uma das bacias sedimentares brasileiras onshore, muito intensamente, há três anos”.

Ainda é prematuro dizer se o Brasil e os demais países vão ou não conseguir replicar o sucesso americano. Em pouco mais de duas décadas, os Estados Unidos aumentaram em mais de 100 vezes  sua produção de gás de xisto. Com isso, o país reduziu suas importações do recurso, fez renascer segmentos da indústria, como o petroquímico, e trocou o carvão pelo gás em várias termelétricas.

Toda essa transformação, aliada à crise econômica dos últimos anos, que desincentivou o uso de automóveis, fez com que as emissões de CO2 dos Estados Unidos sofressem uma redução nos últimos anos. Num mundo sempre faminto por energia, será preciso fazer muito mais para evitar o aquecimento global. Mas é indiscutível que o gás pode dar um empurrão à causa verde.

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