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Um caminho com menos espinhos

Líder de um setor impopular, a Golden Cross tenta transformar-se em seguradora. Mas há desafios pela frente

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h27.

Analise o perfil da seguinte empresa antes de responder a uma pergunta. Faturamento: 2 bilhões de dólares por ano. Carteira de clientes: 2,5 milhões. Posição no mercado: primeira, com 10%, numa área altamente pulverizada. Nome: Golden Cross. Agora a pergunta: você mudaria os rumos dessa companhia se fosse seu dono? Pois a Golden Cross, com sede no Rio de Janeiro e número 1 no setor de planos de saúde no Brasil, está fazendo justamente isso. A partir deste mês, começa a se transformar, de vez, em seguradora. Sua atuação nesse setor começou em 1990, mas até hoje os seguros tinham uma posição secundária no portfólio do grupo. Agora, no momento em que comemora seu 25o aniversário, a empresa quer transformá-los em sua maior fonte de dinheiro.

Sua carteira de produtos, doravante, incluirá não somente seguros saúde, alicerce sobre o qual a Golden Cross nasceu e cresceu. A oferta também estende-se para ramos novos, como automóveis e riscos industriais, entre outros. "Vamos chegar ao terceiro lugar do ranking em três anos", afirma Luiz Lucena, o executivo que vai comandar a mudança. Aos 47 anos, engenheiro químico, Lucena foi recrutado na Interamericana, em fevereiro, para presidir a Golden Cross Seguradora.

Com a mudança, a Golden Cross quer se distanciar do desgaste e da instabilidade provocados pela crescente impopularidade do setor de planos de saúde. Não são problemas recentes, diga-se. Eles fazem parte do dia-a-dia da empresa, desde sua fundação, em 1971. Na ocasião, o advogado Milton Soldani Afonso, então com 49 anos, deixou seu emprego no Hospital Silvestre, no Rio de Janeiro, e abriu um pequeno escritório para vender planos de assistência médica, o embrião da Golden Cross. Desde então, a empresa não parou de crescer. Mas também nunca deixou de conviver com os espinhos inerentes a uma atividade com alto teor de combustão emocional, social e política.

Um deles é o periódico conflito, com usuários e autoridades, sobre o reajuste das prestações dos planos de assistência medica e hospitalar. Como maior empresa do setor, a Golden Cross tornou-se também a mais visada do mercado e campeã de queixas em entidades como o Procon. É obrigada a manter equipes inteiras de especialistas, trabalhando em tempo integral, para defender-se de todo o tipo de fraudes nos reembolsos de faturas médicas. Para ter o pulso permanente dos custos de cirurgias, internações e demais atividades hospitalares, investiu em hospitais próprios. Além disso, sofre constantes críticas por ser registrada não como empresa, mas como entidade sem fins lucrativos - o que lhe isenta do pagamento de impostos. O remédio prescrito pelos executivos da Golden Cross é sua transformação em seguradora.

Desse ponto de vista, a posição da empresa será mais cômoda. Com suas planilhas aprovadas pela Susep, a agência governamental que regula a área de seguros em geral, as seguradoras têm obtido reajustes de preços sem maiores traumas. "O mercado segurador tem mais tradição do que o de saúde, que ainda é muito novo e pouco conhecido no país", afirma Sérgio Azevedo, superintendente da Golden Cross. Essa é a parte boa. Há um outro lado, recheado de dificuldades. Primeira: como seguradora, a Golden Cross terá de manter reservas técnicas e apresentar balanços auditados. Também passará a prestar contas ao Leão. A direção da empresa acha que, feitas todas as somas e subtrações, o novo desenho compensa. "Acreditamos que, em pouco tempo, outras empresas vão tomar o mesmo caminho", diz Lucena.

Não parece haver consenso quanto a isso no setor. "Não temos a mínima intenção de seguir por esse caminho", diz Antônio Jorge Kropf, diretor técnico da Amil, outro protagonista na área de planos de saúde. Em sua opinião, a legislação para seguros de saúde no Brasil é muito restritiva. Como seguradora, a Amil não teria tanta flexibilidade para lançar produtos, como resgate médico por helicóptero e compra de medicamentos com desconto.

Segunda dificuldade: a diversificação. "É loucura entrar, ao mesmo tempo, em tantos ramos, sem ter tradição", diz um executivo do mercado segurador. Para Lucena, não há outra alternativa. "Nenhuma seguradora é líder sem estar em todos os tipos de seguros", diz. A Golden Cross Seguradora foi criada em 1990 para iniciar a venda de seguros saúde. Hoje é a oitava do ranking da Fenaseg. Em sua carteira estão 35% dos clientes da Golden Cross. A idéia de Lucena é ter 70% dos atuais clientes como segurados até 1997.

Em três anos, pelo planejamento de Lucena, a Golden Cross Seguradora acumularia prêmios de 1,5 bilhão de dólares. Essa larga base de faturamento a levaria aos primeiros postos do mercado, hoje dominado pela Sul América. Trata-se de um negócio em franca expansão desde o Plano Real. Em 1993, as apólices movimentavam 6 bilhões de dólares, pouco menos de 1% do PIB. No ano passado, chegaram a 14 bilhões de dólares, ou 2,6% do PIB. E um dos ramos mais promissores é justamente o de vida e saúde, que apresentou um crescimento real de 55%. "O potencial do mercado brasileiro está atraindo os grandes grupos internacionais", afirma João César Lima, sócio da Price Waterhouse. "Só haverá espaço para as muito grandes ou para pequenas companhias operando em nichos."

A Golden Cross quer estar nesse primeiro grupo. Seu trunfo é a grande rede de vendas: 47 filiais e 23 agências espalhadas pelo país, fora os corretores independentes. "A Golden é uma companhia de vendas, que pode ser adaptada para oferecer novos produtos", diz Lucena. O presidente da Golden Cross Seguradora, um carioca que costuma pedalar pela orla do Rio de Janeiro nos fins de semana e desfila pela Portela no Carnaval, será o principal articulador da mudança. Casado pela segunda vez e pai de quatro filhos, ele já definiu os primeiros passos da transformação que pretende imprimir à empresa. Em julho, foi criado um plano de previdência privada e, até o fim do ano, serão lançadas apólices de incêndio e acidentes pessoais. A partir de dezembro, os associados dos planos de saúde serão consultados sobre o interesse de trocar seu contrato por uma apólice. A criação de planos de capitalização também está em pauta.

A Golden Cross, porém, não abandonará os planos de assistência médica e hospitalar. Nem deixará, segundo Lucena, de exercer atividades filantrópicas, um vetor importante nas atividades da empresa. Em 1995, de acordo com dados da empresa, 130 milhões de dólares foram empregados em obras sociais, como manutenção de orfanatos e atendimentos médicos gratuitos. A filantropia é um dos componentes da peculiar cultura da Golden Cross, uma empresa onde negócios e religião andam juntos. Os Afonso, que detém o controle acionário, são fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Todas as sextas-feiras, o expediente é encerrado às 16 horas e 30 minutos, meia hora antes do normal. Assim, os funcionários podem participar de cultos realizados nos templos da igreja nos finais de tarde daquele dia.

ASSESSOR ESPIRITUAL - Na sede, no bairro do Maracanã, na zona norte do Rio de Janeiro, existe um pastor contratado como assessor espiritual. Ele comanda as orações antes do almoço no restaurante da diretoria, além de atender funcionários com problemas. Embora haja muitos adventistas em seu quadro de pessoal, não há restrições à contratação de adeptos de outras religiões. O próprio Lucena, por exemplo, é católico. A cúpula da empresa, contudo, é dominada pelos Afonso. Paulo, 33 anos, é filho do fundador e recebeu a presidência em 1991, quando Milton Afonso, hoje com 74 anos, retirou-se do dia-a-dia. Seus irmãos Carlos e Neide são vice-presidentes, assim como Alberto Bulus, seu cunhado.

O grande desafio da Golden Cross será manter essa dedicação à filantropia, sem desfrutar a vantagem, a isenção de impostos. "Teremos de ser competitivos para compensar a diferença", diz Azevedo. Com esse objetivo, a empresa vem mexendo em sua estrutura desde 1993. O número de funcionários caiu de 17 500 para 16 000. Houve também renovação de pessoal. No total, 2 500 pessoas saíram e outras 1 000 foram contratados. A centralização das operações no edifício do Maracanã, antes espalhadas por dez edifícios, agilizou a as decisões na empresa. A Golden Cross adotou programas de qualidade para melhorar seu desempenho. Com isso, em um ano, conseguiu uma economia de 6 milhões de dólares. Não é muito dinheiro quando se pensa em um negócio de bilhões de dólares. Mas é o começo da adaptação aos novos tempos.

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