Federico Vega: criação de startup após rodar de bicicleta pelo país | Alexandre Battibugli /
Thiago Lavado
Publicado em 10 de maio de 2018 às 05h38.
Última atualização em 10 de maio de 2018 às 20h28.
O argentino Federico Vega ainda era um recém-formado em economia quando, aos 29 anos, aventurou-se em uma viagem de bicicleta em estradas brasileiras em 2011. Durante a jornada, descobriu os perrengues pelos quais passam os caminhoneiros num país em que o transporte de cargas é feito, majoritariamente, por rodovias precárias. Os problemas observados iam da falta de estrutura de paradas para os motoristas, passando pela insegurança, às viagens sem carga — comuns no trajeto entre cidades do interior e centros urbanos.
Vega não parou por aqui, seguiu com a bicicleta na bagagem para a Espanha e depois para a Inglaterra, onde se pós-graduou na Universidade de Southampton e conseguiu um emprego no banco de investimento JP Morgan. Até que, em 2013, vieram o desejo de ter o próprio negócio e a lembrança das ineficiências do transporte de cargas no Brasil.
Vega pediu demissão, mudou para cá e fundou uma startup para atuar numa brecha oferecida pela logística no país. A Cargo X liga motoristas de caminhões autônomos a companhias que precisam transportar cargas, funcionando como uma espécie de Uber para mercadorias. Segundo o empreendedor, durante suas viagens, a ideia do negócio surgiu ao perceber que havia transportadoras demais e muitos caminhões voltavam vazios das entregas. A parcela de veículos rodando sem carga chega a 43%, num país em que quase 80% dos serviços de transporte utilizados são rodoviários. “O intuito foi pegar um setor ineficiente e torná-lo mais eficiente com o uso da tecnologia correta”, diz Vega. A solução combina machine learning, o passo inicial da inteligência artificial, com análise de dados, num modelo similar ao que já era utilizado pelas empresas de transporte de passageiros.
A startup cobra das empresas donas das cargas pelo transporte e faz o repasse para os caminhoneiros, adiantando pagamentos. Nessa transação, uma taxa é cobrada do motorista pela utilização da plataforma. A Cargo X também faz o seguro das cargas e permite o rastreamento em tempo real do caminhão. Seu faturamento no ano passado foi de 150 milhões de reais, o triplo de 2016 — nada mal considerando que Vega de início ouviu “nãos” seguidos de investidores, que argumentavam que o setor era difícil, principalmente para um estrangeiro, e que o momento de crise não favorecia a entrada no mercado. Atualmente, a Cargo X conta com 250.000 caminhoneiros cadastrados, dos quais cerca de 7.000 são ativos na plataforma. A empresa checa os motoristas a cada seis meses e afirma ter um processo seletivo para empregar apenas os mais qualificados.
“É da tecnologia que devemos esperar mais avanços no sistema logístico”, afirma o professor Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Supply Chain da Fundação Dom Cabral. Isso se dá, segundo ele, pelo fato de tanto a infraestrutura quanto a legislação demorarem mais para apresentar resultados. Segundo dados do Anuário da Confederação Nacional do Transporte, somente 12% da malha rodoviária brasileira é pavimentada e, desse total, apenas 5,3% são estradas de pista dupla.
Em comparação com outros países, o México tem 36% de pavimentação nas estradas, a China tem 79% e os Estados Unidos 67%. O Fórum Econômico Mundial classifica o Brasil em 72o lugar num ranking de qualidade da infraestrutura num total de 138 países. “Essas são condições que não se transformam num mandato de quatro anos. É preciso um planejamento de longo prazo que não pode ser submetido a trocas de administração”, afirma Resende. “Alemanha e Estados Unidos trabalham na construção de uma malha de rodovias há 50 anos, a China tem perspectivas semelhantes.”
Segundo Vega, o intuito da Cargo X, no entanto, não é diminuir os custos de logística no Brasil, mas aumentar a qualidade do transporte e garantir prazos de entrega. Mas os problemas nacionais de infraestrutura podem pesar para uma empresa de base tecnológica, como a Cargo X; afinal, os caminhões precisam circular pelas estradas reais do país, e não no mundo de bits e bytes. “Há poucos provedores de tecnologia nessa área e os problemas, como o roubo de cargas, dificultam a atuação”, afirma Gastão Mattos, diretor da consultoria GMattos, especializada em negócios digitais e e-commerce.
Dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro mostram que, no estado, o número de roubo de cargas nos três primeiros meses de 2018 chegou a 2 636 ocorrências, um aumento de 37% em relação ao primeiro trimestre de 2017. “Como entregar uma carga de cerveja no Carnaval do Rio, quando o risco de essa mercadoria ser roubada é altíssimo?”, diz Vega. Para ele, a saída é investir em análise de dados para saber quais áreas são de maior risco para o tráfego de cargas, filtrar os melhores motoristas e descobrir riscos de cargas específicas, balizando melhor as taxas de negociação com as seguradoras. Nesse sentido, o tempo joga a favor da Cargo X, pois a empresa está desde 2013 coletando informações das rotas mais seguras, possibilitando prever com maior assertividade o que pode acontecer com uma mercadoria. “Se preciso for, colocaremos um helicóptero acompanhando a carga. Uma empresa como a Ambev vai perder dinheiro nesse frete, mas ganhará no longo prazo, sabendo que a mercadoria vai chegar.”
Turbinada pela procura por segurança, a empresa estima que a receita de 2018 crescerá mais de quatro vezes em relação ao ano passado, atingindo 650 milhões de reais. O prognóstico otimista convenceu investidores: em novembro, a Cargo X recebeu um aporte de 20 milhões de dólares, liderado pelo banco Goldman Sachs, pela fabricante de chips para celular Qualcomm e pelo investidor mexicano Oscar Salazar, cofundador do Uber. Parte desse dinheiro será usada para melhorar a qualidade de vida do caminhoneiro — algo que chamou a atenção de Vega durante suas viagens de bicicleta. A empresa pretende abrir 29 pontos físicos de descanso para motoristas que operam pela plataforma. A ideia é suprir uma necessidade básica que nada tem a ver com algoritmos e dados: a falta de postos de parada adequados para os caminhoneiros tomarem um banho com água quente.