Nelson Pacheco Sirotsky, publisher e conselheiro do grupo de mídia gaúcho RBS (Leandro Fonseca/Exame)
Publicado em 22 de agosto de 2024 às 06h00.
Um negócio com receitas anuais acima de 900 milhões de reais, o Grupo RBS é a principal empresa de mídia do Rio Grande do Sul. Sediada em Porto Alegre, a companhia comanda 12 emissoras de tevê aberta afiliadas à Rede Globo no estado, cinco rádios, três jornais (Zero Hora, Diário Gaúcho e Pioneiro), além das plataformas GZH, de jornalismo digital, Destemperados, de gastronomia, e do Planeta Atlântida, um festival de música. Fundado em 1957, a partir da aquisição da Rádio Gaúcha pelo empreendedor Maurício Sirotsky Sobrinho, o Grupo RBS anunciou no fim de julho a conclusão de uma reorganização societária que durou dois anos e reforçou o papel da família Sirotsky à frente da empresa.
A novidade é o retorno de Nelson Pacheco Sirotsky, filho de Maurício, ao conselho de administração. Presidente-executivo do grupo desde 1991, cinco anos após a morte do pai, Nelson estava afastado desde 2015 para tocar projetos pessoais. Nos últimos dois anos, ele já vem atuando como -publisher responsável pela linha editorial do grupo. Agora, no conselho, onde também estarão seus dois filhos (Maurício e Roberto Sirotsky), ele planeja investimentos em novas mídias, como a tevê conectada, para ampliar os públicos atendidos pela RBS. Na entrevista a seguir, Nelson dá a sua visão sobre o futuro da empresa e, também, do jornalismo em meio a novidades como a inteligência artificial. Para ele, sempre haverá espaço para jornalistas capazes de fazer uma boa curadoria do mundo ao redor.
Aos 71 anos, por que voltar a uma posição de destaque no Grupo RBS?
Meu pai morreu muito cedo e, do ponto de vista do trabalho, a RBS foi minha vida. O ano de 2015 foi muito marcante para mim. Foi o ano em que minha mãe morreu e, também, o do nascimento do meu primeiro neto. Na ocasião, decidi dar um tempo de RBS. Continuei sócio, mas naquele período nem no conselho de administração fiquei. Escrevi um livro, como parte de um projeto de resgate de uma história. Até 2020, acompanhei a RBS à distância. Só que aquilo não estava me fazendo bem. Estava olhando de longe o negócio; gostando de algumas coisas, não gostando de outras. Em 2020, tive um episódio marcante na minha vida, que foi o diagnóstico de covid-19. Fui um dos primeiros pacientes da doença no Brasil. Fui a segunda pessoa a dar entrada num hospital de Porto Alegre, sendo que a primeira morreu. Passei meu aniversário internado. Passei um período difícil, porque a minha covid foi forte. Quando voltei para casa, ainda enfraquecido, tive um daqueles momentos que mudam a vida. Pensei no futuro, e no que fazer. Fiz alguns pactos pessoais e com a minha família. Entendo que não vou abandonar a RBS. É um negócio tão forte na minha vida que, por mais que eu tente abandonar, o que até cheguei a fazer, não deu certo. E aí que começa a história da reorganização societária.
O que está mudando na estrutura do grupo?
Primeiro, o nosso CEO [Claudio Toigo] continua. A nossa governança do CEO para baixo continua firme. Volto ao conselho de administração, numa nova sociedade com a parte da minha família que queria continuar no negócio. Será por meio do conselho que nós vamos tentar agregar valor para a empresa. Continuo sendo publisher, algo que venho fazendo nos últimos anos. Meu cartão de visita da RBS inclusive continua sendo o de publisher. É onde eu acho que tenho a maior agregação de valor para a companhia. É do que eu mais gosto. Com a movimentação, estamos trazendo um novo sócio, Fernando Tornaim, um jovem empresário gaúcho que trabalha na área da comunicação também e já trabalhou na RBS no passado, por isso conhece a cultura da empresa e o mercado. Meus filhos também terão espaço no conselho. Acho que esse movimento garante mais uma geração à frente da RBS. Estamos a caminho dos 70 anos do grupo [a serem celebrados em 2027] e dando passos concretos para nos levar aos 100 anos.
A mudança vem semanas após uma enchente histórica no Rio Grande do Sul. Como a tragédia afetou a empresa?
A reestruturação societária foi assinada num jantar na minha casa no dia 27 de abril. No dia seguinte começou a enchente. A nova sociedade, a diretoria, todos nós literalmente mergulhamos na enchente. Todos nós fomos afetados profundamente. Nosso parque gráfico, ao lado do Aeroporto Salgado Filho, ficou embaixo d’água por um mês. A redação do Zero Hora precisou ser evacuada porque as águas chegaram ao térreo. A enchente chegou às residências de 82 colaboradores do grupo. Outros ficaram sem água ou energia, o que foi o meu caso. Nessas horas, não dá para ficar fazendo contas ou pensando nos resultados do mês. Nossa receita de maio, por exemplo, foi 50% abaixo do previsto.
Qual foi a estratégia para lidar com a tragédia?
Naqueles dias, passei praticamente 24 horas nas redações da RBS em Porto Alegre, conversando com todo mundo. Apesar do momento crítico, tínhamos uma missão: ter empatia pelas vítimas da enchente. Fizemos isso dentro da nossa responsabilidade com o público, com o Brasil e com o mundo. Focamos 100% na prestação de serviço. Lançamos uma campanha de arrecadação de recursos. Interrompemos a programação para mostrar os impactos da tragédia. Mostramos em tempo real o nível da água e os pontos de interrupção nas estradas. Creio que tenhamos cumprido nosso papel. Um motorista que estava sendo entrevistado pela Rádio Gaúcha chegou a dizer que não estava mais usando o [aplicativo de monitoramento do trânsito] Waze porque estava bem informado pelo trabalho da rádio.
E, agora, quais são os desafios para a reconstrução do Rio Grande do Sul?
A tragédia no Rio Grande do Sul aconteceu por vários motivos. Talvez o maior deles tenha sido a sociedade como um todo não ter levado a sério a questão climática. Agora, precisamos de uma reconstrução criativa, que pense nas mudanças climáticas e tenha articulações entre os governos de todos os níveis e a sociedade. Nosso papel como Grupo RBS é o de cobrar, acompanhar e ver o que pode ser feito melhor. Os veículos da RBS têm hoje um placar da reconstrução para reunir indicadores como o ritmo de desembolsos dos recursos necessários para a reconstrução. A conta total chega a 91 bilhões de reais. Desse total, há promessa de investimentos de 31 bilhões de reais. Na prática, menos de 2 bilhões de reais já estão no estado. Há uma jornada pela frente. Se a sociedade gaúcha conseguir a união necessária para resolver esse desafio, teremos cumprido nosso papel.
Para além da agenda da reconstrução, quais são os seus planos para o Grupo RBS?
Quero uma empresa que cumpra o seu papel no mercado primário dela, que é o Rio Grande do Sul, um estado com população equivalente à do Chile e com potenciais enormes. Quero uma empresa em expansão em meio às novas tecnologias, que não vejo como ameaças, e sim como grandes oportunidades. Um exemplo disso é o que chamamos de TV 3.0, que é a interconexão da televisão aberta com a internet. Com ela, é possível falar individualmente com cada espectador. Apertando um botão no controle remoto numa tevê conectada, um indivíduo que está acompanhando uma partida do Grêmio poderá comprar a camiseta do jogador [Luis Alberto] Suárez, por exemplo. Além disso, queremos investir em live-streamings e em conteúdos voltados para as redes sociais. Temos uma base proprietária de 120.000 assinantes da nossa plataforma GZH na qual podemos levantar dados sobre o que querem nossos consumidores e que podem escalar nossas iniciativas. No total, queremos investir 20 milhões de reais em projetos ligados à inovação. Hoje as nossas receitas digitais são um pouco menos de 10% do total do grupo. A meta é passar dos 50% em cinco anos.
Ainda há espaço para os formatos tradicionais de fazer jornalismo, como o jornal impresso?
Vou dar uma resposta que o Uri Levine, o criador do Waze, deu a mim quando fiz essa pergunta a ele durante uma visita dele à RBS: teremos jornal enquanto houver cliente. Enquanto houver cliente que queira receber o jornal impresso, vamos entregar para ele. Atualmente, temos 40.000 assinantes do impresso. Eles estão muito satisfeitos com o produto. O nosso desafio é que a média de idade do público para o impresso supera os 40 anos. Por isso, é muito importante ter uma base digital forte.
Há futuro para o Grupo RBS para além da comunicação?
O nosso core é ser uma empresa de mídia. Ao mesmo tempo, estamos de olho em negócios adjacentes ao da comunicação. Para isso estruturamos a RBS Ventures, uma empresa de investimento em tecnologia. Estamos estudando, por exemplo, como expandir as receitas do nosso parque gráfico. Além disso, apostamos no media for equity [Investimento por parte de empresas de mídia em negócios alheios à essência da comunicação. Em vez de aportes em dinheiro no negócio em si, no media for equity a moeda de troca costuma ser o uso dos canais de mídia para alavancar o negócio investido]. Tudo isso faz parte de uma visão de me relacionar com novos públicos tendo, na visão empresarial, a responsabilidade de quem trabalha com comunicação, de quem é jornalista.
Quais são suas referências de negócios de mídia bem-sucedidos?
Acompanho o que o Clarín tem feito na Argentina. Eles têm hoje 700.000 assinantes digitais. O mercado de Buenos Aires não é muito maior que o do Rio Grande do Sul. Numa outra dimensão, o New York Times já conseguiu fazer suas receitas digitais serem maiores que as tradicionais. Para mim, a receita está no conteúdo que eles produzem. O que eu quero é que o conteúdo jornalístico que a RBS produzir continue sendo um produto imbatível, que ninguém também com olhar sobre os interesses dos gaúchos consiga fazer algo parecido. Se a Netflix quiser ter uma divisão só para o Rio Grande do Sul, pode ter certeza que a RBS vai fazer também, e com conteúdo melhor que o deles.
Num mundo às voltas com a inteligência artificial (IA), qual é o papel do jornalista?
No Grupo RBS não temos problema algum em usar IA em informações recorrentes e que são quase commodities, como previsão do tempo, informações sobre o trânsito ou horários dos jogos. Agora, quando começarmos a aprofundar o uso da IA, vamos precisar ter critérios. Não vou dizer que já tenhamos critérios definidos. O que já temos é uma preocupação em como usarmos cada vez mais a IA de uma maneira positiva, a serviço da qualidade do nosso jornalismo. Na essência, tem um elemento decisivo aqui chamado curadoria humana. O jornalista precisa estar ali para garantir que a informação da IA seja segura para ser publicada porque já passou por algum tipo de checagem. Alguém com a responsabilidade ética, que saiba o que é jornalismo, tem de assumir essa responsabilidade.