Revista Exame

Idosos estão "esquecidos" nas políticas de diversidade das empresas, diz especialista

Para Jorge Félix, professor de economia em gerontologia, não há evidências de que a produtividade caia com a progressão da idade

Jorge Félix: a agenda ESG deveria incorporar a questão da idade (Leandro Fonseca/Exame)

Jorge Félix: a agenda ESG deveria incorporar a questão da idade (Leandro Fonseca/Exame)

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Da Redação

Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2022 às 15h24.

O médico Robert Butler, papa da gerontologia nos Estados Unidos, criou o termo “ageism” em 1968. Ele usava o neologismo para se referir especificamente à discriminação às pes­soas idosas, e não a um genérico preconceito de idade. Jorge Félix defende que, em português, se use “idosismo” em lugar de “etarismo” ou “idadismo”.

Acredita que, assim, pelo menos não se erra de problema: os velhos estão no lado mais esquecido das políticas de inclusão e diversidade. E, para piorar, são os que têm as piores perspectivas de arrumar emprego no mundo todo.

Como está o mercado de trabalho para idosos no Brasil?

Em comparação com décadas atrás, é claro que hoje temos um número maior de pessoas idosas trabalhando. Mas isso não acompanha o ritmo de envelhecimento da população, o que resulta num enorme desemprego nessa faixa de idade. Há no Brasil preconceito contra o idoso no mercado de trabalho.

A maior preocupação com a diversidade não melhorou essa situação?

A questão da idade foi completamente esquecida dentro da agenda ESG. A pauta traz essa preocupação com a diversidade nas questões de etnia, de gênero, de pessoas com deficiência e LGBTI+. Mas a idade não entra, não está nos critérios formais das agências que dão notas e fazem a certificação das empresas. Não é levada em conta para os cargos de gestão ou para o quadro inteiro de empregados.

Qual é a razão dessa omissão?

Primeiro, a dificuldade de parâmetros. Na questão feminina, como a população brasileira é metade de homens, metade de mulheres, uma diretoria de empresa deveria ser um reflexo disso. Em outras questões já é difícil fazer por percentuais. Não se sabe qual é o número de pessoas LGBTI+ no Brasil, por exemplo. No tema da etnia, há projetos que adotam metas: chegar a determinado ano com certo percentual de negros e afrodescendentes em cargos de chefia. A gerontologia entende que não deve existir um marco cronológico para definir questões do bem-estar e da produtividade.

Nenhum limite de idade?

Não existe nenhum trabalho científico que mostre que enquanto sua idade aumenta a sua produtividade cai. Não existe porque o envelhecimento é heterogêneo. Essa é a primeira lição para quem está aprendendo gerontologia. Ninguém envelhece igual ao outro. Na velhice deságua tudo o que você fez na vida. Vão pesar a questão social, onde estudou, trabalhou e suas questões pessoais. São três pilares: biopsicossociais, com processos distintos uns dos outros. Não dá para estabelecer numa régua só quanto se perde de produtividade a cada ano.

Os economistas liberais gostariam muito de uma descoberta dessas, é claro. Hoje, 14% da população brasileira tem mais de 60 anos de idade, e o mercado de trabalho deveria espelhar isso, o que não acontece. A população brasileira está em ritmo de envelhecimento acelerado. O percentual da população com mais de 80 anos é o segmento que mais cresce hoje no Brasil. Logo vamos ser uma sociedade ­superenvelhecida, enquanto as organizações vêm reduzindo a média de idade de seu quadro de funcionários.

A pandemia agravou a situação?

Com a pandemia e a crise econômica, o desemprego está impactando mais o trabalhador idoso — os números do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados] mostram isso evidentemente. Os idosos estão amargando um desemprego de mais longo prazo. E são mais afetados pelas mudanças dos processos de trabalho e da tecnologia. Há um superenvelhecimento da população, e o Brasil andou para o lado contrário. É incrível como os últimos governos só fizeram aumentar o risco-velhice em tão pouco tempo. A reforma trabalhista e a desregulação do mercado de trabalho vão contra o envelhecimento populacional.

Os países ricos estão resolvendo melhor a situação?

O mundo não está sabendo resolver isso. A tendência global é de desregulamentação trabalhista. No Japão havia emprego vitalício; não há mais. Europeus acabaram com garantias trabalhistas e políticas para reduzir a rotatividade. Os países nórdicos, segundo as pesquisas, estão tendo mais sucesso, com políticas de incentivos. Se a empresa não demitir a pessoa tantos anos antes da aposentadoria, terá um prêmio de isenção fiscal — e coisas assim. Mas é uma parte muito pequena do mundo. Em geral, o que se vê é o desemprego das pessoas mais velhas.

As pessoas estão sendo descartadas ainda mais cedo?

As pesquisas internacionais mostram que a idade de corte em todos os níveis, em média no mundo, é de 45 anos. A partir daí a pessoa fica cara. A socióloga Anne-Marie Guillemard chama isso de “fragilização da segunda metade da carreira”. Até os 45 anos o sujeito tem grandes possibilidades, bons empregos, trabalho formal, é disputado pelo mercado. Depois dos 45 é tudo ao contrário. No Vale do Silício, por exemplo, deve acontecer essa mudança bem antes dos 45.

E são cada vez mais comuns os limites de idade para exercer determinados cargos. O que acha disso?

A adoção de padrão de idade para cargos de diretoria ou qualquer outro é totalmente anacrônica e anticientífica. Inúmeras pesquisas comprovam que não se pode definir a produtividade com base na idade. É anacrônico na iniciativa privada e no funcionalismo público. Nas discussões sobre a chamada PEC da Bengala o preconceito ficou muito claro. Nas grandes corporações houve uma onda de fundadores e CEOs que, para dar exemplo, se aposentaram depois de determinada idade. Mas eles têm a opção de ir para o conselho. Os demais, logo abaixo, viraram coaches e consultores.

Trabalhador no Japão: a tendência no mundo é de desregulamentação do mercado de mão de obra (Satoshi Takahashi/LightRocket/Getty Images)

O que pode ser feito?

Numa sociedade envelhecida, a questão da produtividade é muito importante, porque haverá redução da força de trabalho, economicamente ativa e em idade ativa. É preciso ter um nível educacional muito bom para fazer frente às novas demandas do mercado, com pessoas mais qualificadas.

A agenda ESG, as regulações do novo mercado e as políticas de inclusão deveriam incorporar a questão da idade. Adotar critérios de idade para ter uma nota ESG. As organizações mostram preocupação com a questão da diversidade porque estão sendo cobradas. E a idade não está na pauta das agências que dão essas certificações.

Seria possível levar em conta, por exemplo, a média de idade da população ou da cidade onde a empresa está instalada. Sindicatos, empresas e governo deveriam estar sentados para ver quais tipos de legislação e incentivos poderiam ser lançados para reduzir esse impacto da fragilização da segunda metade da carreira.

A experiência deixou definitivamente de ser um valor?

O discurso da experiência é enganoso. Na verdade as empresas não querem essa experiência. Pesquisas mostram que muitas vezes ela incomoda. No modelo econômico que vivemos hoje, as organizações precisam sempre de corte de custos, para dar mais retorno aos acionistas. Muitas vezes é necessário mudar processos, mudar formas de controle, ou até baixar a qualidade do produto.

Os mais velhos são mais resistentes a isso. Mas as empresas não abrem mão dessa experiência totalmente. Elas fazem uma reserva de experiência. Em cargos de gestão, transformam essas pessoas em consultores, em ­freelancers, que vão entregar essa experiência por demanda. Na hora da necessidade, esse profissional é consultado, mas ele não precisa ficar aqui recebendo salário e me dizendo o tempo inteiro que eu estou errado.

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