Revista Exame

Sem motivo para riso

O governo de extrema esquerda da Grécia foi eleito com a promessa de combater a austeridade, mas já viu que os credores não querem conversa — uma situação que pode levar o país a sair do euro

Alexis Tsipras toma posse como primeiro-ministro da Grécia (REUTERS/Yannis Behrakis)

Alexis Tsipras toma posse como primeiro-ministro da Grécia (REUTERS/Yannis Behrakis)

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Da Redação

Publicado em 30 de março de 2015 às 17h58.

Atenas - O engenheiro ateniense Markos Douridas, de 31 anos, há alguns anos tomou uma decisão que hoje soaria como loucura. Depois de concluir o mestrado na Califórnia e um estágio em Nova York, retornou à Grécia para se tornar sócio na empresa de arquitetura de alto padrão da família.

Eram meados de 2008. A bolha imobiliária americana fazia as primeiras vítimas e a economia grega parecia ir de vento em popa. Sua empresa, a RC Tech, crescia a uma taxa anual de 20%. Dois anos antes, havia construído uma nova sede, próxima ao centro de Atenas, para acomodar seus 25 engenheiros e arquitetos.

Douridas não tinha como saber, mas acabou voltando para o que seria o epicentro da crise europeia, que se arrasta até hoje e não tem data para acabar. Desde que chegou, as coisas só pioraram. Nos últimos cinco anos, a crise fez a economia do país encolher 25% e bateu forte no setor imobiliário. Demissões, cortes de salários e novos impostos congelaram planos de reformas e construções.

Hoje, cartazes com a palavra enoikiazetai (“aluga-se”, na tradução do grego) são mais comuns em Atenas do que placas indicando o caminho para o Partenon. “Estamos dando um jeito de sobreviver. Passamos a fazer mais negócios em uma ilha que atrai mais clientes estrangeiros”, diz Douridas na sala de reunião da silenciosa sede onde hoje trabalha metade dos funcionários que havia em 2008.

Foi na Grécia que a crise europeia começou e é de novo na Grécia que os maiores riscos para a economia do bloco reapareceram. No fim de janeiro, os gregos elegeram o partido Syriza, de extrema esquerda, defensor do fim do arrocho. Em poucas semanas no poder, o novo primeiro-ministro, Alexis Tsipras, engenheiro de 40 anos, e seu ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, professor de economia na Universidade de Atenas que se intitula “marxista libertário”, aumentaram a temperatura da discussão nos principais centros do poder da Europa.

Sem gravata e com a camisa para fora da calça, Varoufakis fez um tour por Paris, Londres, Roma, Frankfurt e Berlim exigindo a renegociação da dívida. Com um jeitão informal e provocativo, Varoufakis não pediu um perdão rápido e simples do montante devido, mas propôs uma redução da economia que o governo é obrigado a fazer para o pagamento da dívida e ofereceu um “cardápio de troca de títulos”.

Os empréstimos do Banco Central Europeu, por exemplo, seriam substituídos por papéis indexados ao crescimento econômico. Ainda não se sabe quais são os detalhes técnicos da proposta, mas o cardápio não muda o grande dilema: qualquer fórmula que dê alívio aos gregos representará perdas consideráveis para os credores.

Contra “a troika”

É o vaivém desse cabo de guerra que deverá manter a tensão alta na Europa nas próximas semanas e meses. O governo grego precisa deixar claro ainda neste mês se vai em frente com a amea­ça de sair do programa de socorro financeiro coordenado por União Europeia, Banco Central Europeu e FMI, que ficaram conhecidos pelos gregos como “a troika”.

A princípio, a pequena Grécia, com seus 11 milhões de habitantes, parece não ter nenhuma chance na luta contra os gigantes da Europa — principalmente a Alemanha, que mais se opõe à renegociação. Mas o novo governo tem se esforçado para mostrar que a questão grega não é um problema isolado.

“Os instrumentos que o governo propõe para renegociar a dívida já foram estudados e rejeitados nos últimos anos”, diz Vassilis Patikis, chefe de mercados globais do Piraeus, maior banco da Grécia. “É uma equipe de velhos comunistas sem muita experiência de governo.”

A ascensão ao poder da extrema esquerda recolocou em destaque a discussão sobre os limites dos programas de austeridade em toda a Europa. Para receber socorro financeiro a partir de 2010, os governantes gregos concordaram com um pacote de ajustes que fazem as velhas exigências do FMI ao Brasil nos anos 80 soar como coisa de amador.

O valor das aposentadorias foi cortado até 30%. Cerca de 20% dos funcionários públicos foram demitidos ou aposentados precocemente, e o salário mínimo de trabalhadores jovens foi diminuído em 200 euros. Ainda num esforço de aumentar a arrecadação, o governo acabou com o limite de isenção do imposto de renda.

Apesar de tudo isso, a dívida aumentou. De 125% do PIB, em 2009, passou para os atuais — e insustentáveis — 175%, cerca de 320 bilhões de euros. Tudo isso explica por que os credores e a troika são odiados pela maioria da população. O motivo de tanta raiva fica mais claro quando se escutam os dramas comuns a quase todas as famílias gregas.

A dentista Elizaveth Delagrammatika abriu seu consultório em Atenas em 2008. Nos dois primeiros anos, chegou a ganhar 2 000 euros por mês, mas, conforme a crise foi se estendendo, os clientes escassearam. Atualmente, em um bom mês, ela diz ganhar cerca de 700 euros, mas tem de deixar 400 para o aluguel.

“Minha alternativa foi voltar para a casa de meus pais”, diz Eliza­veth, de 34 anos. A irmã, que é professora e faz parte dos 25% da força de trabalho que está desempregada, nem chegou a sair da casa dos pais. Ficou morando lá com o marido e o filho de 2 anos. Será preciso dizer em qual partido Eliza­veth votou em janeiro?

Uma alternativa para quem quer trabalhar de qualquer maneira é o aeroporto. Estima-se que 200 000 jovens profissionais graduados em universidades tenham deixado o país desde 2010, número 300% maior do que o de anos anteriores. Nefeli Kousi, estudante de computação de 25 anos, deverá se juntar em breve a esse grupo.

Em setembro, ela se formará pela Universidade de Atenas e só tem uma certeza: não vai encorpar a taxa de 50% de desemprego entre os jovens. Em março, ela embarcará para a Suíça para dar sequência a um estágio iniciado no ano passado no Cern, principal laboratório de pesquisas em física da Europa. Deverá voltar para a formatura em Atenas e pegar o avião novamente. “Sempre pensei em trabalhar por algum tempo fora do país. Mas, do jeito que as coisas estão, o plano deverá ser para um período mais longo”, diz.

O que está hoje em jogo na Grécia tem potencial para reverberar por muitos anos. Manter a austeridade é uma opção com um custo político crescente, pelo menos enquanto a expansão econômica mais robusta não volta. Por outro lado, a saída da zona do euro — algo que o Syriza diz não querer — não seria um refresco, uma vez que o sistema bancário sofreria um abalo e as dívidas das empresas ficariam impagáveis.

Para o restante da Europa, uma eventual saída da Grécia também seria uma tragédia. Os investidores passariam a olhar para Portugal, Espanha, Irlanda e até Itália em busca do próximo a abandonar a moeda única. Por que, então, não fazer uma renegociação da dívida? Caso se abra uma exceção à Grécia, é possível que partidos antiausteridade tomem o poder em várias outras partes da Europa, com consequências difíceis de prever.

Fora isso, há uma questão de fundo. Para o governo alemão, a Grécia já teve chances demais. A crise, segundo os alemães, é de responsabilidade dos gregos. Foram eles que se entregaram a exageros durante a bonança de crédito pré-crise, isso sem falar na incapacidade de tornar sua economia mais competitiva.

Na visão dos gregos, contudo, erraram também os credores que emprestaram demais para quem não tinha condições de tomar o dinheiro (justamente pela falta de competitividade da economia). Esse é o embate. Na academia grega, Varoufakis, ministro das Finanças, é considerado um especialista na Teoria dos Jogos, ramo da economia que estuda o comportamento estratégico das pessoas.

Os gregos esperam que ele saiba usar seus conhecimentos para afrouxar o arrocho. Mas está difícil antever se as coisas acabarão numa quebra de pratos, como numa típica celebração grega.

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