Arthur Kroeber, da Gavekal Dragonomics: “A China está interessada em encontrar amigos fora dos Estados Unidos e da Europa” | Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo
Filipe Serrano
Publicado em 11 de abril de 2019 às 05h32.
Última atualização em 25 de julho de 2019 às 14h48.
Poucos analistas conhecem tão bem a política econômica da China quanto o americano Arthur Kroeber. Vivendo em Pequim desde 2002, Kroeber é fundador e diretor da consultoria Gavekal Dragonomics e acompanha de perto as mudanças no país. Em uma visita recente ao Brasil para participar de um evento no Rio de Janeiro, Kroeber falou a EXAME sobre a relação da China com o governo Jair Bolsonaro e mostrou-se otimista com as medidas dos chineses para estimular o crescimento. “A maioria das economias ligadas à China vai sentir impactos positivos”, diz Kroeber.
Durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro fez comentários que geraram atritos com o governo chinês. Como as declarações foram recebidas na China?
Minha impressão é que as declarações do presidente Jair Bolsonaro não devem ser levadas tão a sério, porque há um consenso forte na ala tecnocrata do governo brasileiro de que é importante não comprometer a relação com a China. Do ponto de vista chinês, obviamente, o governo não fica contente. Mas eles têm outros problemas para lidar, como a tensão com os Estados Unidos e com a União Europeia.
Com a piora na relação com seus principais parceiros comerciais, os chineses têm incentivos para reforçar os laços com outros países e, especialmente, países grandes, como o Brasil. E também há oportunidades para as empresas chinesas com as privatizações no Brasil. Meu ponto é: os chineses estão interessados em encontrar amigos fora dos Estados Unidos e da Europa. Eles não vão levar muito a sério o que Bolsonaro diz enquanto entenderem que não há substância em suas críticas. Acho importante que diplomatas e tecnocratas deixem claro para a China que as declarações do presidente são apenas uma retórica política e, de fato, não mudam a realidade. Se os chineses aceitarem isso, não haverá problemas.
Caso isso não se concretize, o governo chinês seria capaz de reduzir as compras de soja ou de minério de ferro do Brasil?
O Brasil não corre o risco de perder as exportações devido a uma declaração de Bolsonaro. No caso da soja, por causa da guerra comercial, a China reduziu as compras dos Estados Unidos e voltou-se para o Brasil. Eles compraram todo o excesso de estoque brasileiro. Se os Estados Unidos fecharem um acordo com a China, a importação de soja americana deverá ser retomada, reduzindo as compras do Brasil.
Mas, do meu ponto de vista, isso não será um problema, porque o Brasil não tem mais estoques para vender. E a safra deste ano será um pouco menor do que a de 2018. No caso do minério de ferro, também não há riscos. O setor de construção está aquecido e é importante para o governo chinês mantê-lo assim, a fim de atingir sua meta de crescimento do produto interno bruto. A demanda por minério de ferro deve se manter sólida. O fato é que a China precisa comprar minério de algum lugar. E não há muitos países que possam vendê-lo. É difícil substituir a oferta do Brasil.
Falando sobre a economia chinesa, o senhor vê um cenário mais difícil para a China nos próximos meses?
Minha visão é que a primeira metade do ano vai ser bastante fraca. A maioria dos indicadores deve caminhar mais devagar. Os dados mais recentes já confirmam essa tendência. No entanto, na segunda metade do ano, esperamos um crescimento mais forte. A principal razão é que o crédito, que havia desacelerado nos últimos dois anos, voltou a crescer. Então, a partir do terceiro trimestre, devemos ver uma recuperação da atividade econômica na China.
O que está levando a essa retomada do crédito?
A queda em 2017 e 2018 ocorreu porque o governo chinês fechou empresas que ofereciam crédito no mercado paralelo. A China percebeu que havia um risco alto demais. E o governo teve bastante sucesso em acabar com esse sistema. Agora o foco mudou. Se antes as atenções estavam voltadas para a redução do risco, agora a prioridade é estimular o crescimento. O governo está criando mais facilidade para que os bancos possam tomar dinheiro com o Banco Central, para então emprestar ao setor privado.
O que o senhor acha dessas medidas?
Estamos acostumados a pensar no estímulo chinês como algo grandioso. Gasta-se muito em infraestrutura, os preços das commodities disparam… Desta vez, o estímulo é bem mais afinado. O crédito deve ser ampliado em apenas 2 ou 3 pontos percentuais. De um crescimento de 10% ao ano, deverá passar para 12% ou 13%. O déficit fiscal deverá subir no máximo meio ponto percentual do PIB. E mais importante que o investimento em infraestrutura são os cortes nos impostos para empresas e famílias, que também foram anunciados. A China está estimulando o consumo e não tanto a construção.
Qual será o impacto para a economia global e para países como o Brasil?
Desde que a China e os Estados Unidos cheguem a um acordo para encerrar a guerra comercial, o que pode ocorrer já neste mês ou no próximo, achamos que a economia chinesa se sairá bem. E isso é bastante benéfico para os mercados emergentes porque eles, incluindo o Brasil, vendem muito para a China. Se a China vai melhor, é bom para eles. Se o dólar enfraquece um pouco, também é bom para os países emergentes. A maioria das economias que estão ligadas à China vai sentir impactos positivos.
O senhor parece mais otimista que o FMI e a OCDE, que vêm alertando para uma desaceleração. Eles estão errados?
Não é que eu discorde do FMI e da OCDE. Concordo que, se olharmos o cenário global agora, claramente todas as grandes economias estão desacelerando — Estados Unidos, China, Europa. E temos de nos preocupar com isso. Mas, se houver um acordo comercial, haverá um efeito positivo forte o suficiente na China a ponto de moderar essa desaceleração. O sentimento negativo que estamos vendo agora nos mercados vai ser revertido. Porque será mais fácil para a China ter um segundo semestre mais forte. Ela vai se sair um pouco melhor e puxará algumas economias emergentes junto.
Qual o custo da guerra comercial para a China?
As exportações para os Estados Unidos caíram bastante. Mas, curiosamente, as exportações para outros países também caíram, sugerindo que há algo maior ocorrendo. Isso está relacionado à desaceleração da atividade no mundo todo. Eu diria que 15% ou 20% da desaceleração da economia chinesa pode ser atribuída à guerra comercial. Mas 80% ou mais têm origem em fatores domésticos, principalmente os relacionados à desaceleração do crédito. É mais uma desaceleração doméstica do que externa.