Revista Exame

Saudáveis, felizes e rentáveis: o sucesso das empresas inclusivas

Pesquisas mostram que empresas inclusivas e diversas têm mais chances de reter talentos, conquistar a lealdade de consumidores — e, sim, lucrar e entregar melhores resultados

Deficientes no mercado de trabalho: empresas lançam iniciativas para promover inclusão entre colaboradores  (Lisegagne/Divulgação)

Deficientes no mercado de trabalho: empresas lançam iniciativas para promover inclusão entre colaboradores (Lisegagne/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 29 de julho de 2021 às 06h00.

Última atualização em 29 de julho de 2021 às 11h20.

Durante um estudo feito pela consultoria McKinsey em uma montadora de automóveis, uma funcionária da área de pesquisa e desenvolvimento da fabricante ponderou:

“Se não houvesse nenhuma mulher aqui nesta área, como a empresa poderia pensar em produzir um tapetinho que não pegasse no salto do sapato?”

Pois é, o acessório — aparentemente um simples detalhe — poderia desagradar ao público feminino que, de acordo com o Instituto ­Ipsos, representou, de 2013 a 2019, 44% do total de novos condutores. O fato é que, apesar do número significativo de mulheres ao volante, apenas 19,7% das posições do setor são ocupadas por elas no Brasil. E mais: somente uma montadora no país tem uma mulher na presidência; no caso, Ana Theresa Borsari, CEO da Peugeot. 

Por outro lado, em áreas como a da saúde, o cenário é mais diverso. No grupo Sabin, rede de produtos e serviços de análises clínicas e diagnósticos, entre os 5.700 colaboradores, 77% pertencem à força feminina, e 74% delas ocupam cargos de liderança. “Nossos profissionais atuam em um ambiente em que podem ser como são, ampliando a produtividade e a qualidade dos serviços, fortalecendo a marca e expandindo o entendimento em relação aos clientes”, diz Lídia Abdalla, presidente do grupo Sabin.

O exemplo diz muito a respeito do relatório Diversity Matters Latin America — Por Que Empresas Que Adotam a Diversidade São Mais Saudáveis, Felizes e Rentáveis, publicado pela McKinsey em junho de 2020. Segundo o documento, organizações que promovem práticas de diversidade têm melhor saúde organizacional.

A consultoria tem feito pesquisas sobre a importância da diversidade de gênero no ambiente de trabalho desde 2007. No ano passado, quando ouviu 3.900 colaboradores de 1.300 das maiores empresas de seis países — Brasil, Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Panamá —, ampliou o foco para abordar questões como etnia e orientação sexual e apontou os benefícios e os ganhos da diversidade para as corporações.

Investir em diversidade, segundo a McKinsey, favorece as melhores práticas de gestão ao promover uma liderança mais efetiva, com colaboradores mais felizes e com melhor saúde organizacional, além, claro, da melhora da performance financeira. 

O retorno da diversidade

Isso porque, ao traçar uma relação entre diversidade e performance, a pesquisa da McKinsey mostra que as empresas diversas apresentam um Ebit (lucro antes de juros e impostos) 53% acima da média de seus pares. No Brasil, empresas com mulheres em cargos executivos têm ainda 58% de probabilidade de alcançar resultados financeiros acima da média das companhias que não contam com elas em posições de liderança.

E, quando a diversidade de gênero é percebida pelos colaboradores, a organização tem 26% mais chances de alcançar uma performance financeira superior à das concorrentes não diversas.

“Essa correlação tem alguns aspectos: primeiro, o mundo está com escassez de talentos. Uma empresa diversa e inclusiva vai atrair os melhores profissionais e ter a chance de obter melhores desempenhos”, diz Heloisa Callegaro, sócia da McKinsey.

“Outra questão é que, ao reunir talentos diversos, terá uma representação maior da sociedade dentro de casa e poderá oferecer produtos e serviços mais adequados às necessidades dos clientes.” Em outras palavras, empresas mais diversas inovam mais.

A indústria farmacêutica Novartis, por exemplo, declara que a diversidade está totalmente alinhada a seu propósito de reimaginar na medicina. “A diversidade, como fortaleza, é vital para o desenvolvimento da inovação”, diz Renato Carvalho, presidente da Novartis Brasil. “Isso porque equipes diversas promovem soluções disruptivas, que são demandas essenciais da saúde no mundo.”

Que o diga a pandemia de covid-19, que acelerou de maneira nunca antes vista o processo de criação, produção, distribuição e aplicação de vacinas. Em junho passado, durante o Mês do Orgulho LGBTQIA+, a farmacêutica lançou um guia para pessoas transgênero a fim de orientar a liderança e os colaboradores sobre o processo transexua­lizador, inclusive para aqueles que pensam em passar por ele.

Em 2019, a subsidiária brasileira já havia implementado banheiros de gênero neutro em todas as unidades e criado o Speak­Up, um canal seguro onde podem ser trazidas preocupações sobre infrações de qualquer política do Grupo Novartis. A empresa atribui às políticas de diversidade os resultados da pesquisa interna de clima, que aferiu em 91% o nível de engajamento dos funcionários com o propósito da companhia. 

O resultado positivo espelha outro ponto do estudo da McKinsey: funcionários de empresas diversas são mais felizes. Na Dow, indústria do setor químico que trabalha o tema da diversidade e inclusão há 30 anos, 93% dos funcionários no Brasil dizem ter orgulho de fazer parte da empresa.

“Trabalhamos incansavelmente para influenciar clientes, fornecedores, parceiros, e parceiros de nossos parceiros, para que eles enxerguem a importância da diversidade em suas empresas e sejam agentes de mudança e transformação”, diz Tiago Betti, líder de inclusão, diversidade, equidade e experiência do funcionário para a América Latina. Na hora de fazer negócio, a Dow busca fornecedores que tenham quadro diverso de funcionários, inclusive na liderança.

(Arte/Exame)

 

Para ter equipes diversas, o primeiro passo é mudar o processo de contratação, segundo Ana Paula Kagueyama, head global de soluções para clientes do PayPal. “Passamos a olhar para o organograma e vimos quantas mulheres e negros estavam em posição de liderança, quantas pessoas representavam a causa LGBT+ e assim por diante”, diz. Ao longo dessa jornada, o PayPal percebeu que a causa da inclusão dos refugiados latino-americanos começava a ganhar importância aqui também.

Em 2018, implantou o programa Voltando a Sonhar, por meio do qual contratou inicialmente dez venezuelanos. Hoje há 280 deles na equipe brasileira. “São engenheiros, administradores e outros profissionais que tinham boa formação na Venezuela e que haviam deixado o país em busca de sonhos e trabalho”, diz Kagueyama. Segundo ela, o PayPal atingiu 95% de nível de satisfação interna e está entre as melhores companhias do mundo no índice Net Promoter Score (NPS), criado na universidade americana Harvard para medir a lealdade dos clientes. “Como resultado do foco dos nossos colaboradores, vemos o cliente satisfeito”, diz Kagueyama. 

Refugiados em busca de emprego: ONGs ajudam a conectar empresas a trabalhadores que buscam asilo e oportunidades no Brasil (Daniel Aratangy/Divulgação)

Outra empresa que mudou os processos de contratação e meritocracia para contemplar a diversidade foi a multinacional de seguros MetLife. “Procuramos ter pelo menos uma mulher entre os finalistas nos processos seletivos”, diz Raphael de Carvalho, CEO da MetLife Brasil e Colômbia. A seguradora instituiu quatro comitês ligados ao tema: o Mulheres de Atitude, o Presença Afro, o Glam (colaboradores LGBTQIA+) e o MDA (MetLife Diverse Abilities, voltado para pessoas com deficiência).

Criado em 2018 no Brasil, o MDA é uma iniciativa da MetLife Global, que defende a inclusão e conscientização sobre a deficiência entre os colaboradores, clientes e comunidades da MetLife. No Brasil, a empresa está patrocinando e participando do Autismo Tech 2021, evento que estimula a transformação e o empoderamento de pessoas da comunidade autista por meio do desenvolvimento e do auxílio na qualificação profissional.

Ao todo, são 240 horas de atividades práticas, entre palestras, mentorias e trilhas de conhecimento com cursos gratuitos certificados para os participantes. “Ao promover a diversidade, contribuímos para a construção de uma empresa cada vez mais humana, inclusiva, diferente e preparada para entender cada vez mais as necessidades de cada cliente, com muito mais empatia”, diz Carvalho. 

Os níveis de comprometimento das empresas com a diversidade influenciam diretamente o comportamento e a retenção dos colaboradores — e estimulam a presença em relações de mentoria. Colaboradores não heterossexuais têm probabilidade 38% maior, no Brasil, de possuir um mentor em empresas diversas, em comparação às não diversas.

Segundo o estudo da McKinsey, quem passa pela mentoria entrega mais produtividade e tem melhor remuneração e formação profissional. E, o mais importante, a diversidade deixa os colaboradores mais felizes e fiéis à empregadora: 72% dos funcionários querem permanecer três ou mais anos em uma empresa diversa ante apenas 53% em uma empresa não diversa. 

Desafios pós-pandemia

Equipes felizes, clima organizacional saudável e inovação são ganhos não financeiros que estão no radar dos investidores. A pesquisa global How will ESG Performance Shape Your Future? (“Como o ESG vai moldar o futuro das empresas?”, numa tradução livre), divulgada em março pela consultoria Ernst & Young, indica que 91% dos investidores consideram o desempenho não financeiro das empresas nas tomadas de decisão e acham que temas sociais são muito relevantes. Outro grupo que vem ganhando espaço nas discussões sobre diversidade é o de pessoas acima dos 50 anos.

A alimentícia PepsiCo, por exemplo, desenvolveu em 2016 o programa Golden Years, que estimula a contratação de pessoas acima de 50 anos. Mais de 400 pessoas dessa faixa etária fazem parte do quadro de funcionários. Uma dessas pessoas é Gislaine Silveira, de 53 anos, que perdeu o emprego durante a pandemia e ficou cinco meses em busca de um novo trabalho. Foi quando percebeu que a idade era um empecilho nas contratações em sua área de promoção de vendas, apesar da grande experiência.

Conseguiu uma vaga na PepsiCo em Belo Horizonte e, em contato com a gestora, ouviu que sua idade não seria um limitador, e que mais relevantes seriam o empenho e a força de vontade de crescer dentro da empresa, como ocorre para todos os funcionários. Hoje ela atua na linha de frente, levando a marca às prateleiras dos principais supermercados da capital mineira. “Eu me senti acolhida desde o meu primeiro dia de trabalho e sei que não há diferenças no tratamento que me dão por causa da minha idade”, afirma Silveira.

PepsiCo Brasil: meta de aumentar de 47% para 50% a presença feminina em cargos de liderança até 2025. Atualmente, 60% do comitê executivo da empresa é formado por mulheres (PepsiCo/Divulgação)

O exemplo dela mostra que o tema da diversidade e da inclusão tem se expandido para questões além de gênero, raça e orientação sexual, mas há ainda muita coisa a ser feita. O impacto do coronavírus no mercado de trabalho mostrou isso, já que os grupos de pessoas diversas foram os mais prejudicados.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, mostram que no último trimestre de 2020 a taxa de desocupação foi de 17,2% entre os pretos e de 15,8% entre os pardos (ambas são maiores que a média nacional, de 13,9%).

E as mulheres também são mais prejudicadas: o desemprego entre elas estava em 16,4% enquanto entre os homens a taxa era de 11,9%. “Temos muito para caminhar. Em geral, a missão e os valores estão apenas na parede das empresas, mas na hora de avaliar o desempenho com seus pares para promover alguém, é prematuro dizer que todas olham para as promoções dando oportunidade para quem não teve oportunidade na vida”, avalia Ana Paula Kagueyama, do PayPal, que relembra uma certeza do presidente da empresa, Dan Schulman: “Quanto mais diversa a gente for, mais forte a gente vai ser.” 

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