Loja na China: as vendas na Ásia reduziram o peso da Espanha nos resultados do grupo (Mike Kemp/Corbis/Latin Stock)
Da Redação
Publicado em 1 de abril de 2013 às 11h56.
São Paulo - A cidade espanhola de La Coruña, situada na região da Galícia, tem várias características típicas do interior da Espanha. A população é pequena, cerca de 246 000 habitantes, as ruas são estreitas, os carros são compactos e raramente alguma ocorrência policial agita o noticiário local. Banhada pelo oceano Atlântico, La Coruña ostenta belas praias e tem no turismo uma de suas principais atividades econômicas.
A cidade abriga ainda um time de futebol que ficou mundialmente conhecido com a ajuda dos brasileiros Bebeto e Mauro Silva, responsáveis pela era de ouro do La Coruña, três vezes vice-campeão espanhol. Mas o maior orgulho dos locais é seu morador mais famoso, o empresário Amancio Ortega. O espanhol de 76 anos é criador e controlador da Inditex, empresa dona da Zara, a maior varejista de roupas do mundo em vendas.
Ortega ultrapassou o investidor americano Warren Buffett e chegou ao posto de terceiro homem mais rico do mundo na lista organizada pela agência de notícias Bloomberg.
Com uma fortuna avaliada em 57,4 bilhões de dólares, ele está atrás apenas do mexicano Carlos Slim e do americano Bill Gates. O momento, de fato, não está dos piores para Ortega. Aposentado desde 2011, continua vivendo na cidade e é visto com frequência no Centro Hípico de Casas Novas, onde estão seus cavalos. E, diferentemente de quase toda a população da Espanha, não para de receber boas notícias.
De 2003 a 2012, o faturamento global da Zara saiu de 5,7 bilhões de dólares para cerca de 22 bilhões, segundo estimativas do mercado — a divulgação oficial dos resultados do ano passado está prevista para março. No mesmo período, o número de países com lojas da marca subiu de 48 para mais de 80. O mais notável, porém, é que a Zara não parou de crescer mesmo depois de a Espanha ter caído num poço aparentemente sem fundo.
Conforme o mercado espanhol foi dando mostras de fadiga de material, a empresa foi vender suas roupas mundo afora — mais especificamente em partes da Europa menos afetadas pela crise e na Ásia.
Em 2008, a Zara tinha 27 lojas na China. Hoje são mais de 350. Em quatro anos, contando somente as cidades chinesas, foi aberta uma loja a cada três dias. O mercado espanhol, que respondia por quase metade das vendas mundiais em 2003, hoje tem uma fatia de 25%.
O bom momento da empresa e seu descolamento da crise espanhola são o coroamento de uma estratégia de Ortega que se tornou tema obrigatório nas melhores escolas de negócios do mundo. O empresário galego é o ícone do conceito de fast fashion, que consiste em levar as tendências de moda rapidamente e a um preço acessível às prateleiras das lojas.
Enquanto algumas de suas concorrentes demoram meses para colocar uma nova coleção em exposição, a Zara leva apenas quinze dias — a troca de peças é quase constante. Fora isso, cada gerente de loja tem autonomia para descobrir o que faz sucesso e pedir as cores, os tamanhos e os modelos que mais vendem. Essa estratégia acaba dando certo porque as roupas são feitas perto dos mercados onde são vendidas.
Como a Europa responde por 70% das vendas, a empresa decidiu manter cerca de metade da produção na Espanha, em Portugal e no Marrocos. O modelo de Ortega se opõe ao de grandes rivais da Zara, como a H&M. A varejista sueca concentra cerca de 75% de sua produção na Ásia. Sua lógica é reduzir ao máximo os custos na fabricação das peças, mas a empresa presente em 48 países acaba pagando um preço com a perda de agilidade.
Uma explicação interessante para o sucesso do fast fashion é de autoria do próprio Ortega, famoso por sua discrição — o empresário nunca concedeu uma entrevista sequer. Entre as poucas citações atribuídas a ele, uma resume bem seu estilo de negócio: “Vender moda é como vender peixe. Quanto mais fresco o peixe, assim como um modelo de jaqueta, mais rápida e de maior valor será a venda”.
Furo no fast fashion?
Com os lucros em alta, os investidores parecem encantados com a empresa. A ação da holding que controla a Zara esteve entre as mais valorizadas da Europa em 2012, com uma alta superior a 50%.
“A maior exposição ao mercado asiático deve continuar apoiando o crescimento das vendas do grupo”, diz Richard Chamberlain, analista do setor de varejo do Bank of America Merrill Lynch em Londres. As coisas estão indo tão bem para a Zara que já tem muita gente se perguntando o que pode dar errado. Em outras palavras: o que pode tirar Ortega do topo da lista dos homens mais ricos do mundo?
A manutenção do sucesso dependerá das decisões do espanhol Pablo Isla, o executivo escolhido em 2011 para substituir Ortega na presidência da Zara. Apesar do pouco tempo de casa, o novo presidente parece fiel ao estilo discreto de seu antecessor. Em uma de suas raras entrevistas, avisou que o espírito da empresa permanece o mesmo.
Ou seja, ele promete muito trabalho e pouco barulho. Segundo analistas que acompanham a empresa, a maior fonte de dúvida, hoje, diz respeito ao próprio modelo de fast fashion que simboliza a Zara.
Os críticos questionam até onde é possível renovar o estoque duas vezes por semana em mercados tão distantes como Ásia e América do Sul. Pelas regras de Ortega, os pedidos feitos por qualquer loja da Zara no mundo devem ser entregues em até 24 horas.
A dificuldade está no fato de que todas as peças passam necessariamente pelo centro de distribuição do grupo em La Coruña. Quando a operação é restrita às fábricas da Europa e do Marrocos, custos e prazos se encaixam na estratégia de preços baixos do grupo.
Já quando as lojas estão localizadas em regiões mais distantes, o aumento dos custos é inevitável. Essa é uma das razões para a Zara não ser uma marca de preços tão acessíveis em países como Brasil e China. Aqui, a Zara se posiciona em uma faixa entre as marcas de luxo e as tradicionais.
“Até o momento, o sucesso da estratégia de internacionalização na Ásia e na América do Sul é inquestionável. As lojas estão cheias mesmo com preços não tão baixos como na Europa. Mas é inegável que existe espaço para algum concorrente se aproveitar da faixa de preço mais acessível, a mesma que a Zara explorou tão bem na Europa”, afirma Víctor Martínez, professor da escola de negócios espanhola Iese, de Barcelona.
Para se tornar um grande sucesso de vendas nos Estados Unidos ou explorar o mercado chinês em todo o seu potencial, é possível que a Zara e as outras marcas da Inditex tenham de descentralizar suas operações. Fazer isso sem afetar a flexibilidade na tomada de decisões e sua rapidez de execução é o seu maior desafio.
Independentemente do que aconteça com a Zara, é difícil pensar em um cenário no qual Ortega deixe de ser o grande orgulho da cidade de La Coruña — e da Galícia como um todo. No momento, outro galego famoso é Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol e principal liderança do Partido Popular, que enfrenta graves acusações de corrupção.