Revista Exame

Quanto mais se mexe no caso Pasadena...

Documentos obtidos por EXAME mostram que executivos do caso Pasadena já tinham atuado em operação suspeita envolvendo a Alstom na montagem de uma usina da Petrobras


	Alstom: na TermoRio, na Baixada Fluminenes, nove turbinas encontram-se em funcionamento
 (Bloomberg)

Alstom: na TermoRio, na Baixada Fluminenes, nove turbinas encontram-se em funcionamento (Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 24 de abril de 2014 às 15h03.

Rio de Janeiro - A investigação do cartel dos trens em São Paulo, envolvendo a multinacional francesa Alstom, fabricante de equipamentos, é um daqueles casos em que, quanto mais se mexe, mais coisa aparece. Não é muito diferente do que tem acontecido nas investigações em torno da Petrobras.

O que esperar dos negócios que essas duas empresas fazem entre si? No fim do ano passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) começou a passar um pente-fino nos contratos da Alstom com a Petrobras, uma das principais clientes da companhia francesa no Brasil.

A apuração permaneceu em sigilo até janeiro, quando EXAME teve acesso ao ofício enviado pela CGU à presidente da Petrobras, Graça Foster, e aos diretores e presidentes das subsidiárias da estatal. Os auditores estão debruçados sobre os contratos assinados com a Alstom de julho de 2008 a junho de 2013, muitos dos quais ainda em vigor.

Segundo a CGU, o trabalho continua em andamento, já que a Petrobras por enquanto não forneceu toda a papelada. Mas uma auditoria interna da estatal mostra que existem suspeitas de irregularidades bem mais antigas envolvendo Petrobras e Alstom. 

Um desses casos refere-se ao fornecimento de turbinas para a usina térmica Governador Leonel Brizola, conhecida como TermoRio, a maior termelétrica do país, instalada na Baixada Fluminense. O detalhamento desse caso é revelador. A construção da usina se estendeu de 2001 a 2004.

Relatórios de auditores da própria Petrobras concluíram que a estatal teve prejuízo de pelo menos 15 milhões de reais durante as obras somente com o processo de fiscalização. A história começa quando a Petrobras, em meio ao racionamento de energia no governo Fernando Henrique Cardoso, recebeu a missão de investir em geradoras termelétricas.

O projeto da TermoRio, que havia começado em 1999 com 17% de participação da Petrobras, ganhou força em 2001 com o aumento da fatia da estatal para 43%. O restante do capital era então dividido entre o grupo americano NRG (50%) e o empresário baiano Paulo Roberto Barbosa de Oliveira (7%).

A montagem da usina teve início no mesmo ano, com a compra de nove turbinas da subsidiária da Alstom na Suíça, um contrato de 530 milhões de dólares. Para fiscalizar a instalação das turbinas foi contratada uma empresa de engenharia chamada Eldorado.

Nesse tipo de contrato, empresas de fiscalização técnica têm papel crítico — o pagamento dos fornecedores só é liberado quando os fiscais indicam que as máquinas foram entregues e estão instaladas de acordo com o projeto.

Embora tivesse a menor participação acionária, Oliveira assumiu a presidência da TermoRio. Ele conduzia a ne­gocia­ção com a Alstom. À Petrobras cabiam duas das cinco cadeiras do conselho de administração da TermoRio. Elas eram ocupadas por Luis Carlos Moreira da Silva e Cezar de Souza Tavares, gerentes da estatal.

O chefe deles era Nestor Cerveró, agora pivô do caso da compra da refinaria americana de Pasadena, que àquela altura era gerente executivo da diretoria então ocupa­da pelo atual senador Delcídio Amaral (PT-MS). No conselho da TermoRio, Moreira da Silva e Tavares participavam da gestão do contrato com a Alstom.


Em junho de 2002, os dois acompanharam Oliveira em viagem à Suíça para negociar um pagamento adiantado de 7 milhões de dólares para a Alstom, segundo atas do conselho da TermoRio obtidas por EXAME.

Anomalias

Em 2003, a Petrobras comprou a participação da americana NRG e, no ano seguinte, a parte de Oliveira, tornando-se dona de 100% da usina. Uma nova diretoria designada pela estatal para gerir a TermoRio percebeu que havia esquisitices e montou uma auditoria interna.

Os auditores notaram que a Eldorado mantinha apenas cinco engenheiros para fiscalizar a obra, enquanto seriam necessários pelo menos 20 profissionais para dar conta do trabalho. A auditoria também apontou “anomalias” nos serviços da Eldorado, como “falhas básicas de conferência de documentos e de acompanhamento dos trabalhos contratados”.

Em outras palavras, a empresa não fiscalizava quase nada. Mesmo assim, o aval da Eldorado servia para que a Alstom recebesse os pagamentos. Os 15 milhões de reais que a Eldorado havia levado por seus serviços foram considerados dinheiro perdido.

Mas esses não foram os únicos problemas com a empresa de engenharia. A investigação constatou que a Eldorado tinha Oliveira como um dos sócios e era controlada por uma empresa sediada no Uruguai que também mantinha negócios com ele. A auditoria interna, porém, não resultou na punição de ninguém.

A principal conse­quên­cia foi a rescisão, por parte da Petrobras, do contrato com a Eldorado em 2004. Isso deu origem a um episódio bizarro. A Eldorado abriu um processo de arbitragem contra a Petrobras pela interrupção do contrato. A estatal perdeu. Foi condenada a pagar indenização de 2 milhões de reais à Eldorado.

A sentença arbitral obtida por EXAME mostra que Moreira da Silva, um dos executivos da Petrobras que haviam sido conselheiros da TermoRio, testemunhou a favor da Eldorado. Oliveira — ex-sócio e ex-presidente da TermoRio — confirma que era sócio da Eldorado.

“Não havia impedimento no acordo de acionistas da TermoRio quanto a contratar uma prestadora de serviços ligada a sócios”, disse a EXAME. Para ele, o resultado da arbitragem a favor da Eldorado comprova que a fiscalização foi feita corretamente.

Apesar de pareceres de advogados da TermoRio e da Petrobras apontarem indícios de favorecimento à Eldorado, a direção da estatal não moveu ação nem contra os ex-gestores da TermoRio nem contra seus funcionários que participavam do conselho de admi­nistração.

Ao contrário: os principais personagens foram prestigiados. Em 2003, Moreira da Silva foi enviado a uma gerência da diretoria internacional da Petrobras. Tavares se aposentou, abriu uma consultoria e passou a prestar serviços para a própria estatal. Cerveró, chefe deles, virou diretor internacional da petroleira.

Juntos, os três conduziram a compra da refinaria americana de Pasadena em 2006. Quando a aquisição da refinaria foi fechada, Moreira da Silva era gerente de desenvolvimento de negócios internacionais. Tavares atuou como consultor na negociação.  Em 2008, Moreira da Silva virou sócio de Tavares. Nenhum dos três quis falar a EXAME.


Mantida em segredo até agora, a auditoria de 2004 na TermoRio pode ser um indício de que, por trás dos negócios entre Alstom, TermoRio e Petrobras, funcionava um esquema de corrupção. Não seria a primeira suspeita. Em 2006, o consultor Luiz Geraldo Costa foi preso pela Polícia Federal na Operação Castores, que investigava corrupção em estatais do setor elétrico.

Em depoimento na prisão, Costa afirmou ter emprestado a conta bancária de uma empresa sua no Uruguai para que a Alstom suíça fizesse depósitos para funcionários da Petrobras envolvidos na construção da TermoRio. Teriam sido transferidos 550 000 dólares numa ocasião e 220 000 euros em outra, segundo o depoimento.

Costa disse ainda ter distribuído o dinheiro conforme instruções recebidas de executivos da Alstom no Brasil, sem conhecer os destinatários. Em troca, ficava com 5% do valor movimentado. Procurado, Costa não quis falar. O depoimento dele veio a público em 2008, mas a investigação acabou arquivada.

A Petrobras respondeu por meio de nota que era minoritária na TermoRio quando a Alstom e a Eldorado foram contratadas. Alega ser obrigada a manter sigilo sobre a arbitragem e diz não ter identificado sinais de pagamento de propinas a envolvidos no projeto da térmica.

A estatal também afirma não ter recebido nenhuma denúncia ligada à Operação Castores, da Polícia Federal. A Alstom comunicou que colabora com as autoridades nas investigações e que sobrepreço e pagamentos ilegais são incompatíveis com seu código de ética.

O senador Delcídio Amaral, ex-diretor de gás e energia da estatal de 1999 a 2001 e que tinha Cerveró, Moreira da Silva e Tavares como subordinados, disse que a escolha de Cerveró foi técnica. “Fui consultado e apoiei, porque sei da competência dele”, afirmou.

Amaral diz que o projeto da TermoRio com turbinas da Alstom já estava decidido antes de sua chegada à estatal e que havia saído da empresa quando foi feita a auditoria sobre a Eldorado. Ainda segundo ele, a escolha dos representantes da Petrobras no conselho da TermoRio e o acompanhamento da gestão eram delegados a Cerveró.

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