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Como o IPO mudou a Droga Raia

Uma tentativa frustrada, a entrada de fundos de investimento, ajustes internos que regularam a influência da família controladora, gastos milionários. Como foi a preparação de quatro anos da Droga Raia para abrir o capital

Executivos da Raia durante a estreia na bolsa: sensação de ter passado no vestibular (Marie Hippenmeyer/EXAME.com)

Executivos da Raia durante a estreia na bolsa: sensação de ter passado no vestibular (Marie Hippenmeyer/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 29 de junho de 2011 às 07h20.

São Paulo - "Não acredito que vou pagar essa conta.” Foi o que Antonio Carlos Pip­ponzi, presidente da rede de farmácias Droga Raia, pensou antes de iniciar mais um almoço com cerca de 40 investidores estrangeiros reunidos num restaurante em Nova York em dezembro de 2010.

Fazia mais de uma semana que ele e alguns executivos da empresa estavam viajando pelos Estados Unidos e pela Europa para apresentar a Droga Raia a analistas, gestores de fundos e outros profissionais do mercado — um périplo que precisa ser feito pelas companhias que pretendem abrir o capital na bolsa de valores.

Nas contas de Pip­ponzi, essas viagens — com seus almoços em restaurantes sofisticados — mais os advogados e auditores que tiveram de ser contratados para preparar a Raia para o IPO (sigla em in­glês para ofer­ta inicial de ações) já estavam custando 5 milhões de reais à empresa.

“Pen­sava no impacto que o valor teria no caixa e também no tempo que estávamos dedicando à estruturação da abertura de capital”, diz ele. “Havia uma expectativa grande para que tudo desse certo.”

Hoje, o IPO da Raia pode ser considerado um sucesso: as ações foram compradas no topo da faixa de preço estimada pelos bancos que estruturaram a operação e, desde a estreia na bolsa, em dezembro de 2010, os papéis valorizaram 6% (no mesmo período, o Ibovespa caiu 10%).

A empresa levantou 655 milhões de reais e, com esse dinheiro, vem seguindo um plano de expansão que prevê aumentar o número de lojas em cerca de 40% até 2012. Diante disso, hoje, as despesas em Nova York parecem um detalhe.

Mas a preparação para a oferta de ações, um processo de quatro anos no caso da Droga Raia, mostra como o IPO costuma transformar a rotina e a forma de atuar de uma companhia.  

Para os donos da Raia, companhia familiar fundada há mais de 100 anos em Araraquara, no interior de São Paulo, e que hoje fatura 1,9 bilhão de reais, a principal mudança foi aprender a conviver com sócios. “Dividir o poder dói, mas nessa hora é preciso ser racional: acabei aprendendo que é melhor ter uma fatia pequena de um bolo grande”, diz Pipponzi.


A primeira tentativa de abrir o capital ocorreu há quatro anos. Em meio à euforia da bolsa — entre 2006 e 2007, 90 empresas estrearam na Bovespa —, os executivos da Raia começaram a preparar a empresa a toque de caixa para o IPO.

Durante três meses, o vice-presidente comercial, o diretor financeiro e a gerente jurídica se dedicaram integralmente a levantar todo tipo de informação financeira e legal, de contratos com fornecedores a processos trabalhistas, acordos de acionistas e autua­ções, que seria usada para fazer o extenso prospecto de abertura de capital.

Eles também tinham a responsabilidade de ajudar os auditores e os banqueiros recém-contratados a revisar contratos, organizar balanços e estruturar a operação.

“A empresa quase parou nessa época, foi muito difícil”, diz Eugênio de Zagottis, vice-presidente comercial e de relações com investidores — e genro de Pipponzi. Nove meses e 2 milhões de reais de gastos depois, o IPO não saiu porque não havia demanda suficiente pelas ações da Raia.

Se tivesse insistido e chegado à bolsa em 2007, é possível que a Raia fosse mais um caso de IPO problemático. Com metade do faturamento atual e menos conhecida pelos investidores estrangeiros, a companhia poderia ter sido prejudicada pelo movimento global de aversão a risco.

“Além disso, a falta de treinamento para se comunicar com o mercado prejudicou muitas empresas”, diz Tereza Kaneta, presidente da MZ Consult, especializada em assessorar companhias abertas. Sem o IPO, em 2008, os donos da Raia decidiram captar 115 milhões de reais com dois fundos, o Gávea e o Pragma (que gere recursos dos fundadores da Natura).

Foi aí, segundo Pipponzi, que a empresa realizou ajustes internos que, dois anos depois, facilitaram a abertura de capital. Foram adotadas regras mais rígidas de governança, como a que determina que membros da família só podem ser contratados se forem aprovados pelo conselho de administração.

“A Raia tomou a decisão de continuar sendo familiar, mas modernizando a gestão”, diz Piero Minardi, sócio do Gávea. Também foram criados comitês de operações, finanças e pessoas para aprovar políticas de remuneração e planos de investimento e de financiamento.


“Começamos a dividir as decisões, o que não é simples. Hoje, vejo que aquele pensamento ‘sou soberano, não devo nada a ninguém’ é a receita para perder tudo”, diz Pipponzi.

Cobrança incessante

Quando os empresários decidiram retomar o plano de abrir o capital, em setembro do ano passado, os principais ajustes internos haviam sido feitos, e eles já conheciam bem a rotina de contratação de advogados, bancos e auditorias necessária para estruturar o IPO. Faltava realizar a massacrante turnê de reuniões com investidores.

Em três semanas, foram feitos 92 eventos para cerca de 200 investidores no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa — Pipponzi e Zagottis tinham, em média, sete reuniões por dia, mas o número chegou a 14 em períodos decisivos.

“Lá fora, os investidores dão 50 minutos contados no relógio para que você faça a apresentação, então treinamos antes para garantir que conseguiríamos passar a mensagem de forma objetiva”, diz Zagottis.

“Tirei do armário os ternos que tinha comprado em 2007 só para fazer essas viagens, e que estavam novos. Aqui, só usamos ternos em casamento, funeral e, agora, nas reuniões com investidores”, diz Pipponzi, que está quase sempre de camisa sem gravata e inaugura pessoalmente as novas drogarias da rede.

Nessa rodada, os executivos da Raia e dos bancos Itaú BBA, Credit Suisse e Banco do Brasil, que coordenaram a operação, constataram que havia interesse pelas ações da empresa, que começaram a ser negociados na Bovespa em 20 de dezembro.

Estrear na bolsa, dizem os profissionais do mercado, é como passar no vestibular. “A sensação é de alívio e euforia, mas, no dia seguinte, você se dá conta de que os desafios ficaram ainda maiores”, diz Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec de São Paulo, associação que reúne analistas e executivos financeiros.

A Raia teve de aprender a funcionar como uma empresa aberta, o que inclui uma série de proibições — seus executivos não podem fazer previsões que estejam fora de comunicados públicos, nem comentar resultados antes de ser publicamente anunciados — e algumas obrigações, como prestar contas a analistas, gestores e acionistas.

“O mercado cobra explicações o tempo todo”, diz Zagottis. “Também existe a pressão por aumentar ao máximo os resultados trimestrais, mas não podemos deixar isso afetar o longo prazo. Nem sempre é fácil explicar essa diferença”, diz. Por enquanto, com as ações em alta, a empresa tem conseguido convencer os investidores de que vale a pena esperar.

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