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O segredo da vida longa da Karsten

Como a catarinense Karsten chegou -- em boa forma -- aos 120 anos

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Da Redação

Publicado em 9 de julho de 2012 às 14h00.

Há 27 anos, Marlene Bur-khardt repete o ritual matutino de montar numa bicicleta e pedalar algumas centenas de metros até chegar ao local de seu primeiro e único emprego. Assim também faziam Alfonso, seu pai, Erwin, seu avô, e o bisavô Nicolau. Os Burkhardt são parte da origem da catarinense Karsten, terceira maior fabricante brasileira de roupas de cama, mesa e banho.

A história se repete com outros sobrenomes de origem alemã, como Schlickmann, Gruetzmacher, Weidgenant, Wagenknecht e Stammerjohann. Fundada há 120 anos em Testo Salto, bairro localizado a 20 quilômetros do centro de Blumenau, a Karsten é um exemplo raro de longevidade combinada com resultados positivos e constantes.

Nos anos 90, durante a pior crise do setor têxtil brasileiro, quando muitas companhias mantinham parques fabris obsoletos e foram abatidas pela abertura do mercado, a Karsten não registrou prejuízo.

É essa constância que a diferencia de outras empresas tão ou mais antigas -- e em alguns casos maiores -- do maior pólo têxtil do Brasil, o Vale do Itajaí. A Hering é de 1880. A Döhler, de 1881, e a Buettner, de 1898. Todas elas passaram por crises das quais a Karsten escapou quase ilesa.

Por quê?

A explicação mais óbvia reside no fato de os Karsten, seus controladores, preocuparem-se com os elementos indispensáveis nesse tipo de negócio. "A empresa tem produtos de qualidade, boa estrutura de capital e um parque industrial moderno, três pontos fundamentais para se dar bem no ramo têxtil", diz Moizes Palma, diretor regional de crédito do banco ABN Amro Real. Esses elementos fizeram da Karsten a maior exportadora brasileira de produtos têxteis para casa.

Os primeiros contratos de exportação foram fechados no início da década de 70. Hoje 40 países compram seus lençóis e suas toalhas. "A Karsten é a única companhia do setor com uma política definida para obter metade do faturamento no mercado externo", diz Ulrich Kuhn, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).


Em 2002, enquanto o setor têxtil ficou estagnado, a Karsten faturou 250 milhões de reais, crescendo 20%, média mantida há três anos.

Para entender o desempenho presente da companhia, é preciso recorrer à história e conhecer um pouco dos valores e das crenças forjados por seu fundador, o imigrante alemão Johann Karsten. Até hoje, eles são repetidos por Carlos Odebrecht, de 60 anos, bisneto de Karsten e atual presidente da empresa.

O conservadorismo financeiro -- traduzido por Odebrecht como "não dar passos maiores que as pernas" -- é um deles. "Na nossa família ninguém joga dinheiro fora", diz ele. Esse conservadorismo tem seu preço. A Karsten permaneceu menor em faturamento e menos conhecida que concorrentes como a Teka e a Artex.

"Essa é uma empresa que não dá grandes saltos e por isso não leva grandes tombos", diz uma analista de um fundo de investimentos que mantém ações da empresa. "Se ousasse mais, poderia ser bem maior do que é."

Embora tenha ações em bolsa -- a família é dona de 55% do capital e 45% estão nas mãos de investidores, entre os quais os fundos Bradesco Templeton e Fator Sinergia --, a Karsten raramente recorre ao mercado em busca de recursos. Prefere reinvestir o que ganha ou recorrer a financiamentos do BNDES.

O lucro da empresa, nos primeiros nove meses de 2002, alcançou 11 milhões de reais. No mesmo período, a Teka, segunda no ramo de cama, mesa e banho, registrou prejuízo de 30 milhões de reais -- conseqüência de dívidas em dólares.

Fugir dos juros e honrar os compromissos em dia são preceitos sagrados do clã. As compras são geralmente pagas à vista, a fim de obter descontos nas faturas. Uma história sobre Odebrecht, contada pelo ex-governador Esperidião Amin, virou folclore em Santa Catarina. Na década de 80, durante uma enchente que fechou lojas e bancos em Blumenau, Odebrecht teria ido de barco até uma cidade próxima só para pagar os impostos que venciam naquela data. "É exagero do governador", diz ele. "Eu não fui de barco."


Nas últimas décadas, uma boa parte dos lucros acumulados com a política da cautela se transformou em máquinas -- um ativo fundamental num setor profundamente afetado pelo desenvolvimento tecnológico.

Pelos critérios da Abit, para ser considerada atualizada, uma empresa têxtil deve ter equipamentos com até seis anos de uso. A maioria das máquinas em operação na Karsten foi adquirida após 1998. Desde então, a empresa investiu 50 milhões de reais para renovar sua fiação e ampliar a tecelagem, o beneficiamento, a confecção e a expedição.

No setor têxtil, mais máquinas geralmente significam menos pessoas. Como é possível, então, que funcionários como Marlene Burkhardt tenham permanecido por tanto tempo trabalhando na Karsten? O crescimento moderado, porém contínuo, da empresa é a melhor explicação para a manutenção e a ampliação dos empregos. Nos últimos dois anos, o número de funcionários passou de 1 800 para 2 500. Entre os novos contratados está Eduard, de 21 anos, estudante de comércio exterior, filho de Marlene e representante da quinta geração dos Burkhardt na empresa.

A Karsten é uma companhia formada por famílias -- a começar pelos controladores. Trata-se de uma influência da cultura e da história da região, colonizada por imigrantes alemães no século 19. A maioria dos funcionários mora em Testo Salto e na vizinha Pomerode, a mais alemã das cidades das redondezas.

Entre 1914 e 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, a Karsten teve de interromper a importação de fio tinto e anilina, seus principais insumos. A maioria dos funcionários teve de retornar às atividades agrícolas até a situação melhorar. Por várias vezes foi assim: quando diminuía a demanda ou faltava matéria-prima, os empregados eram temporariamente dispensados, retornando quando a situação melhorava. O mundo dos negócios mudou muito nos últimos 90 anos.


Não há mais dispensas provisórias nem casas fornecidas pelo patrão, mas o vínculo entre a empresa e várias das famílias da região permanece. Uma escola de ensino fundamental e um ambulatório, instalados dentro da Karsten, são freqüentados por funcionários, familiares e moradores de Testo Alto.

A atual política de recursos humanos inclui o pagamento de um bônus de 7% do salário a quem não faltar durante o mês e a distribuição anual aos funcionários de até 10% do lucro.

Funcionários fiéis, treinados durante anos, são um patrimônio valioso para uma empresa que decidiu focar seus negócios na parcela mais sofisticada do mercado. A Karsten não produz toalhas e lençóis populares. Atua em nichos específicos, com alta rentabilidade -- é considerada, por exemplo, a maior fabricante mundial de toalhas de Natal.

"Não estamos interessados em altos volumes de produção", diz Rejane Jansen, diretora financeira da empresa. "O preço médio dos produtos da Karsten é mais alto que a média nacional", diz Kuhn, da Abit.

Como sempre operou numa faixa específica do mercado, a Karsten optou pela verticalização de sua produção -- faz desde a compra do algodão até a entrega do produto embalado. Fabrica 60% dos fios que consome e compra o restante de outras fiações. "Isso nos garante um controle rigoroso da qualidade", afirma Odebrecht.

A tecelagem é comandada pelos herdeiros do fundador Johann Karsten há quase 100 anos. E, aparentemente, as coisas não devem mudar tão cedo. Carlos Odebrecht (primo do empresário da construção Norberto Odebrecht) foi preparado durante anos para assumir a presidência. No final dos anos 60, mudou-se para a Alemanha, onde estudou engenharia têxtil.

Na volta, cursou economia e passou por todas as áreas da empresa antes de assumir o comando, em 1998. Atualmente, a família está representada na empresa por Odebrecht e pelo vice-presidente João Karsten Neto, de 41 anos, seu primo e filho do presidente do conselho de administração, Ralf Karsten. Odebrecht tem três filhos.

O único homem, Paulo, é estudante de administração, o que não significa que terá lugar garantido no comando da empresa. "Só me preocupo em fazer como sempre fizemos: formar pessoas competentes para dar continuidade ao trabalho", diz Odebrecht. Afinal, foi assim, fazendo como sempre fizeram, que os Karsten garantiram a longevidade do negócio.

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