Revista Exame

Sonho de crescer com o pré-sal virou pesadelo para empresas

O sonho de crescer com a Petrobras e ficar rico com o pré-sal virou pesadelo para centenas de empresários Brasil afora. Sem receber, eles agora processam a petroleira


	Obras do COMPERJ, Rio de Janeiro: fornecedores em dificuldade
 (Agência Petrobras)

Obras do COMPERJ, Rio de Janeiro: fornecedores em dificuldade (Agência Petrobras)

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Da Redação

Publicado em 7 de fevereiro de 2015 às 05h00.

São Paulo - O empresário pernambucano gervásio Tassi Filho fez, em 2008, a maior aposta de sua vida. Comprou mais de 250 ônibus e triplicou o tamanho de sua empresa de transporte. Seu objetivo era atender os 40 000 operários que chegariam à cidade de Ipojuca, em Pernambuco, para as obras da Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras.

Hoje, como se sabe, a refinaria é caso de polícia. Os custos explodiram, e a obra, que custaria 2,5 bilhões de dólares, não sairá por menos de 20 bilhões. Numa tentativa de conter o estrago, a Petrobras decidiu dificultar a vida das empresas contratadas para tocar a obra. Não demorou para que as peças do dominó caíssem, uma a uma, até derrubar o fornecedor do fornecedor do fornecedor — Tassi Filho, hoje dono de 350 ônibus, sentiu o impacto.

Seus clientes, as empreiteiras Alumini, TKK Engenharia e Egesa, pararam de receber da Petrobras e, portanto, pararam de pagar. Em dezembro, Tassi Filho colocou parte dos ônibus à venda — e decidiu processar a Petrobras e as empreiteiras.

Na última década, milhares de empresários brasileiros viram na Petrobras a maior oportunidade que teriam na vida. Quando a estatal descobriu o pré-sal, estimava-se que seriam necessários investimentos de 600 bilhões de dólares para tirar o projeto do papel. Quem entrasse na onda ganharia uma fortuna. Hoje, a crise desses fornecedores é a consequência menos visível do rolo em que a Petrobras se meteu.

Com o caixa secando e agora pressionada pelo escândalo da Operação Lava-Jato, a maior empresa do Brasil vem tornando a vida de seus fornecedores um inferno: contratos revistos, obras suspensas, pagamentos que demoram uma eternidade. Essas empresas começaram, agora, a reagir: a Petrobras está sendo processada por centenas de empresários país afora. O sonho do pré-sal foi parar na Justiça.

A Petrobras estima que os processos de que é alvo somem 86 bilhões de ­reais, segundo seu último balanço publicado. Há dois anos, essa conta era de 45 bilhões de reais. Isso não quer dizer, claro, que a empresa vai perder tudo. Mas os custos com perdas concretas também são crescentes.

As perdas anuais com processos, depósitos judiciais e provisões para ações em curso chegaram a mais de 10 bilhões de reais, duas vezes mais do que em 2011. Cada obra da Petrobras é, hoje, uma disputa judicial em potencial. A estatal foi notificada de sete arbitragens referentes a um único projeto, a Refinaria Abreu e Lima. Segundo ­EXAME apurou, os sete processos discutem a quantia de 6,8 bilhões de ­reais.

Efeito dominó

A multiplicação de processos está diretamente relacionada à forma como a Petrobras se propaga na economia brasileira. Segundo a consultoria LCA, cada real investido pela estatal corresponde a 3 reais a mais na economia do país graças à receita de construtoras, fabricantes de pré-moldados ou restaurantes e alojamentos. Cerca de 17 000 empresas fazem parte desse universo.

Para cada funcionário da Petrobras, há quatro terceirizados — são 350 000 pessoas que dependem, direta ou indiretamente, das decisões da petroleira. Quando a Petrobras cresce, puxa centenas de pequenas e médias empresas com ela. Quando a estatal para, o efeito dominó é imediato. Exemplo disso é uma das empresas do consórcio da Abreu e Lima, a Alumini, investigada na Lava-Jato.

Duas arbitragens foram iniciadas pela companhia nos últimos três meses, cobrando 1,2 bilhão de reais da Petrobras. A Alumini alega falta de pagamento da estatal e, em decorrência, pediu recuperação judicial, não pagou 6 000 funcionários e é alvo de uma ação do Ministério Público do Trabalho.

Algumas dezenas de empresas, por sua vez, processam a Alumini e chegam a incluir a Petrobras como corresponsável — companhias como a Igarassu Turismo, que hospedava funcionários, as fabricantes de esquadrias metálicas Fametal e Alumitec e a empresa de perfuração Drill-Tec. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção de Pernambuco também processa a Alumini e a Petrobras, exigindo que a estatal assuma as dívidas de salários e encargos.

A fase litigiosa é uma consequência até certo ponto esperada de uma mudança de atitude da Petrobras. Há pouco mais de dois anos, Graça Foster assumiu a presidência da companhia e começou um pente-fino nos projetos. Logo ficou claro que o dinheiro estava acabando mais rápido do que as obras.

Só o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) custaria 6,5 bilhões de dólares a mais, com atraso de quatro anos, e a Petrobras ainda tinha pela frente um plano de investimento de mais de 300 bilhões para executar até 2018. Para manter o plano, era preciso economizar.

Prestadores de serviço de engenharia com mais de 1 000 funcionários, como Tenace e Conduto, foram atingidos (a primeira faliu e a outra está em recuperação judicial). Em novembro, quando a Polícia Federal prendeu 34 executivos e sócios de construtoras, o que já estava difícil para os fornecedores ficou dramático.

Em dezembro, 23 empresas que teriam feito contratos com a estatal de forma fraudulenta foram proibidas pela Petrobras de participar de novas concorrências. A petroleira aproveitou todas as brechas contratuais para rescindir contratos — foram 30 rescisões em 2014, a maioria em novembro e dezembro.

Companhias que não estão sob investigação, mas participavam dos consórcios, também sentiram o baque e, com pagamentos atrasados, começaram a ser processadas por seus fornecedores — caso da empresa de engenharia Proenge-Projetos e da Construtora Barbosa Mello. Assim, os problemas começaram a se espalhar pelas obras e pelos estados.

A Souza Neto Engenharia, que prestava serviços para a Petrobras no Rio Grande do Norte e em Sergipe, teve os pagamentos bloqueados pela Justiça em janeiro por atrasar o salário dos empregados, à espera de renegociações com a Petrobras.

Os acionistas da Petrobras também partiram para a briga. Uma ação coletiva foi iniciada nos Estados Unidos em novembro pelo escritório Wolf Popper, após as ações da Petrobras desvalorizarem 50%. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários tem seis processos em curso sobre a Petrobras, a pedido de acio­nistas.

É impossível dimensionar o impacto financeiro das ações de investi­dores, fornecedores e trabalhadores pa­ra a estatal, uma vez que os riscos são distintos e muitas delas foram protocoladas há pouco mais de um mês. A Petrobras já conseguiu se livrar de al­guns processos em que era ré provando que o contrato não era dela.

Por e-mail, a companhia afirma que não é responsá­vel, por exemplo, pelos salários de empresas terceirizadas, “conforme a legislação vigente” — ainda assim, já foi obrigada nos últimos dois meses pela Justi­ça a fazer depósitos para pagamento de funcionários de fornecedores. O pré-sal chegou à Justiça — e, a partir de agora, ninguém sabe onde pode parar.

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