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“O mercado não fica de mau humor”, diz Nobel de Economia

Para o Nobel de Economia Daniel Kahneman, os investidores erram ao analisar o mercado financeiro como se fosse uma pessoa e tentar prever seu comportamento

Kahneman: “A postura dos brasileiros parece contraditória” (Craig Barritt/Getty Images)

Kahneman: “A postura dos brasileiros parece contraditória” (Craig Barritt/Getty Images)

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Letícia Toledo

Publicado em 24 de agosto de 2017 às 05h55.

Última atualização em 24 de agosto de 2017 às 05h55.

O primeiro emprego do psicólogo Daniel Kahneman foi no equivalente ao departamento de recursos humanos do Exército de Israel na década de 50. Recém-formado, Kahneman tinha a missão de melhorar a maneira como os soldados eram contratados — e ele resolveu isso, basicamente, reduzindo ao máximo a participação dos entrevistadores no processo. Padronizou as entrevistas, atribuiu notas às respostas e criou um modelo que, com pequenas mudanças, é usado até hoje, com resultados reconhecidos mundialmente. Depois disso, passou décadas estudando como as pessoas tomam decisões.

A tese que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia de 2002, escrita em parceria com seu colega Amos Tversky (morto em 1996), coloca em xeque a ideia de que somos essencialmente racionais. Por meio de experimentos, eles mostraram que nossas decisões são influenciadas por questões objetivas, mas também por sentimentos, crenças e intuição. Kahneman, que participará de um evento em São Paulo no fim de agosto, disse a EXAME que um dos grandes erros dos investidores é analisar o mercado financeiro como se fosse uma pessoa — que fica de mau humor, com medo, otimista — e, assim, achar que pode prever como ele vai se comportar.

EXAME — Apesar dos riscos geopolíticos e das dúvidas quanto à recuperação da economia mundial, as bolsas da maioria dos países continuam subindo. Os investidores estão sendo irracionais?

KAHNEMAN — Muitos pensam no mercado financeiro como se ele fosse uma pessoa, que tem personalidade e sentimentos. É comum ouvir que o mercado está otimista ou com medo. Por causa dessa personificação, muitos investidores acham que entendem o mercado e sabem como ele tende a se comportar, mas isso é uma ilusão. O mercado não tem uma única personalidade. Há muitas pessoas envolvidas: algumas têm mais dinheiro, outras são mais sofisticadas, outras usam computadores para negociar. Cada uma delas responde de um jeito ao ambiente em que vive.

Esse conjunto forma o mercado. Se alguém conseguisse explicar por que os mercados sobem ou descem, conseguiria prever seus movimentos; mas ninguém pode fazer esse tipo de projeção. Meu trabalho foi tomado como um indicativo de que as pessoas não são racionais, mas isso não é verdade. Minha conclusão é que não dá para afirmar que todo mundo pensa racionalmente o tempo todo. É possível que parte dos investidores esteja fazendo bobagem, mas é claro que há quem saiba o que está fazendo.

O Brasil vive uma crise política e econômica. Como tomar boas decisões de investimento num ambiente de tamanha incerteza?

Quando há grande incerteza sobre o futuro, as pessoas tendem a evitar riscos. Fazem investimentos mais conservadores e gastam menos. Faz sentido, mas não é o que está acontecendo no Brasil. A postura dos brasileiros parece contraditória. Sabe-se que é preciso cortar despesas — das próprias famílias e do governo —, mas as medidas duras são adiadas. Isso pode estar acontecendo porque, por alguma razão, existe uma expectativa de melhora no futuro. 

Usar softwares para tomar decisões de investimento pode evitar esses erros mais comuns?

Depende. No curto prazo, os computadores investem melhor do que as pessoas, principalmente porque são mais ágeis ao decidir o que comprar e vender. Eles conseguem analisar uma quantidade maior de dados em menor intervalo de tempo. Mas ainda não surgiram computadores capazes de superar o ser humano nas análises de longo prazo — ao planejar investimentos estratégicos, por exemplo. Mas, dado o rápido desenvolvimento dos computadores, eles deverão conseguir fazer isso em breve.

O empresário Elon Musk afirmou que a inteligência artificial pode ameaçar a sobrevivência da humanidade. O senhor concorda?

Sou um entusiasta quanto às habilidades da inteligência artificial. Ao olhar para o que a inteligência artificial pode fazer, é difícil não ficar empolgado. O problema são as consequências que essa tecnologia pode trazer para a humanidade. Então, tendo a concordar com Musk.

Que consequências?

Ao mesmo tempo em que pode ajudar as pessoas a tomar decisões melhores e resolver problemas, pode deixar muita gente sem emprego num futuro próximo. Muitas pessoas perderão seus empregos e não poderão fazer mais nada para contribuir para a economia. Alguns economistas dizem que esse cenário catastrofista já foi proclamado em outras ocasiões no passado, quando houve inovações tecnológicas, e nunca se tornou realidade. É verdade, mas estamos diante de uma situação diferente. Não tenho certeza de que o efeito geral para a humanidade será positivo.

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