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O lado B do Google corrói sua imagem de empresa do bem

A empresa que tem como mote “Não seja do mal” é acusada de roubar dados de redes Wi-Fi, trapacear no site de buscas, ajudar os espiões americanos...

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Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2013 às 13h06.

Nova York - No início de setembro, em meio à celeuma internacional gerada pela descoberta do esquema de espionagem digital do governo americano, uma decisão judicial trouxe novamente à tona outro caso de bisbilhotagem online.

Ele é menos abrangente e menos grave do que o que envolve a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) — mas tem a ver com o Google, empresa que faz parte do dia a dia de qualquer pessoa que entre na internet.

Em decisão unânime, três juízes afirmaram que o processo que corre contra o Google por violação da privacidade das comunicações deve seguir em frente na Justiça americana. O caso não é novo.

Há pelo menos três anos, sabe-se que os carros que fotografaram as ruas das cidades que fazem parte do serviço Street View também recolheram uma enorme quantidade de dados que circulavam por redes Wi-Fi desprotegidas: senhas, imagens e outros tipos de informação pessoal.

Em sua defesa, o Google afirma que a coleta foi obra de um único programador: o software teria sido incluído maliciosamente no sistema de captura de imagens para o Street View. Além disso, argumenta a empresa, as comunicações circulavam de forma desprotegida e, portanto, seriam de acesso público.

Mas a Justiça americana não comprou nenhum dos dois argumentos, e o processo pode se tornar uma ação coletiva, o que representa potenciais indenizações milionárias para as vítimas dessa intromissão.

Para uma companhia que faturou 51 bilhões de dólares no ano passado, o custo da reparação judicial não é o mais alto. O que importa para o Google é convencer seus milhões de usuários mundo afora de que seu famoso mote — “Não seja do mal” — continua verdadeiro. 

Junto com o governo americano, a indústria de tecnologia está acuada por causa das revelações do vasto esquema de espionagem digital. Uma das suspeitas que recaem sobre as empresas do Vale do Silício, entre elas o Google, é que elas teriam facilitado o trabalho dos espiões, o que no linguajar técnico se chama criar “portas dos fundos”, acessos escondidos cuja função é permitir a bisbilhotagem sem o conhecimento dos donos.

O Google negou qualquer colaboração com o governo americano e ampliou os esforços para criptografar os dados que correm por seus servidores. Mas a boa vontade que sempre cercou a empresa, com seus fundadores excêntricos, seu ambiente de trabalho colorido e descontraído e sua proclamada missão de “fazer o bem”, está dando lugar a uma sensação de desconfiança, ou pelo menos de cautela.

Essa ambiguidade tem se tornado uma constante para o Google. A empresa que nasceu como um buscador da web tem hoje inúmeros pontos de contato digitais com seus usuários: e-mails, mapas, redes sociais, compras. Com a possível exceção do Facebook, ninguém sabe mais que o Google sobre as idas e vindas online de bilhões de pessoas mundo afora.


Muitas vezes, essas informações são entregues voluntariamente — mas nem sempre esse é o caso, como mostra o episódio do Street View. “As pessoas ainda não sabem qual é o ponto ideal entre a exposição na internet e o controle da vida privada”, diz Alessandro Acquisti, pesquisador da Universidade Carnegie Mellon especializado no assunto. “Vivemos um paradoxo da privacidade: ao mesmo tempo que gostamos de exposição, queremos controle. Navegar essa questão é fundamental para empresas como o Google.”

A erosão da boa vontade para com o Google não acontece só por causa da questão da privacidade. Há cerca de três anos, a Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, investiga acusações de que a empresa mantém uma política anticompetitiva no continente.

Entre as alegações está o bloqueio de concorrentes nas buscas: ao exibir os resultados para uma pesquisa sobre viagens, por exemplo, o Google estaria propositalmente omitindo serviços de seus concorrentes, como o americano Expedia, o britânico Foundem e o francês Twenga.

No início de setembro, o Google apresentou uma nova proposta à comissão com o objetivo de evitar uma multa de até 5 bilhões de dólares. Em julho, um primeiro pacote de concessões oferecido pela empresa foi considerado insuficiente.

Outra frente na qual o Google tem enfrentado os diligentes reguladores europeus diz respeito à relação da companhia com as empresas de mídia, que veem os inovadores do Vale do Silício como sanguessugas. Depois de meses de discussões, um grupo de jornais, revistas e web­sites franceses decidiu assinar uma trégua com a empresa.

Eles vão receber 60 milhões de euros ao longo de três anos para desenvolver suas operações digitais (muito pouco diante das receitas estimadas no país: 1,5 bilhão de euros). Mas o caso mais emblemático é o da imprensa alemã. A associação que reúne as companhias de mídia do país reclamava que, ao publicar links e pequenos trechos de reportagens no serviço Google News, o Google estaria se apropriando do produto alheio.

A solução encontrada pelos alemães é exemplar de outra ambiguidade no que diz respeito ao Google. Decidiu-se que as empresas jornalísticas não seriam automaticamente adicionadas ao serviço Google News — quem quisesse exposição na página teria de se registrar voluntariamente. O resultado? Todas elas optaram por continuar sendo exibidas no serviço. 

O Google compete pelas mesmas receitas de publicidade do negócio da mídia — e por isso é considerado um inimigo. Mas, ao mesmo tempo, é essencial para alcançar os leitores: um aliado, portanto.

Como o Google vai manter esse delicado equilíbrio — entre o vale-tudo da internet e o respeito à privacidade, entre a concorrência saudável e as tendências monopolísticas, entre a disseminação e a concentração do conhecimento — é uma questão que não poderá mais ser respondida com um simples mote “Não fazer o mal”.

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