Murilo Ferreira, na sede da Vale: para ele, é preciso “desestressar” a companhia (Eduardo Monteiro/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 9 de junho de 2011 às 14h03.
Nenhum outro processo de sucessão em empresas brasileiras foi tão ruidoso quanto a recente troca de comando na Vale, maior companhia privada do país.
Escolhido para substituir Roger Agnelli, o executivo Murilo Ferreira, de 57 anos, tem pela frente o desafio de manter a mineradora em rota de crescimento e provar ao mercado que eventuais interferências do governo não vão se sobrepor aos interesses dos acionistas. Em sua primeira entrevista individual desde que assumiu o cargo, Ferreira conta como pretende comandar a Vale.
EXAME - O senhor será inevitavelmente comparado a Roger Agnelli, que comandou a Vale numa fase de resultados extraordinários. Como se sente em relação a isso?
Murilo Ferreira - Sinto orgulho de ter feito parte dessa equipe que teve resultados extraordinários. E também quero trazer resultados extraordinários.
EXAME - É possível administrar a Vale como uma empresa privada tendo o governo como o maior acionista?
Murilo Ferreira - Se você estiver se referindo à Previ e ao BNDES, não os vejo como agentes de governo. A Previ é uma entidade privada que trabalha para chegar aos melhores resultados. O BNDES tem uma posição como investidor e outra como financiador. Não vejo separação entre os objetivos do governo e os da empresa.
Eles são complementares. Para implantar uma mina, é preciso conversar com os governos federal, estadual e municipal. É preciso bater na porta, pedir licença para entrar. É assim em todo o mundo. São interesses compatíveis, desde que haja um diálogo franco, aberto e construtivo.
EXAME - O senhor quer dizer que o governo brasileiro não interfere mais do que os outros governos?
Murilo Ferreira - Garanto que não. Isso é um grande equívoco dos brasileiros.
EXAME - O senhor tem exemplos disso?
Murilo Ferreira - A pressão para investimento em siderurgia é corrente na maioria dos países que possuem recursos naturais. No Canadá, por exemplo, os antigos donos da Inco tiveram de instalar uma refinaria de níquel em Newfoundland, a pedido do governo da província, embora o ideal fosse produzir minério em Voisey’s Bay e processar onde houvesse capacidade ociosa. A Alcan também teve de verticalizar a operação em seu projeto na Austrália.
EXAME - Qual será a posição da Vale em relação à siderurgia?
Murilo Ferreira - O objetivo é obter mercado para nosso minério no Brasil, porque a participação da Vale tem caído aqui. As siderúrgicas brasileiras não têm construído novas unidades. Pelo contrário, elas estão se tornando mineradoras. Temos interesse em participar de siderúrgicas nas quais, de preferência, não sejamos líderes. Em algumas circunstâncias até seremos líderes, mas, quando o projeto estiver maduro, a Vale sai.
EXAME - Por que, então, os analistas pregam que investir em siderurgia não é um bom negócio para a mineradora?
Murilo Ferreira - Acho que eles deveriam analisar nossa perda de participação no mercado interno. Se olhassem esses números, recomendariam que a Vale recuperasse o mercado brasileiro.
A Vale vai pagar os 4 bilhões de reais que o Departamento Nacional de Produção Mineral considera que a empresa deve?
Murilo Ferreira - Vamos discutir para chegar a uma solução por meio do diálogo. Se não for possível um entendimento pelo diálogo, existem fóruns apropriados para chegarmos a uma solução final. Já trabalhei na Vale por muitos anos e sei que a companhia obedece rigorosamente todas as legislações. Mas quero entender melhor a situação.
EXAME - O senhor disse que sua primeira missão é desestressar a companhia e livrá-la da cultura do medo. O que isso significa?
Murilo Ferreira - A Vale teve um processo de crescimento vertiginoso — e me incluo nesse processo porque estive na empresa durante 11 dos últimos 13 anos. Um crescimento tão forte como esse traz efeitos dolorosos.
Às vezes, as pessoas são chamadas a executar tarefas para as quais não estão maduras. Temos de nos preocupar com a performance, com a excelência? Sim, sempre. Mas ocorrerão equívocos e não podemos ter medo da má notícia. Quando a má notícia se transforma num processo dramático, as pessoas começam a omiti-la por temer suas consequências.
EXAME - Mas houve erros escondidos?
Murilo Ferreira - Não diria que foram escondidos, mas que precisam ser mais bem debatidos, como os acidentes de trabalho (a empresa teve 11 acidentes fatais em 2010). Talvez eles se repitam por não terem sido devidamente dissecados. Eu tenho perguntado: daria para ter feito melhor e evitado o acidente? E tenho ouvido um número grande de vezes que “sim, poderíamos ter feito melhor e evitado o problema”.
EXAME - Dá para ter bons resultados sem estressar as equipes?
Murilo Ferreira - Claro que dá. Sou tido como uma pessoa exigente. Sou viciado em indicadores. É muito importante procurar a excelência, mas não se pode fazer da busca pela excelência um mau humor generalizado dentro da empresa.
EXAME - O senhor foi sabatinado pelo governo para assumir a Vale?
Murilo Ferreira - Não. Não falei com ninguém do governo, apesar de os jornais e de as revistas terem dito que fui aprovado pela presidente Dilma Rousseff. Infelizmente, não tive a honra de falar com ela.
EXAME - Que relação o senhor tem com a presidente Dilma?
Murilo Ferreira - Eu a considero uma das grandes gestoras com quem tive a oportunidade de trabalhar. Sentamos à mesma mesa para discutir questões do novo modelo de comercialização de energia elétrica em 2003 e 2004.
Ela tem uma característica de que gosto muito: vai fundo em cada aspecto do assunto até ser convencida. Depois que Dilma saiu do Ministério de Minas e Energia, não tivemos mais oportunidade de conversar. E eu digo isso desde aquela época, quando nem se cogitava que ela seria presidente.
EXAME - Quem foram seus interlocutores durante a negociação para assumir a presidência da Vale?
Murilo Ferreira - O Ricardo Flores, da Previ, e o senhor Lázaro Brandão, do Bradesco.
EXAME - O que exatamente motivou sua saída da Vale Inco, em 2009?
Murilo Ferreira - Eu considerei que tinha encerrado meu ciclo como diretor executivo. A Vale Inco deu resultados excelentes em 2007 e 2008. Batemos recordes de produção que nunca tinham sido atingidos nos 107 anos de história da empresa.
EXAME - É verdade que o senhor não concordou com as demissões de 900 funcionários da Vale Inco porque ainda faltava um ano para finalizar o contrato de não demissão com o sindicato dos trabalhadores?
Murilo Ferreira - Na aquisição da Inco, em outubro de 2006, firmamos um acordo válido por três anos. Uma coisa que eu posso garantir é que fui um guardião daquele acordo. Para mim, contratos são feitos, assinados e respeitados.
EXAME - Como ficou a relação do senhor com os executivos Tito Martins e José Carlos Martins, que estavam entre os mais cotados para ocupar a presidência da Vale?
Murilo Ferreira - Considero que está muito boa. Somos amigos de longa data. Dias atrás fui jantar na casa do Martins. Recentemente, minha mulher arrumou uma babá para a mulher do Tito.
EXAME - A Vale atingiu excelentes resultados nos últimos anos, e parte deles se deve ao cenário internacional favorável. Até quando será possível contar com essa situação?
Murilo Ferreira - O mundo está num ciclo diferente. As partes mais populosas do planeta estão demandando casas, carros, geladeiras, tudo o que consome muita matéria-prima. As relações de troca mudaram. Em 1996, paguei 3 500 dólares pelo meu primeiro notebook.
Naquela época, o minério de ferro era cotado a 17 dólares. Hoje, compro um computador por 1 000 dólares, mas a tonelada de minério custa cerca de 150 dólares. Não vejo razões para esse cenário ser interrompido.