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A Ermenegildo Zegna se renova. É o fim da gravata?

Gildo Zegna, herdeiro da centenária grife italiana, quer democratizar o uso do terno e conquistar a nova geração de consumidores. Está conseguindo

Gildo Zegna: doação da família de 3 milhões de euros para  a Proteção Civil na Itália  (Ermenegildo Zegna/Divulgação)

Gildo Zegna: doação da família de 3 milhões de euros para a Proteção Civil na Itália (Ermenegildo Zegna/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2018 às 05h30.

Última atualização em 8 de novembro de 2018 às 05h30.

Gildo Zegna, herdeiro da família fundadora e presidente da grife que leva seu nome, está elegantemente sentado, com as pernas cruzadas, em uma poltrona de couro na loja Ermenegildo Zegna, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Veste costume de lã fria azul-royal, mas sem gravata. No pescoço, usa cachecol azul-claro de cashmere, quase como um xale.

“Muita gente diz que o terno morreu”, diz Gildo, num inglês italianado. “Eu não acredito. O terno está vivo e com saúde, dependendo de como você usa.” E a gravata, Gildo? “A gravata está morta?”, pergunto. “A gravata… [suspira]. Digamos que a gravata não é o item mais popular hoje [risos]. Está mais difícil usar, a não ser em reuniões mais sérias de negócios ou em eventos muito formais. Está doente, mas acho que ainda pode viver [risos].”

O avô de Gildo, il signore Ermenegildo Zegna, criador da grife em 1910, não devia tirar a gravata nem para dormir. Outra época, dirá você. Verdade. Novos tempos pedem novos produtos. Quer um sinal? Mais da metade dos calçados vendidos na Zegna não são os mocassins de couro de bezerro, como os que Gildo usa durante nossa conversa, e sim sneakers.

Sneaker, para quem não está familiarizado com o termo, é aquele tênis de sola bem grossa, cores chamativas e gosto duvidoso que chega a custar 3.000 reais o par. Agrada aos millennials, e não aos tradicionais clientes da marca, que pagam costumes sob medida de 20.000 reais fabricados com o melhor lanifício do mercado, boa parte procedente de uma fazenda de 6.300 acres na Austrália, onde são criadas 10.000 ovelhas.

Também para falar com esse jovem consumidor, a Zegna lançou recentemente um costume que pode ser lavado na máquina, como se fosse uma camiseta de algodão. É feito de um tecido sintético de criação própria chamado techmerino. “No passado, inovar o produto e ter um bom serviço eram as premissas do mercado de luxo”, diz Gildo. “Hoje, a estratégia de comunicação também é fundamental. Tentamos traduzir isso em um storytelling convincente por meio de nossas mídias sociais.”

Desconstrução: peças de cores chamativas e sneakers nos pés no desfile da marca na Semana de Moda de Milão | Pietro D’aprano/Getty Images

Desde o ano passado está no ar a campanha Momentos Decisivos. Já teve Robert de Niro e hoje mostra os atores Dev Patel e Javier Bardem como se fossem dois amigos se divertindo em museus, num set de filmagem na neve. A mensagem é que os momentos de hoje se tornam as memórias preciosas de amanhã. “É uma situação em que todo mundo se identifica, uma forma de trazer o consumidor para perto de nós.”

As campanhas do Instagram também contam com influenciadores como o cantor coreano de K-Pop Oh Se-Hun e o chinês William Chan, celebridades da Ásia, maior mercado da Zegna (e do setor de luxo em geral), e viraram inspiração, inclusive no Brasil. “É interessante ver como a Zegna colocou dois homens de idades diferentes interagindo, como eles se conectam, de um jeito divertido”, afirma Richard Stad, presidente da rede de lojas de roupas masculinas Aramis. “O engajamento desse novo consumidor passa por misturar as linhas casual e alfaiataria e trazer histórias reais de pessoas comuns na comunicação. É o que temos feito.”   

Um dos lemas da Zegna é from sheep to shop, from shop to screen (da ovelha para a loja, da loja para a tela), que resume a forma como a matéria-prima da mais alta qualidade se transforma em produtos de desejo que depois são comunicados, anunciados e vendidos nos meios online. Sem coleções atuais, no entanto, seria apenas marketing vazio.

O viés moderno e antenado da Zegna tem a assinatura do diretor criativo Alessandro Sartori. Hoje, o papel dos estilistas nas grifes de moda se compara ao dos técnicos de futebol nos grandes clubes europeus. São contratações milionárias, amplamente alardeadas pela mídia especializada, com um trabalho que dura em geral de três a quatro anos. Sartori chegou em 2016 para fortalecer, principalmente, a parte de acessórios de couro, considerada a porta de entrada para o mercado de luxo. Antes, estava na Berluti, marca de sapato do grupo francês de bens de consumo de luxo LVMH.

“O diretor criativo é peça-chave hoje”, afirma Gildo. “Ele precisa criar aderência com o que o mercado quer e estar alinhado com o DNA da marca. Sartori conhece bem a Zegna, sabe unir a tradição com a modernidade. Tem um approach moderno, traz novas ideias, trabalha bem as cores, as silhuetas.” E é italiano, comento. Isso é importante para a Zegna? “Sim, é uma vantagem”, responde. “Ele é mais do que italiano, é de Trivero”, diz Giulia Pessina, diretora global de comunicação da Zegna, que acompanha a entrevista, fazendo referência à cidade onde a marca foi fundada e tem sede até hoje (na verdade, Sartori é de Biella, um povoado a 25 quilômetros de Trivero).

A estratégia vem dando certo. A Ermenegildo Zegna é líder mundial em moda masculina de luxo, com mais de 6.500 funcionários em todo o mundo e receita de 1,5 bilhão de dólares em 2017. Em agosto, o grupo comprou a grife americana Thom Browne, que faz uma alfaiataria descontraída, marcada pelas calças bem curtas, por estimados 500 milhões de dólares. Na ocasião, Gildo disse que a aquisição levou em conta o apelo da marca em falar com os millennials. No Brasil, a presença da Zegna é proporcional ao nosso mercado. Das 504 lojas no mundo, só quatro estão por aqui, três em São Paulo e uma em Curitiba.

No dia seguinte à nossa conversa, Gildo Zegna participou da mesa de abertura do Iguatemi Talks, uma série de conferências sobre moda realizada pela rede de shopping centers, em São Paulo. Chega o momento das perguntas da plateia, e uma jornalista dispara: “Você fala muito da preocupação com os novos clientes, mas como está se preparando para a geração Z [aqueles nascidos do fim dos anos 90 para cá]?” Ao que Gildo responde, entre risadas: “Calma, calma. É muito cedo para falar neles. Ainda estamos tentando consertar os millennials”. 

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