Revista Exame

“O Brasil tem de fazer mais pelas crianças”

Para o economista-chefe da área social do Banco Interamericano de Desenvolvimento, reduzir a mortalidade infantil é apenas o começo

Norbert Schady, do BID: “Intervenções nos três primeiros anos de vida são cruciais” (Germano Luders/Exame)

Norbert Schady, do BID: “Intervenções nos três primeiros anos de vida são cruciais” (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 16 de dezembro de 2015 às 04h56.

São Paulo — O alemão Norbert Schady, economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a área social, costuma viajar pela América Latina com dois focos principais de atenção: a necessidade de os países da região dar mais atenção às crianças de zero a 3 anos e também de medir o impacto de seus programas sociais.

Numa recente visita a São Paulo, Schady concedeu a seguinte entrevista a EXAME.

Exame - O Brasil cuida bem de suas crianças?

Norbert - O país fez um bom trabalho na redução da mortalidade infantil. Coletou dados sobre desnutrição e mortalidade das crianças, identificou as áreas mais afetadas e executou políticas públicas. Ao fazer isso, ajudou a criar um consenso.

Passou a ser inaceitável que mais de 50 crianças de cada grupo de 1 000 morressem. Agora é hora de coletar dados sobre o desenvolvimento das crianças até 3 anos, o nível do vocabulário e das habilidades cognitivas, sociais e emocionais delas. O Brasil precisa fazer mais por suas crianças.

Exame - De que forma esses dados podem ajudar?

Norbert - Sem dados, o problema vai continuar invisível. É urgente medir o desenvolvimento das crianças e criar um consenso: todas devem começar a vida com todo o seu potencial.

Exame - Por que não esperar que essas crianças cheguem à pré-escola?

Norbert - Pesquisas sobre o cérebro indicam que laços estáveis entre a criança e os adultos e estímulos são tão importantes quanto a comida para o desenvolvimento.

Várias evidências demonstram que a qualidade do cuidado recebido nos primeiros anos de vida é crítica e tem consequências sérias para o futuro. Quem recebe a atenção adequada costuma ter, quando adulto, QI mais elevado, desempenho acadêmico superior, salário maior e menos problemas com a polícia.

Exame - Os testes que medem o desenvolvimento infantil não são falhos?

Norbert - Os testes não são perfeitos, mas isso não é desculpa para deixar de usá-los. Alguns especialistas dizem que altura não é um indicador perfeito de desnutrição. Testes que medem o desempenho acadêmico de crianças maiores e de adolescentes, como o Pisa, também têm seus problemas.

Exame - Cuidar de crianças muito pequenas não é uma responsabilidade exclusiva das famílias?

Norbert - As famílias devem cuidar de seus filhos sempre, não apenas quando são pequenos. Hoje todos concordam que seria um absurdo o Estado não oferecer educação a uma criança de 7 anos. Falta perceber que também é uma aberração não ter uma política pública eficaz para a primeira infância.

Exame - Quais políticas poderiam ser adotadas para que as crianças tenham um bom desenvolvimento?

Norbert - Muitas famílias acham que não faz sentido conversar, ler e brincar com uma criança que ainda não fala. Agentes públicos podem fazer visitas domiciliares para incentivar esses pais a estimular seus filhos. O Estado também deve oferecer creches de qualidade. Em geral, as pessoas acham que uma boa creche é aquela que tem um prédio bonito. Mas não é assim. O crucial é a qualidade dos funcionários.

Exame - Deixar uma criança numa creche pode ser pior do que deixá-la em casa?

Norbert - Com certeza. Por isso, é preciso avaliar constantemente a qualidade das pessoas que trabalham em creches.

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