Revista Exame

O Brasil na mira dos investidores

O setor de saúde privada vive a maior expansão de sua história no país. Está aberta a temporada de aquisições de hospitais, farmácias, laboratórios...

Sala de cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo: o setor foi o último a despertar o interesse de fundos de investimento (Heudes Regis /Veja São Paulo)

Sala de cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo: o setor foi o último a despertar o interesse de fundos de investimento (Heudes Regis /Veja São Paulo)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

O setor de saúde no Brasil nunca foi exatamente uma área de negócios palpitante. Altamente regulado pelo Estado — é dos cofres públicos que sai boa parte dos 67 bilhões de reais anualmente investidos no país —, o setor sempre pareceu viver num mundo à parte, alheio à agitação do restante da economia. Mas desde 2009 uma série de transações envolvendo hospitais, laboratórios e farmácias pôs fim ao marasmo nos negócios.

Em julho, o BTG Pactual, do banqueiro André Esteves, formou a quinta maior rede de farmácias do país ao adquirir o controle da última de uma série de três empresas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Batizada de BR Pharma, a rede do BTG conta hoje com 510 lojas e um faturamento anual de 1,3 bilhão de reais. Dois meses depois, o fundo americano de private equity Carlyle, um dos maiores do mundo, pagou 500 milhões de dólares pelo controle da Qualicorp, uma gestora de planos de saúde criada há 12 anos pelo empresário José Seripieri Júnior, então um corretor independente de seguros. Por fim, no início de setembro, a Rede D’Or de hospitais (que tem entre seus controladores o próprio BTG Pactual) adquiriu o tradicional Hospital São Luiz, em São Paulo, por estimado 1 bilhão de reais. A operação criou, numa só tacada, o maior grupo privado de hospitais do país, com 17 unidades, 20 000 funcionários e um faturamento de 2,3 bilhões de reais. Esses foram os maiores negócios num universo crescente de operações de consolidação. Ao todo, foram realizadas 31 operações envolvendo empresas ligadas ao setor de saúde num período de um ano e meio — movimentando quase 10 bilhões de reais. É, de longe, a maior onda de investimentos privados no setor nos últimos 20 anos. “Os investidores parecem ter descoberto um novo filão”, diz Roberto Leuzinger, da consultoria Booz & Co. “O setor de saúde brasileiro finalmente entrou na rota do capital privado.”

A explicação para esse movimento é tão simples quanto óbvia — o mercado brasileiro de saúde já é o sexto maior do mundo e deve crescer 20% neste ano, três vezes mais do que a economia como um todo. O Brasil já é o nono maior consumidor mundial de medicamentos e a previsão é que alcance a sétima posição em quatro anos. Na área de planos de saúde, o crescimento foi de 25% nos últimos cinco anos, uma expansão avassaladora para um setor que até pouco tempo atrás era marcado pelo alto nível de informalidade. O resultado é uma série de aquisições como há muito não se via no país. Só no ano passado — e a despeito da crise —, foram realizadas 12 operações de fusões e aquisições envolvendo empresas da área de saúde, num total de 3,4 bilhões de dólares. E tudo leva a crer que a situação deverá se repetir neste ano. Entre janeiro e junho, foram registrados19 negócios desse tipo. “Com o crescimento da economia e da renda, mais pessoas terão carteira assinada”, diz Amedeu Papa, da consultoria Alvarez & Marsal. “Essas pessoas passarão a consumir mais serviços de saúde.” De 2000 para cá, 14 milhões de brasileiros foram incorporados ao mercado de planos de saúde. Além disso, o aumento da expectativa de vida deve dar fôlego extra ao setor — espera-se que até 2050 a população brasileira tenha 64 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade, ante os atuais 19 milhões.


É especialmente atrás desses negócios que estão os investidores privados — atraídos também pelo setor de hospitais, um segmento ainda dominado pela gestão de famílias e de entidades filantrópicas. Nos últimos cinco anos, a receita dos 40 maiores hospitais privados cresceu 50%, chegando a 6,5 bilhões de reais. A expansão da demanda e o endurecimento da regulação fizeram com que um número crescente de hospitais buscasse sócios com capital e capacidade de gestão. “Muitos investidores enxergaram nisso uma bela oportunidade de cortar gordura e ganhar dinheiro”, diz Henrique Salvador, presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados. Além da operação envolvendo a compra do Hospital São Luiz, outras cinco transações ocorreram entre janeiro e setembro deste ano, movimentando um total de 1,5 bilhão de reais. “A busca é por escala. Só assim é possível cortar custos. O jogo agora é de gente grande”, diz Salvador.

A mesma lógica pode ser aplicada às recentes transações envolvendo as operadoras de planos de saúde. Em novembro do ano passado, a Amil investiu mais de 600 milhões de reais na aquisição da Medial, ampliando sua base de clientes para 4,2 milhões de pessoas, ou 10% da população brasileira coberta por planos. Com a transação, estima-se que o ganho com sinergias supere os 200 milhões de reais, uma pequena fortuna num segmento que opera com margens cada vez mais apertadas. No caso da razoavelmente desconhecida Qualicorp, as cifras são ainda mais impressionantes. A empresa, que tem 2,8 milhões de beneficiados em seu portfólio, despertou o interesse do Carlyle ao descobrir um novo filão — intermediar a negociação entre as entidades de classe e as operadoras. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde, esse segmento cresceu 150% na última década, e estima-se que deverá crescer 40% somente neste ano. A expectativa em torno desse mercado fez com que o Carlyle pagasse 500 milhões de dólares pela Qualicorp, um dos maiores negócios já realizados no setor de saúde no país. “Com a expansão da economia, pelo menos 38 milhões de pessoas devem começar a consumir produtos e serviços de saúde nos próximos anos”, diz Fernando Pinto, vicepresidente do fundo Carlyle no Brasil. “Estamos vivendo o começo de um ciclo muito virtuoso.”

Entraves

Apesar de ter dado início a um irreversível processo de consolidação, aproximando-se de economias maduras da Europa e dos Estados Unidos, o setor de saúde brasileiro ainda precisa resolver alguns entraves se quiser continuar a atrair capital. O principal diz respeito à participação do Estado, com toda a sua bagagem de idiossincrasias, nesse segmento da economia. A Constituição proíbe a presença de capital estrangeiro no controle de hospitais — muito embora empresas como a Amil, que tem ações nas mãos de investidores internacionais, como o fundo americano Capital Research and Management, tenha montado sua própria rede hospitalar, hoje com 19 unidades. (Já há um projeto de lei no Senado para alterar essa regra.) Na área de planos de saúde, o fato de a ANS estipular os índices utilizados no reajuste de contratos para pessoas físicas, que hoje representam 22% do mercado, impede que as operadoras compensem os elevados custos do negócio aumentando a mensalidade cobrada dos usuários. “Para continuar crescendo, o Brasil precisa agora acabar com a burocracia nesse setor”, diz Leuzinger, da Booz & Co. “Mas o importante é que estamos no caminho certo.”

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