Revista Exame

Yellow e Grin, agora juntas, não podem parar de acelerar

Com sete meses de vida, as startups Yellow e Grin, de bicicletas e patinetes, levantaram dezenas de milhões de dólares e anunciaram uma fusão

Loureiro e Lambrecht, da Grow: x (Germano Lüders/Exame)

Loureiro e Lambrecht, da Grow: x (Germano Lüders/Exame)

NB

Naiara Bertão

Publicado em 14 de fevereiro de 2019 às 05h50.

Última atualização em 7 de junho de 2019 às 17h27.

Em condições ideais, as patinetes elétricas que nos últimos meses vêm se multiplicando nas grandes cidades brasileiras podem andar a 20 quilômetros por hora. As empresas responsáveis pelos brinquedos precisam acelerar muito mais. Em janeiro, a startup brasileira de bicicletas compartilhadas Yellow e a empresa mexicana de patinetes Grin, criadas em meados do ano passado, anunciaram sua fusão e a captação extra de 150 milhões de dólares junto aos atuais investidores, entre eles o fundo de investimento brasileiro Monashees e o americano 500 Startups.

A nova empresa foi batizada de Grow, com a união das primeiras letras de Grin às últimas de Yellow. O mais surpreendente não é o valor em si — startups como a de produtos financeiros Nubank e a 99, também de transporte, já levantaram somas maiores —, mas a rapidez com que as empresas chegaram a esse valor. Sete meses atrás, os consumidores brasileiros nem sequer sabiam o que eram patinetes elétricas. “A ideia é crescer o mais rápido que der. Queremos ser o maior competidor do mundo em nossa área”, afirma Ariel Lambrecht, fundador da Yellow e agora copresidente da Grow Brasil. O presidente global da empresa é o fundador da Grin, o mexicano Sergio Romo.

A Grow faz parte do mercado de micromobilidade: meios de transporte a preços acessíveis para deslocamento curto em centros urbanos. O usuário baixa o aplicativo, coloca créditos e, por geolocalização, encontra o veículo mais próximo. O pagamento é automático. O sucesso vem principalmente da predisposição das pessoas de buscar alternativas para fugir do trânsito das metrópoles. Um relatório da consultoria americana McKinsey estima que, até 2030, o mercado de micromobilidade compartilhada vai chegar a algo entre 300 bilhões e 500 bilhões de dólares na China, na Europa e nos Estados Unidos juntos. Outra consultoria, a Accenture, é ainda mais otimista: calcula que os lucros desse mercado, com a massificação esperada, poderão crescer para a casa das dezenas de bilhões de dólares em 2030, enquanto a indústria de automóveis perderia até 130 bilhões de dólares. A Grin e a Yellow estão de olho nos dados reluzentes, assim como uma crescente leva de concorrentes. Daí a pressa.

Como o modelo de negócios das empresas de patinetes e bicicletas tem margem de lucro apertada, já que os custos de manutenção e logística e os investimentos em veículos são altos, o jeito é ganhar na escala. “O investimento já está feito, então, quanto mais pessoas usam o serviço, mais se ganha. É um negócio que depende de eficiência operacional”, diz Tallis Gomes, fundador da empresa de transporte Easy Taxi e presidente da startup de beleza Singu. Em uma conta básica, seriam necessárias 250 corridas de 30 minutos para pagar o investimento de uma bicicleta de 500 reais, considerando o preço médio de 1 real a cada 15 minutos de corrida da Yellow. No caso das patinetes elétricas, é preciso fazer 200 corridas de pelo menos 4 minutos para bancar os equipamentos, que chegam a custar mais de 1.000 reais cada um. Isso sem considerar as equipes responsáveis por distribuí-los pelas cidades e, no caso das patinetes, o custo de recarregar as baterias. A Grow não divulga faturamento, mas afirma que já fez cerca de 2,7 milhões de corridas com bicicletas e patinetes em seis meses, somando as operações de Grin e Yellow.

Pelo menos três empresas de fora estão de olho no mercado brasileiro. A Lime, uma das maiores de patinetes dos Estados Unidos, com 10 milhões de usuários em 100 cidades, está recrutando funcionários aqui. Em nota a EXAME, a Lime diz que “os estudos de mercado e parcerias já estão bem avançados” e que toda a América do Sul “pede por meios de transporte mais acessíveis, seguros e menos poluentes”. Outra startup que promete vir é a também americana Bird, com frota de mais de 10 milhões de patinetes no mundo. “Fusões e aquisições fazem sentido nesse segmento. É mais rápido crescer comprando alguém”, diz Ricardo Politi, sócio-gestor do fundo de investimento Mindset Ventures e cofundador da plataforma online de investimentos em startups Kria.

O mercado continua se transformando. Em 2018, a Uber e a concorrente Lyft entraram no mercado de bicicletas elétricas, seguindo a estratégia de oferecer todos os modais de transporte urbano. A própria Grin, para entrar no Brasil, fundiu-se, em outubro de 2018, com a Ride, empresa de patinetes fundada pelo empresário Marcelo Loureiro, hoje copresidente da Grow Brasil junto com Lambrecht.

É um mercado de conquista territorial. Boa parte dos 150 milhões de dólares captados pela Grow deverá servir para espalhar patinetes e bicicletas por aí. Além de abrir o mercado em mais cidades, a Grow vai ampliar a cobertura onde já atua e testar novos modais. Deve chegar a São Paulo nas próximas semanas um lote de bicicletas elétricas, e está nos planos testar o compartilhamento de motos elétricas e até carros menores, de dois lugares. Mas o foco agora são as patinetes e as bicicletas. Só de patinetes a empresa tem mais de 50.000 encomendadas para chegar nas próximas semanas. O volume vai quadruplicar a base instalada, de 15.000 patinetes em 16 cidades da América Latina, incluindo o Brasil.

Com a expansão, a Grow deve totalizar uns 135.000 veículos. “Ainda vamos definir a velocidade de expansão, mas a empresa nasce com a capacidade de chegar a três novas cidades por semana”, diz Loureiro. Quinze cidades já estão programadas para os 60 primeiros dias da Grow, entre elas Recife, Porto Alegre e Cartagena, na Colômbia. Um dos focos é crescer nas periferias. Para isso, é dada ao usuário a opção de colocar créditos no aplicativo pagando em dinheiro em pontos comerciais conveniados.

Bicicletas da Ofo, na China: exemplo dos riscos do setor | Wang Qian/AFP

O volume global de investimentos em empresas de mobilidade urbana bateu recorde de quase 45 bilhões de dólares em 2018. É tanto dinheiro que já alimenta discussões sobre a formação de bolhas. O maior exemplo vem da China, onde nos últimos anos cerca de 60 empresas despejaram mais de 16 milhões de bicicletas nas ruas. O excesso de veículos e peças quebradas fez surgir “cemitérios” de bicicletas. Para tentar controlar a desorganização das cidades, os governos locais começaram a multar usuários que pedalassem nas calçadas ou estacionassem em lugares proibidos, assim como fizeram algumas cidades americanas. O ápice dos problemas foi em dezembro de 2018, quando uma das líderes de mercado, a Ofo, ameaçou pedir falência por não aguentar o constante desequilíbrio de caixa, causado pelo alto custo da operação e da necessidade de investimentos e pela forte concorrência. Criada em 2014 por estudantes universitários, a Ofo já havia captado mais de 2 bilhões de dólares com investidores.

Se com milhões de bicicletas a Ofo não conseguiu sair do vermelho, a pergunta inevitável é: dá para ganhar dinheiro com micromobilidade? “Não é um negócio fácil de rentabilizar. Como é difícil baixar o preço do equipamento, as empresas procuram alongar sua vida útil enquanto encontram outras fontes de receita”, diz Guilherme Horn, líder de inovação da Accenture. Até a Uber já lucra mais com o serviço de entrega de comida Uber Eats do que com o transporte de passageiros. Em oito anos de operação e com mais de 24 bilhões de dólares em investimentos, a Uber ainda não é lucrativa — isso sem precisar comprar os carros. Sua expectativa é abrir o capital neste ano e chegar a um valor de mercado de 120 bilhões de dólares, algo que muitos analistas estão achando irreal. Pensando na sustentabilidade financeira, a Grow já começou a diversificar as receitas. Firmou em 2018 uma parceria com o aplicativo de entrega Rappi para que as patinetes possam ser pagas na plataforma. “A ideia é oferecer mais serviços ao usuário, tanto em mobilidade quanto em entrega e serviços financeiros”, diz Lambrecht.

Além de descontos cruzados com aplicativos como o Rappi e para os clientes Yellow e Grin, a Grow quer ampliar a gama de serviços de sua carteira virtual, o Yellow Pay, que já paga contas domésticas e recarrega bilhetes de transporte público. Outro desafio é a regulação. Nos Estados Unidos, cidades como São Francisco chegaram a proibir as patinetes elétricas. Na teoria, a Grow adota a prática de negociar antes de agir. A estratégia preferida é fazer parceria com comerciantes e condomínios para colocar pontos de patinetes e bicicletas em locais fixos, sem arrumar encrencas com o poder público. Mas a prefeitura de Vila Velha (ES) recolheu 120 bicicletas da Yellow no início de fevereiro e multou a empresa em 100.000 reais por operar sem autorização. A Grow diz que havia negociado com a prefeitura da cidade. Quem conhece o setor diz que novas quedas de braço são inevitáveis. “É a dose que vai fazer a diferença entre o remédio e o veneno”, diz Loureiro, da Grow. É mais fácil se equilibrar em cima de uma patinete.

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