Revista Exame

Estudar fora virou um negócio surpreendente

Nunca houve tantos brasileiros querendo estudar no exterior. Novas empresas surgiram para atuar nesse setor – e as antigas estão mudando para crescer

Machini (sentado), Faria (de vermelho) e Lima, da Worldpackers: a empresa começou num albergue (Germano Luders/Exame)

Machini (sentado), Faria (de vermelho) e Lima, da Worldpackers: a empresa começou num albergue (Germano Luders/Exame)

NB

Naiara Bertão

Publicado em 22 de maio de 2017 às 05h55.

Última atualização em 22 de maio de 2017 às 09h48.

São Paulo — Em 2013, os paulistanos Eric Faria e Ricardo Lima tiveram um reencontro improvável num albergue em San Diego, nos Estados Unidos. Ambos haviam trabalhado juntos anos antes e largado o emprego para viajar pelo mundo. Na tentativa de financiar o plano gastando o mínimo possível, Faria começou a fazer bicos — na maioria das vezes, trocava trabalho por hospedagem.

No albergue de San Diego, todos os funcionários eram viajantes e trabalhavam ali por um período até a partida para o próximo destino. Conversando sobre o assunto, os dois brasileiros perceberam que havia ali uma oportunidade de negócio — um site que funcionasse como intermediário, ligando os estabelecimentos interessados nesse tipo de empregado a viajantes dispostos a trabalhar por casa e comida.

Começaram a testar o modelo em San Diego mesmo: visitaram outros albergues, pousadas e restaurantes e acharam que havia demanda. Voltaram ao Brasil em 2013, atraíram um novo sócio, o engenheiro de computação João Machini, e lançaram o site Worldpackers no ano seguinte. Em 2016, receberam um investimento de 2 milhões de dólares de um grupo de fundos e investidores-anjo.

Hoje, o site tem 500 000 usuários ativos, que pagam uma taxa de 30 dólares para encontrar trabalho no exterior — a lista inclui limpar banheiro, cozinhar, colher uvas em vinícolas, fotografar eventos e, para quem não precisa de dinheiro, ensinar algum idioma a crianças carentes. “Muitas pessoas não se encaixam no esquema tradicional de intercâmbio, não querem ficar trancadas em uma escola”, diz Lima, que tem 30 anos.

Desempregados

Nunca houve tantos brasileiros estudando e trabalhando de forma temporária no exterior. No ano passado, cerca de 240 000 fizeram intercâmbio — no grupo, estão adolescentes, jovens e também quem perdeu o emprego e decidiu aproveitar a crise para fazer algum curso lá fora. O faturamento desse setor chegou a 4,8 bilhões de reais, 40% mais do que em 2012.

As maiores empresas do setor ainda são as agências de intercâmbio, cujo modelo é espalhar lojas e franquias pelo país, como STB, EF, Central de Intercâmbio, World Study e Experimento, que foi comprada pela operadora de turismo CVC em dezembro. “Esse mercado exige experiência, mas tem potencial. Compramos a Experimento por isso”, diz Luiz Eduardo Falco, presidente da CVC. Claro, o grosso da demanda ainda vem de estudantes que querem passar um tempo no Canadá ou nos Estados Unidos para aprender inglês. Mas, para fazer frente ao aumento da procura — e à vontade de inovar dos viajantes —, mesmo as agências tradicionais de intercâmbio estão lançando modalidades de estada no exterior.

A Central de Intercâmbio, que faturou 276 milhões de reais em 2016 e tem 105 lojas, criou há dois anos a subsidiária Amaze Sports, que envia crianças e adolescentes à Inglaterra e à Espanha para estudar idiomas e treinar futebol nos clubes Manchester City e Barcelona. “Os adolescentes que se destacam em esportes podem se candidatar a fazer faculdade fora do país”, diz Lucas Garcia, diretor da Amaze Sports.

A mudança no perfil dos viajantes e o aumento na demanda abrem espaço para empreendedores com uma visão diferente. No Brasil, além da Worldpackers, é o caso da Descubra o Mundo, fundada pelos irmãos Bruno e Gabriel Passarelli, de 30 e 26 anos, que passaram boa parte da vida viajando (o mais velho diz que conhece 42 países; o mais novo, 35). A empresa tem um site que reúne 40 000 cursos de intercâmbio em 25 países — a diferença em relação às agências tradicionais é que os cursos são padronizados (não há um consultor personalizando o serviço, por exemplo).

Em 2015, os irmãos também fecharam parcerias com agências de viagem, que podem oferecer os cursos da Descubra o Mundo em seus sites e lojas e pagam comissão quando conseguem vender. Nos Estados Unidos, a startup Trov passou a vender seguros, de forma online, para proteger os bens de quem está morando fora — o cliente paga apenas pelos dias, ou horas, em que precisar do serviço e pode cancelá-lo a qualquer momento pelo celular (as apólices mais procuradas são as de bicicletas, equipamentos eletrônicos e instrumentos musicais). A Trov já recebeu seis rodadas de investimento — a última, finalizada em abril, somou 45 milhões de dólares.

Desde 2000, o número de pessoas fazendo algum curso fora de sua terra natal dobrou e chegou a 5 milhões. No ranking dos países que mais enviam estudantes ao exterior, o Brasil está em oitavo lugar, com 2% do total — a China, primeira colocada, tem 32%, seguida por Índia (16%) e Arábia Saudita (6%). Para pequenas e médias empresas desse mercado, o grande risco é o câmbio. Em 2015, quando o dólar valorizou quase 50% e passou de 4 reais, o faturamento do setor diminuiu. Mas, como esse é um mercado que cresce no mundo todo, e o Brasil ainda tem participação pequena, a aposta dos empresários é que vale a pena arriscar a viagem.

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